Lisboa, fevereiro/2008 – A crise nos Estados Unidos estourou, à vista de todos. O sistema neoliberal está corrompido. A economia de casino dos off-shores e dos escândalos apenas causaram desastres. É preciso mudá-lo, o quanto antes melhor. As últimas semanas foram demolidoras para os que pensavam – e alguns ainda pensam – ser possivel evitar a crise financeira mundial anunciada e a recessão para a qual os Estados Unidos se encaminham.
Mas, não há dúvida, todos os
sinais mostram a gravidade da crise: a turbulência nas bolsas da superpotência e
de todo o mundo, apesar das desesperadas baixas das taxas de juros decretadas
pela Reserva Federal (Banco Central) dos Estados Unidos junto com as medidas
imaginadas para reanimar a economia adotadas pelo Presidente George W. Bush, um
neoliberal extremista e um ultraconservador obrigado, pela força da lógica, a
recorrer às receitas antiéticas de J. M. Keynes. Remedio tardio e de curto
efeito.
Antes de tudo deve-se admitir que a doutrina neoliberal está
irremediavelmente desacreditada e que a globalizaçao selvagem, que exaspera
abruptamente as desigualdades econômicas, dentro de cada Estado e entre os
diversos Estados, tem que ser submetida à regulamentaçao em nível mundial, se
realmente queremos enfrentar os desafios que temos pela frente. Nesse sentido,
as Nações Unidas podem desempenhar uma funçao importante.
Não serão
possíveis as mudanças que exige a crítica situação atual, se a União Européia
não assumir um papel decisivo. Mas, o essencial é compreender que o sistema
econômico-financeiro que vivemos no Ocidente, e que quis impor a todo o globo,
está esgotado e tem de ser substituido rapidamente. Nesse quadro os paises
emergentes têm cartas importantes para o jogo.
Nos Estados Unidos, neste
ano eleitoral, a mudança de rumo se apresenta como inevitável e como uma questão
de sobrevivência: o aumento do desemprego, a crise dos créditos imobiliários de
alto risco (sub-prime), a crescente inflação, a instabilidade monetária, as
quebras empresariais, a estendida corrupção e o caso-modelo do Citigroup, o
maior banco do mundo, e de suas asombrosas perdas (US$ 18,1bilhões) o estao
demonstrando e exigindo. E se a Administraçao Bush tivesse que aceitar que os
chineses comprem o Citigroup para evitar sua bancarrota?
No plano externo
se prolonga o impasse das guerra no Oriente Médio – Iraque e Afeganistão – e a
incerteza que levaram à região: desde o Líbano ao Paquistão, da Arábia Saudita
ao Irã e agora ao Egito, somado ao agravamento do conflito palestino-israelense
depois da visita de Bush, que foi um não-acontecimento. Os neo-cons falharam em
toda linha. Os anos dos dois mandatos de Bush podem ser catalogados como os
piores da história norte-americana. E ainda não sabemos como essa aventura vai
terminar.
Os norte-americanos, em geral, já perceberam a magnitude do
desastre que lhes deixa o governo Bush. Mudança é a palavra mágica. Mas para
onde e como? Este é o problema dos candidatos democratas e até dos republicanos,
entre os quais os que mais se distanciaram de Bush são os que prevalecem. As
eleições presidenciais norte-americanas serão decididas em novembro deste ano.
Veremos se os norte-americanos terão um bom senso de optar por uma mudança
não-retórica, que se traduza em uma ruptura efetiva com o passado recente. É
necessário que assim seja, não apenas pelos interesses da propria superpotência,
mas tambem pelos efeitos negativos da crítica situação sobre os países
emergentes e o resto do mundo.
A Europa, por sua vez, e apesar das
pressões políticas, não seguiu os passos da superpotência. E creio que fez bem
em se distanciar. O dólar está em queda livre enquanto o euro começa a ser visto
como a principal moeda de referência no contexto internacional. Será a União
Européia capaz de sair do impasse? Será ratificado o Tratado de Lisboa durante o
ano em curso pelos 27 Estados-membros? Esta é a questao principal com que nos
defrontamos. Um bom sintoma foi a recente adesão de nove Estados-membros ao
Espaço de Schengen (de livre circulação entre os 28 países que agora o
integram), pois se trata de uma manifestaçao de confiança no desígnio
europeu.
Mas, falta mais. A União Européia deve se converter em uma
protagonista principal e autóctone no cenário internacional, com um modelo
social exemplar, que seja um fator permanente de paz, de segurança, de
solidariedade e de valores humanistas. É um longo e decisivo caminho que deve
percorrer.
* Mário Soares, ex-presidente e ex-primeiro-ministro de
Portugal.
(Envolverde/IPS)