Baquba, Iraque, 30/01/2008 – Promessas quebradas motivaram um drástico aumento do sentimento anti-norte-americano em Baquba, capital da província iraquiana de Diuala. Muitos moradores desta cidade de maioria sunita, 40 quilômetros a nordeste de Bagdá, haviam apoiado as forças de ocupação dos Estados Unidos quando acabaram com o regime de Saddam Hussein (1937-2006), que liderou uma ditadura entre 1979 e 2003. Mas a falida reconstrução e as políticas confusas os fizeram perder apoio.
“Os norte-americanos basearam sua estratégia no Iraque no apoio de
certos xiitas que eram inimigos diretos dos sunitas e leais ao Irã”,
disse à IPS Ayub Ibrahim, morador em Bquba. “Essa foi a origem da
brecha entre determinados xiitas e certos sunitas, apoiados ambos pelos
Estados Unidos”, afirmou. A maioria dos 26 milhões de iraquianos é
formada por xiitas (62%), a população hegemônica no sul, enquanto no
centro predominam os sunitas (35%), ramo islâmico dominante no mundo
árabe e que constituiu a elite do regime de Saddam.
Os Estados Unidos também perderam apoio com sua política de detenções
exageradas. Muitos em Baquba acreditam que as invasões se basearam em
informação fornecida a soldados norte-americanos por combatentes
xiitas, infiltrados na policia e no exercito iraquiano. “Nunca vimos
soldados dos Estados Unidos, a policia ou o exercito iraquiano tentarem
deter xiitas”, disse à IPS Abdul Sattar Al-Badri. A maioria dos
moradores de Baqub não encontra justificativa para grande parte das
prisões. Cerca de 60 mil pessoas estão presas no Iraque, segundo
informou em novembro a Cruz Vermelha Internacional.
“Os norte-americanos ocuparam nosso país e prendem nossos homens”,
disse à IPS Dhafir al-Rubaiee, oficial do exercito iraquiano da era de
Saddam Hussein, dissolvido após a invasão. “A maioria é detida apenas
por ser sunita. Os parentes dos presos agora têm razoes para odiar os
norte-americanos”, disse. Outros atribuem o crescente sentimento
anti-norte-americano à falta de segurança e à destruição de
infra-estrutura. “A falta de segurança é o resultado direto da
ocupação”, disse à IPS Abu Ali, outro morador desta cidade.
“Os norte-americanos atravessaram milhares de quilômetros para
destruírem nossas casas e matar nossos homens. São a causa de todas
nossas desgraças. Passamos necessidades no governo de Saddam, mas
estávamos seguros”, disse à IPS um morador que pediu para não ser
identificado. “Éramos obrigados a trabalhar 20 horas por dia, às vezes,
para podermos viver, mas éramos felizes por ver nosso filhos crescerem
e nossas famílias unidas”, contou, acrescentando que as forças
norte-americanas acabaram com tudo isso.
O exercito dos Estados Unidos destruiu de propósito a infra-estrutura
do Iraque, disse Abu Tariq. “Os norte-americanos destruíram estações de
água e eletricidade, fábricas, pontes, estradas, hospitais, escolas e
edifícios e abriram as fronteiras à entrada de estrangeiros e
terroristas em nosso território”, afirmou. A grande quantidade de
iraquianos assassinados pelas forças norte-americanas tampouco os
ajudou a obter o carinho popular. “Ao serem vítimas de uma bomba na
estrada ou de um atacante suicida, os soldados dos Estados Unidos
disparavam indiscriminadamente e feriram civis inocentes”, contou à IPS
Yaser Abdul-Rahman, um professor de 45 anos. “Assim morreram milhares
de pessoas”, afirmou.
O sentimento antinorte-americano em Baquba é tão grande que as pessoas
já não escondem sua desconfiança em relação às tropas ocupantes. “No
início os iraquianos não se deram conta da estratégia dos Estados
Unidos na região”, afirmou Abu Taise, membro do Partido Conmunista de
Baquba. “Sua estratégia é destruir e massacrar. Nada fazem para cumprir
sua agenda”. “Agora os iraquianos sabem que por trás de seus sorrisos
há ódio e violência”, disse. “Eles qualificam os outros de violentos e
de terroristas, mas o que fazem no Iraque e em outros países é a origem
e a essência do terrorismo. Os Estados Unidos são o maior produtor de
terrorismo e gastam grandes somas de dinheiro para criar e capacitar
esquadrões da morte em todo o mundo”, afirmou Taisee.
As forças ocupantes tratam de diferentes maneiras xiitas e sunitas, mas
os dois ramos do Islã parecem coincidir em seu ódio para os Estados
Unidos. “Olhe nosso país. Serão necessários 30 anos para nos
recuperarmos”, disse à IPS Edan Barham. “Isto nada tem a ver com as
correntes religiosas. Todos nós somos iraquianos e devemos pensar no
Iraque de uma forma mais criativa do que em um país dividido de acordo
com as vertentes do islã”, acrescentou.
“Os iraquianos de todos os ramos agora se dão conta de que a ocupação
norte-americana é que prejudicou o país”, afirmou Khalil Ibrahim, um
morador desta cidade. Os únicos iraquianos a favor da ocupação são os
que se beneficiam dela de forma direta, disse o analista político Azhar
al-Teengane. “A ocupação é boa para os políticos, combatentes, empresas
construtoras e oportunistas que fizeram dinheiro com ela. Mas, não são
mais do que 5% da população”. Poder governar é uma forma de diminuir o
sentimento antinorte-americano, segundo Jalal al-Taee, também morador
de Baquba. (IPS/Envolverde)
(Envolverde/ IPS)