Genebra, 10/03/2008 – O Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial da Organização das Nações Unidas expressou preocupação pela persistente vigência nos Estados Unidos de legislações, políticas de governo e costumes que são obstáculos à erradicação da discriminação racial. Também mostrou-se preocupado com a situação de membros de diferentes comunidades minoritárias nesse país, como a árabe, a muçulmana e as originarias da Ásia meridional. Estas minorias são submetidas à prática policial e de inteligência denominada "racial profiling", ou perfil racial" (elaboração de perfis criminosos ou de vigilância seletiva com base na raça), depois dos atentados terroristas que mataram três mil pessoas em 11 de setembro de 2001 em Nova York e Washington.
O Comitê, com sede em Genebra, recomendou aos Estados Unidos que fortaleçam seus esforços para combater o uso do "perfil racial", tanto na área federal quanto nos Estados. Também pediu, no prazo de um ano, a apresentação de um informe sobre o acompanhamento deste caso. O órgão, que supervisiona o acatamento pelos países da Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, também se declarou profundamente preocupado pela concentração desproporcional de minorias raciais, étnicas e nacionais em áreas residenciais pobres e com deficientes condições de moradia.
O órgão se referia, especialmente, às pessoas de origem latino-americana e aos negros, que também enfrentam um acesso inadequado aos serviços de saúde, freqüentam escolas precárias e estão expostos aos crimes e à violência, disse o Comitê da ONU, que na sexta-feira encerrou a primeira de suas duas sessões anuais dedicadas ao exame dos informes sobre a situação nos países que ratificaram o tratado.
O ativista norte-americano Ajamu Baraka disse em Genebra, onde o Comitê se reuniu, que estas observações "expõem ao mundo até que ponto a discriminação racial é normal e lícita em muitas áreas da vida dos Estados Unidos, em conseqüência das leis e das práticas" do país. Baraka, diretor-executivo da Rede de Direitos Humanos dos Estados Unidos, coalizão que reúne 250 organizações não-governamentais, disse à IPS que as observações do Comitê "apóiam os questionamentos" segundo os quais o sistema jurídico norte-americano é inadequado para enfrentar a discriminação.
O Comitê, integrado por 18 especialistas independentes e atualmente presidido pelo francês Regis de Gouttes, voltou a reclamar de Washington, como já fizera em 2001, que reconsidere a definição de discriminação racial utilizada nas leis e no Poder Judiciário. A Convenção proíbe a discriminação racial em todas suas formas, inclusive em casos de práticas judiciais ou de leis que não tenham propósitos discriminatórios mas efeitos desse caráter, explicou ao Comitê.
Baraka reclamou dos Estados Unidos que levem em conta as recomendações e modifiquem essas definições, que requerem uma prova de intenção de discriminação e entra em conflito com a definição consagrada pelo tratado. O corpo de especialistas da ONU reconheceu que nos Estados Unidos está proibida toda discriminação racial por parte do governo, mas advertiu que esse impedimento não rege de maneira absoluta para indivíduos, grupos e instituições privadas. Nesse sentido, recomendou que Washington retire sua reserva ao artigo segundo da Convenção, que permite limitar esse alcance da proibição total da discriminação racial.
Por outro lado, o Comitê exortou esse país a considerar a criação de uma instituição nacional independente em matéria de direitos humanos, como propicia a ONU e existe em outras nações. Baraka estimou que a criação desse órgão "ajudaria muito na compreensão do racismo e da discriminação racial como uma negação dos direitos humanos e não unicamente dos direitos civis". O Comitê reconheceu os esforços do setor estatal e de organizações da sociedade civil na assistência às vitimas do furacão Katrina, que em 2005 açoitou a cidade de Nova Orleans em zonas próximas.
Entretanto, o órgão se declarou preocupado com as conseqüências díspares que esse desastre natural continua exercendo sobre residentes afro-norte-americanos de baixa renda, muitos dos quais continuam em situação ruim mais de dois anos depois da passagem do furacão. O Estado deveria incrementar seus esforços para favorecer o retorno dos refugiados e, dentro do possível, garantir o acesso a uma moradia em seus lugares de residência habitual.
Por outro lado, o Comitê lamentou energicamente que Washington não tenha adotado suas recomendações sobre a situação dos povos indígenas shoshone ocidentais, e reclamou do governo que apresente um informe sobre o caso dentro de um ano. Uma medida semelhante foi tomada em relação às normas que permitem a condenação à prisão perpétua de acusados menores de idade, e inclusive de crianças. A persistência dessas sentenças é incompatível com a Convenção, disse o Comitê, que cobrou a eliminação dessas condenações para menores de 18 anos e a revisão das já proferidas.
Este órgão das Nações Unidas também pediu aos Estados Unidos que implantem programas de formação para agentes governamentais e judiciais, nos âmbitos federal e estadual, para divulgar o conhecimento da Convenção e das obrigações assumidas pelo país em sua condição de Estado signatário. Washington deverá informar a respeito também no prazo de um ano. O caso dos Estados Unidos foi discutido pelo comitê em suas sessões dos dias 20 e 21 de fevereiro passado, com participação de uma delegação do governo de George W. Bush e na presença de mais de 120 ativistas e especialistas da Rede de Direitos Humanos desse país. (IPS/Envolverde)
(Envolverde/IPS)