Washington, 10/03/2008 – A política externa dos Estados Unidos é cada vez mais dominada pelo Pentágono em lugar do Departamento de Estado, e o Congresso nada faz para detê-lo, alertaram organizações de direitos humanos. O Departamento de Defesa não só consegue mais domínio com a criação de seus novos programas de ajuda militar, no contexto de sua "guerra contra o terrorismo", mas também através do crescente poder dos "comandantes combatentes", altos comandos que supervisionam as operações militares em todo o mundo, segundo o informe intitulado "Preparar, apontar, política externa", divulgado na semana passada por uma coalizão de organizações não-governamentais.
De fato, um documento de estratégia preparado no ano passado pelo Comando Sul, que supervisiona todas as operações no Caribe e na América Latina ao sul do México, propunha que esse escritório militar coordenasse também todas as agências norte-americanas de relevância, incluindo as civis, "para cobrir toda gama de desafios regionais. Queremos ser como um grande velcro no qual estas outras agências possam se prender para que possamos fazer coletivamente o que esta região necessita", disse o chefe do Comando Sul, James Stavridis.
O informe, elaborado pelo Escritório de Washington sobre América Latina (Wola), pelo Centro para a Política Internacional (CIP) e pelo Fundo de Educação do Grupo de Trabalho sobre a América Latina (Lawgef), analisa principalmente o equilíbrio de poder entre o Pentágono e as agências civis que trabalham na América latina. Mas os três grupos, que divulgaram relatórios anuais sobre as tendências da ajuda militar norte-americana à região durante a ultima década, concluíram que o que ocorre na América Latina é um indício do que também sucede em outras regiões.
"Nossa organização se concentra na América Latina, e por isso nossos exemplos são dessa região, onde alguns programas de ajuda militar do Departamento de Defesa foram pioneiros", diz o documento, citando mudanças nas leis sobre segurança que permitiram ao Pentágono liderar esforços antidrogas. "Mas esta tendência afeta a política externa norte-americana em todo o mundo", acrescenta o estudo, que exortou o Congresso e ao governo que suceder o de George W. Bush a reafirmar o controle civil.
Se for permitido que isso continue, a atual tendência "reduzirá o controle do Congresso, do público e inclusive diplomático" sobre a política externa. Além disso, "afetará os valores de direitos humanos em nossas relações com o resto do mundo e aumentará a imagem dos Estados Unidos como uma potência mundial baseada principalmente no poder militar", alertaram as organizações. Este informe é o último de uma série alertando para a crescente militarização da política externa norte-americana, principalmente durante o governo Bush.
Em maio de 2007, por exemplo, o órgão independente de controle Centro pela Integridade Pública, divulgou em seu site na Internet informação sobre o fluxo de milhares de milhões de dólares do Pentágono para governos repressivos como os de Djibuti, Etiópia, Paquistão e Uzbequistão, fundos que o Departamento de Estado muito provavelmente não teria aprovado seguindo as provisões sobre direitos humanos incluídas nas leis norte-americanas sobre assistência externa. O projeto de investigação do CPI, intitulado "Dano colateral", concluiu que o Congresso exerceu pouca ou nenhuma vigilância sobre o desembolso dessa ajuda.
Informes do Escritório de Responsabilidade Governamental do Congresso, e inclusive do Comitê de Relações Exteriores do Senado, também refletem a preocupação de que a influência e as operações no exterior do Departamento de Estado e de outras agências civis estejam sendo ofuscadas pelos maiores recursos do Pentágono e de seus comandantes combatentes. "A sangria de responsabilidades civis para as agências militares ameaça enfraquecer a primazia do Departamento de Estado em fixar a agenda das relações exteriores dos Estados Unidos com outros países e com o dever do Departamento de Defesa de se concentrar nos assuntos bélicos", disse o Comitê do Senado em um informe divulgado em dezembro de 2006.
A mudança do equilíbrio de poder entre civis e militares foi facilitada por três vias principais, segundo o novo estudo. Uma delas é a tentativa de expandir o programa de ajuda militar do Pentágono conhecido como "Seção 1206", de US$ 300 milhões ao ano, para transformá-lo em um fundo mundial permanente de quase US$ 1 bilhão. Outra é a proposta da secretária de Estado, Condoleezza Rice, para reestruturar a ajuda estrangeira de maneira a transferir ao Pentágono a administração da assistência militar e, consequentemente, reduzir a supervisão do Congresso. A terceiro é o objetivo dos comandantes combatentes de assumir maior destaque na coordenação de todas as agências dos Estados Unidos, como indicam na Estratégia 2016 do Comando Sul.
Parte do problema deriva do grande desequilíbrio de recursos entre o Pentágono, cujo orçamento anual de aproximadamente US$ 600 bilhões supera os de todas as forças militares do mundo, e o Departamento de Estado, que com US$ 30 bilhões, segundo estimativa, tem um número menor de funcionários do que o de músicos empregados em todas as bandas militares dos Estados Unidos. Esse desequilíbrio ficou muito claro no Iraque, onde o Pentágono se queixava reiteradamente de que o Departamento de Estado e outras agências civis não podiam levar adiante a reconstrução por falta de pessoal e experiência.
Como conseqüência, milhares de milhões de dólares foram canalizados através dos Corpos de Engenheiros do Exercito, em lugar da Agência para o Desenvolvimento Internacional (Usaid). Em outros campos de batalha da "guerra contra o terrorismo", particularmente na África e na Ásia, os militares estão cada vez mais envolvidos no trabalho humanitário e de desenvolvimento, como abrir poços ou construir escolas, atividades tradicionalmente sob controle civil.
"Não é aceitável dizer que o Estado está arruinado e trasladar as responsabilidades ao Departamento de Defesa", disse o diretor da Wola, Joy Olson. "Se o Estado está arruinado, então que seja consertado", acrescentou. Mas, apesar de Rice e do próprio secretário de Defesa, Robert Gates, pedirem ao Congresso que seja destinado mais dinheiro à diplomacia e à Usaid (Gates inclusive dedicou todo um discurso no ano passado a destacar a necessidade de gastar mais no "poder suave" dos Estados Unidos em contraposição ao "poder duro" dos militares) a resposta foi quase nula. (IPS/Envolverde)
(Envolverde/IPS)