Genebra, fevereiro/2008 – Há mais de três décadas a União Européia mantém um caríssimo esquema de fornecimentos para seu mercado açucareiro, que isola os produtores locais das forças do mercado internacional mediante um forte apoio aos seus preços e a aplicação de tarifas alfandegárias proibitivas para as importações. Esse regime tem como resultado preço três vezes maior do que os do mercado mundial, bem como um excedente de produção que só pode ser exportado graças a fortes subsídios. Ao mesmo tempo, a UE permite o acesso ao seu mercado de açúcar livre de impostos, em quantidades garantidas, proveniente de algumas de suas ex-colônias. O Protocolo Açucareiro, que prevê essas preferências para 18 países da África, do Caribe e do Pacífico (ACP), demonstrou ser altamente remunerativo para os produtores dessas regiões.
Em 2003, três dos mais eficientes produtores de açúcar que não
têm acesso ao altamente protegido mercado da UE, Brasil, Austrália e Tailândia,
apresentaram em Bruxelas uma denúncia afirmando que a União Européia subsidiava
suas exportações de açúcar além dos níveis acordados nas negociações comerciais
da Rodada do Uruguai. A Organização Mundial do Comércio decidiu a favor dos
denunciantes e a UE foi obrigada a fazer com que seu mercado interno se
adequasse às suas obrigações perante a OMC. Assim, em fevereiro de 2006 a União
Européia adotou um programa radical de reformas para o período
2006/2007-2009/2010.
Fundamentalmente, as reformas tendem a uma
significativa redução da produção doméstica de açúcar, de 20 milhões para 12
milhões de toneladas, e estabelecem a redução do preço em 36% no prazo de quatro
anos. As reduções de preço, entretanto, estão em forte contradição com os
interesses dos países ACP, a maioria deles da África, beneficiários do Protocolo
Açucareiro. A reforma da UE produziu outras severas conseqüências para os
signatários desse documento. Em setembro passado, a UE denunciou o protocolo e
estabeleceu o fim das preferências a partir de outubro de 2009.
A
denúncia tem duas razões principais. Primeiro, tirar pressão do superabastecido
mercado doméstico da UE, que demonstrou ser relativamente resistente aos
iniciais esforços reformistas. Em segundo lugar, é previsível que as
preferências do Protocolo Açucareiro, se forem mantidas com duração indefinida,
posam ser questionadas sob as normas da OMC. Tanto a reforma da UE quanto a
denúncia do Protocolo muito provavelmente levem alguns países ACP com altos
custos a deixarem de produzir.
Para mitigar esses efeitos adversos a
União Européia destinou 1,284 bilhão de euros como ajuda. Esta assistência tem
por objetivo melhorar a competitividade e a diversificação e de ajudar o
financiamento de mais amplas necessidades de ajuste dos Estados individuais. A
disponibilidade, porém, depende de um baixo grau de competitividade do Estado
respectivo e do grau de confiança nas preferências.
Em um caminho
paralelo, a UE fez aos países ACP uma oferta de acesso ao mercado açucareiro
como parte das negociações entre as duas partes sobre os Acordos de Associação
Econômica (AAE). Os AAE devem substituir o sistema de preferências comerciais do
Acordo de Cotonou a favor dos ACPs, que terminou no final de 2007. Sob as novas
condições, os países ACP, que parecem ser as economias mais vulneráveis do
mundo, estarão competido entre si para o acesso ao mercado da UE, exercendo uma
pressão para baixo nos preços e reduzindo os ganhos com as exportações.
O
acesso ao mercado açucareiro oferecido pela UE é decepcionante em vários
aspectos e deixa a maioria dos beneficiários do Protocolo Açucareiro em pior
situação. Esse cenário contradiz a obrigação da UE sob o Acordo de Cotonou de
proporcionar aos países ACP benefícios semelhantes à situação prévia aos AAE.
Assim, os países ACP necessitam se apresentar com firmeza nas negociações dos
AAE para evitar uma inaceitável cláusula restritiva de segurança e para receber
preços de exportação garantidos, bem como cotas iniciais suficientemente amplas
para compensar perdas devidas às reduções de preço.
Com este cenário, é
de crucial importância um julgamento sobre o valor desta nova oferta da UE para
o acesso ao seu mercado de açúcar, que foi anunciada dentro do contexto das
atuais negociações dos AAE. A UE tem a obrigação moral e legal de proporcionar
às pequenas e vulneráveis economias das nações ACP um acesso ao mercado do
açúcar que não seja de menor valor do que o dos acordos comerciais prévios e
também deve continuar contribuindo para o desenvolvimento econômico desses
países e para a redução da pobreza. (IPS/Envolverde )
* David Kleimann,
especialista alemão em direito internacional e relações
internacionais.
(Envolverde/IPS)