Os desafios de Raúl Castro

Havana, 20/02/2008 – Sem o carisma de seu irmão Fidel, mas com uma personalidade muito mais próxima do cidadão médio, o quase certo próximo presidente de Cuba, Raúl Castro, deverá impulsionar importantes transformações econômicas e políticas se pretende garantir a sobrevivência do socialismo no país. Mudanças parece ser a palavra de ordem nesta ilha do Caribe desde que no ano passado, já como presidente interino, Raúl Castro chamou a população a analisar em profundidade os problemas, tomando como referência seu discurso de 26 de julho.


Nessa oportunidade sua principal mensagem foi: tudo pode ser mudado, o que valia ontem, não tem necessariamente que valer hoje.

A nova Assembléia Nacional do Poder Popular deverá enfrentar "uma etapa complexa" e "grandes decisões, pouco a pouco", reconheceu o irmão mais novo de Fidel Castro há apenas um mês, pouco depois de votar nas eleições desse dia para renovar esse parlamento unicameral e os órgãos provinciais de governo. Naturalmente, as mudanças promovidas a partir das mais altas esferas do governo têm limites e, no momento, estes se encontram dentro do que viria a ser a construção de um modelo socialista cubano, no qual caberiam tanto reformas estruturais, econômicas, legais quanto, inclusive, na área da política.

"Raúl tem sentido da necessidade de mudança. Há muitas coisas que não podem continuar como estão", disse à IPS uma mulher de 52 anos, aposentada do setor educacional. Outras pessoas, menos otimistas, vinculam o presidente interino com algumas das políticas mais duras do passado, mas também com o impulso de reformas econômicas. Enquanto a tendência na ilha aponta para uma espera tranqüila "pelo que virá", o exílio cubano nos Estados Unidos questiona a natureza das transformações que poderiam ocorrer com o mandato de Raúl Castro.

"Não se pode esperar mudanças reais e estruturais", disse aos jornalistas Jaime Suchlicki, professor da Universidade de Miami. Ministro das Forças Armadas, primeiro vice-presidente de Cuba e segundo secretário do governante Partido Comunista, este general do exército parece ser o único candidato possível às eleições para presidente do Conselho de Estado, previstas para o próximo domingo, na primeira sessão do parlamento eleito no mês passado. Bem próximo a ele aparece o atual vice-presidente Carlos Lage, um médico de 56 anos e ex-dirigente da União de Jovens Comunistas, que esteve muito ligado às reformas econômicas da última década e, em varias ocasiões, substituiu Fidel Castro em fóruns internacionais.

Obrigado no dia 31 de julho de 2006 a delegar suas responsabilidades à frente do país por razões de saúde, o máximo líder da Revolução Cubana anunciou na última terça-feira que não aceitará o cargo se reeleito como presidente do Conselho de Estado nem continurá com seu posto de Comandante-em-chefe do exército. Sem mencionar seu cargo como primeiro secretário do Partido Comunista, Fidel Castro assegurou que somente deseja "combater como um soldado das idéias" e para isso manterá sua coluna na imprensa cubana. "Será uma arma a mais do arsenal com o qual se poderá contar. Talvez minha voz seja ouvida. Serei cuidadoso", afirmou.

Após a renúncia, as apostas se deslocaram da já tradicional fórmula "Fidel ou Raúl" para as possíveis mudanças em um sistema de direção que até agora concentrou em uma única pessoa as responsabilidades de liderar o Estado, o governo e o Partido Comunista. A separação de poderes, que inclusive exigiria uma reforma constitucional, seria uma primeira transformação importante para Cuba e demonstração da compreensão da atual direção do país quanto à necessidade de uma direção mais coletiva, uma aposta de Raúl Castro desde que assumiu o governo interinamente diante da retirada por questões de saúde de seu irmão Fidel.

Analistas estimam que se trata, em essência, de conseguir uma fórmula de governo que busque, por um lado, equilíbrio e consenso, tanto no interior da atual classe dirigente – onde confluem várias gerações e visões políticas diversas sobre a realidade cubana – quanto em relação às aspirações da população. Mais de 1,3 milhão de sugestões foram recolhidas durante as assembléias realizadas em Cuba no ano passado, a partir do chamado de Raúl Castro após seu discurso de 26 de julho. O leque de inquietudes, segundo diversas fontes, inclui temas como a dualidade monetária e o valor real do salário; os problemas de moradia e todas as limitações vinculadas às permutas, venda de propriedades e construção com esforço próprio; a crise do transporte público; a qualidade da educação e dos serviços de saúde.

No "inventário informal" dos debates aparecem as limitações ao exercício do trabalho por conta própria e a iniciativa privada; o acesso da população a hotéis destinados ao turismo internacional e que antigamente estiveram à sua disposição, e todas as restrições impostas ao direito de viajar ao estrangeiro. Também há a reestruturação da agricultura, reforma já impulsionada pelo governo; retomar algumas medidas de abertura da última década e reverter o retorno à excessiva centralização estatal, frente à descentralização promovida como opção para sair da crise econômica dos anos 90.

A maioria das sugestões favoreceram a realização de "determinadas mudanças', mas "que ajudem a sustentar este projeto social", garantiu à IPS Mariela Castro, diretora do Centro Nacional de Educação Sexual, após o qual se pronunciou a favor de que experiências como estas se convertam em "mecanismos permanentes'. As reuniões, convocadas oficialmente, complementaram vários debates eletrônicos, blogs e espaços em sites na Internet que, durante o ano passado, canalizaram as opiniões de não poucas pessoas as quais, de dentro de Cuba, promovem transformações importantes dentro do atual sistema político.

Para o reverendo batista Raimundo García, diretor-executivo do Centro Cristão de Reflexão e Diálogo, outro desafio importante passaria pela promoção de espaços de diálogo e uma participação mais efetiva no debate e na busca de soluções dos diferentes setores da sociedade civil. Também se imporia a convocação o mais breve possível do sexto congresso do Partido Comunista, uma reunião adiada desde 2002 e que deve partir das novas condições históricas para aprovar as principais linhas a serem seguidas pelo país, tanto na esfera política quanto nas áreas econômicas. E tudo isto em um ano eleitoral nos Estados Unidos, uma conjuntura que sempre marca a política e até a vida cotidiana na ilha, marcada por uma diferença bilateral que data de 1960.

"Há setores do governo que se dão conta de que Cuba deve se modernizar', disse à IPS o opositor Manuel Cuesta Morúa, e mencionou a necessidade de haver mudanças, que considerou "de senso comum" em setores como "moradia, alimentação e nos salários, todos vinculados ao bem-estar social". Sobre ao anúncio de renúncia, o porta-voz da coalizão Arco Progressista, de tendência moderada, considerou que Fidel Castro tomou "a decisão certa no momento certo". É uma decisão "valente" e que abre o caminho para impulsionar "as mudanças que o país precisa e está exigindo", afirmou. (IPS/Envolverde)

(Envolverde/IPS)

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