Baquba, Iraque, 12/03/2008 – As meninas e os meninos do Iraque são os mais prejudicados pela ocupação norte-americana deste país do Oriente Médio. A Organização das Nações Unidas estimou que meio milhão de crianças iraquianas morreram durante os mais de 12 anos de sanções econômicas anteriores à invasão pelos Estados Unidos em março de 2003, principalmente devido à desnutrição, que desde então aumentou 9%, segundo informe da organização humanitária Oxafam, divulgado em julho de 2007.
Outro estudo, da organização Save the Children diz que o Iraque tem o índice de mortalidade mais alto entre menores de 5 anos. Desde a primeira guerra do Golfo Pérsico ou Arábico (1991) essa taxa aumentou 150%. Estima-se que uma em cada oito crianças morre no Iraque antes de completar 5 anos. Apenas em 2005 morreram 122 mil em uma população de 25 milhões de habitantes. "Pelo menos dois milhões de crianças nesse país sofrem carências alimentícias, segundo avaliação feita pelo Programa Mundial de Alimentos em 2006, e correm outros riscos como educação interrompida, falta de vacinação e doenças que causam diarréia", diz um informe do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) deste mês.
A IPS conversou com três crianças de diferentes distritos de Baquba, 40 quilômetros a nordeste de Bagdá e capital da instável província de Diyala. Firas Muhsin, de 7 anos, vive nesta cidade com a mãe. Seu pai foi assassinado há dois anos por rebeldes que atiraram contra seu comércio. O pequeno vai à escola perto de sua casa durante quatro horas todos os dias. Raramente brinca com vizinhos, e sempre sob o olhar atento de sua mãe. Firas tem permissão para se afastar apenas 10 metros de sua casa. A mãe teme os estranhos. O seqüestro de crianças é comum no Iraque e acredita-se que muitas foram vendidas como soldados ou para se prostituírem.
Funcionários iraquianos e trabalhadores humanitários estão preocupados com a alarmante assiduidade com que meninos e meninas desaparecem em todo o país. Pelo menos dois são vendidos por seus país a cada semana, informou em janeiro Omar Khalif, vice-presidente da não-governamental Associação de Famílias Iraquianas, criada em 2004 para registrar casos de menores desaparecidos ou vítimas do trafico de pessoas. Além disso, são denunciados quatro desaparecimentos de crianças todas as semanas, acrescentou. "Os números são alarmantes. Houve aumento de 20% nas denúncias de desaparecimentos em um ano", ressaltou Khalif.
Firas passa várias horas do dia sentado do lado de fora de casa vendo as pessoas passarem. A porta da sua casa é sua única saída. À tarde, sua mãe o faz entrar para estudar. Depois do jantar, sua única esperança é ver desenhos animados na televisão, se o gerador elétrico funcionar. A família não tem combustível necessário para calefação. "Meus filhos têm frio e não posso comprar querosene", contou a mãe. Muitas crianças da idade de Firas nem mesmo vão à escola. Dezessete por cento dos meninos e meninas iraquianos nunca vão à escola, e cerca de outros 220 mil faltam muito porque suas famílias tiveram que se mudar para outras áreas do país, segundo a ONU.
A essa quantidade somam-se os 760 mil que em 2006 estavam fora do sistema escolar. Esses números não incluem as centenas de minares de meninas, meninos e jovens iraquianos que interromperam ou abandonaram os estudos porque suas famílias tiveram de fugir para outros países. Pelo menos 2,25 milhões de iraquianos deixaram seu país, segundo o escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur).
Qusay Ameen, de 5 anos, vive com sua mãe, o pai, duas irmãs e um irmão. O pai é sargento do antigo exército iraquiano. Agora está desempregado e recebe pensão de US$ 110. A mãe é dona de casa. Qusay, que colabora vendendo cigarros nas ruas, espera poder ir à escola no próximo ano, quando completar 6 anos. Depois do simples café da manhã, composto por tomates fritos com pão, Qusay quer brincar, mas não tem mais que um pequeno automóvel quebrado que seu irmão encontrou na porta do vizinho. Passa a maior parte da manhã brincado com ele, e fica muito contente quando vai no vizinho, porque tem um balanço no jardim.
Como a maioria das crianças iraquianas, Qusay cresceu passando necessidades. Raramente come doces ou tem roupa nova. Sua casa é muito pequena, tem um quarto e um cômodo que é banheiro e cozinha. Todos dormem no mesmo quarto, que é extremamente frio no inverno. Não há camas nem cobertas suficientes. Devem dormir todos juntos para se aquecerem. A casa tem poucas comodidades. Não há televisão nem eletrodomésticos úteis. Tem um pequeno fogão a querosene que também é usado como aquecedor.
Apenas 40% das meninas e dos meninos iraquianos têm acesso à água potável em todo o país, segundo o Unicef, e apenas 20% da população dos arredores de Bagdá contam com rede de esgoto que funcionam. Cerca de 75 mil crianças vivem com suas famílias em abrigos provisórios.
Ali Mahmood, de 6 anos, vive com seu tio Thamir em Baquba desde que seus país morreram há dois anos por causa de um bombardeio indiscriminado dos rebeldes. No próximo ano irá a uma escola primária perto da casa de seu tio. Os dias de Ali são todos iguais e tranqüilos. Seus únicos amigos são seus primos. Mas, quando eles vão à escola, fica sozinho. A família de seu tio não pode cuidar dele de forma adequada. Thamir faz o melhor que pode, mas a vida é difícil e ele tem muitas pessoas para cuidar. Ali carece de tudo o que uma criança pode necessitar. Não tem onde brincar, nem brinquedos, nem ninguém que vele por seu futuro. E já tem responsabilidades: deverá cuidar de seu irmão menor quando crescer. Firas, Qusay e Ali são crianças, mas, sem infância.
* Ahmed, nosso correspondente na província iraquiana de Diyla, trabalha em estreita colaboração com Dahr Jamail, especialista no Iraque radicado nos Estados Unidos que visita frequentemente o Oriente Médio.
(Envolverde/IPS)