Chávez: o tênue fio entre o conluio e pugna com o imperialismo

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Nota da redação - A derrota de Chávez no referendum de 2 de dezembro assanhou ainda mais todos os reacionários do continente. Cheios de júbilo pelo ocorrido, os monopólios dos meios de comunicação que os servem celebraram sem conter a satisfação.

Enquanto boicotam a informação sobre qualquer luta do povo no Brasil e no mundo (e quando abordam é para desinformar e caluniar a justa luta do povo), os histéricos protestos da turba de pequenos-burgueses descontentes usados como bucha de canhão pelas oligarquias destronadas na Venezuela são tratados como “movimentos democráticos violentamente reprimidos”.

Enquanto estudantes no Brasil — que têm ocupado as reitorias das universidades públicas contra as políticas criminosas ditadas pelo Banco Mundial e rigorosamente aplicadas pelo gerente de turno Luiz Inácio, são tratados por vândalos e baderneiros — os filhinhos de papai da Venezuela são exaltados como abnegados democratas.

Quando Chávez anunciou as reformas da constituição através do referendum, a reação elevou o berreiro à enésima potência, protestando contra a eternização do mandato do “ditador” e contra seu “socialismo”. De forma que sua derrota soou como verdadeiro alívio para as camadas e círculos reacionários, que sob a batuta de Bush e da embaixada ianque em Caracas, já calculam novas possibilidades para apeá-lo do poder de Estado e pôr fim à sua “revolução Bolivariana” e “socialismo do século XXI”.

Concretamente, para que tem servido a experiência de Chávez senão que para açular a reação em sua venenosa propaganda contra a verdadeira luta antiimperialista e pelo socialismo? Ao desfraldar uma caricatura de socialismo e um antiimperialismo de fraseologia, Chávez não só engana as massas — desarmando-as para um verdadeiro combate de classes pela revolução de nova democracia e pelo socialismo científico na Venezuela e ilude não poucas forças progressistas no continente e mundo afora desorientadas pela ofensiva contra-revolucionária mundial — como termina por jogar água no moinho da reação.

A presente análise revela o caráter de classe burguês burocrático do governo e o projeto de Chávez buscando refletir sobre seus impasses e rumos. 


A derrota de Chávez no plebiscito do início de dezembro põe em compasso de espera seu projeto burocrático. Porém, o presidente venezuelano já demonstrou estar disposto insistir nas tentativas de aprovação das reformas propostas.

A proposta de mudança constitucional marcaria uma viragem para a reestruturação estatal da Venezuela, pois Chávez e o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) retomaram — remoçadas — as velhas bandeiras do capitalismo de Estado dos idos da década de 1980, para desta maneira dar novo impulso ao capitalismo burocrático na Venezuela como alternativa ao fracassado modelo neoliberal, que ainda vive seu ocaso na América Latina.

As medidas de Chávez não se restringiram ao âmbito local e se projetaram cada vez mais com maior nitidez na cena latino-americana e mundial. Sem dúvida, esta situação abriu frentes de oposição ao governo Chávez tanto dentro do território venezuelano como fora, situação que será matéria de nossa reflexão. 

Do neoliberalismo ao neoestatismo

No início do século XXI, com as reformas constitucionais de 1999, a Venezuela foi o país onde se mostraram os primeiros vislumbres de uma guinada para um novo modelo também funcional ao capitalismo, que se pode denominar neoestatismo, ou regime burocrático, pois tem sua inspiração no capitalismo de Estado latino-americano da década de 1950, um arremedo do welfare state (estado de bem-estar) dos países do Norte, aplicado nas economias de enclave latino-americanas, que farão os devidos ajustes de acordo com o novo contexto mundial, mas mantendo a característica de uma maior intervenção do Estado na economia, o fortalecimento da organização estatal e de organismos comunais, como entes corporativos não-estatais que agigantam sub-repticiamente a presença do Estado no interior das organizações populares.

Deve ser lembrado que os nacionalismos latino-americanos da década de 1950 foram possíveis pelo debilitamento dos países imperialistas depois dos desgastes que estes sofreram pela Segunda Guerra Mundial, que permitiu a aplicação na América Latina do modelo proposto pela CEPAL1, baseado na industrialização e substituição de importações (ISI).

Ainda que os tempos atuais correspondam a um contexto econômico, político e social distinto do momento do pós-guerra, a coincidência se estriba na crise que atravessa o capitalismo mundial, assinalada pela queda paulatina do dólar norte-americano, o fracasso da bolha financeira e imobiliária, que representa uma situação crítica dessa transfiguração do capital, que Marx chamou de “fetichismo da mercadoria”, a militarização e as agressões imperialistas em zonas estratégicas de produção energética como o Iraque, assim como a crise do petróleo, que tem permitido maiores ingressos econômicos aos países membros da OPEP2.

Mesmo com os “panelaços antiimperialistas” de Chávez, as exportações da Venezuela para o USA saltaram de 15 bilhões de dólares em 2001 para 34 bilhões de dólares em 2005. Um fator chave para explicar este aumento é a subida do preço do petróleo. Em 2006, a Venezuela foi o terceiro maior provedor de petróleo para o USA, fornecendo um total de 1,5 milhão de barris diários, de uma produção total de 2,4 milhões, tirando desta posição a Arábia Saudita, como afirma o Departamento de Comércio do USA.

Assim como na época do pós-guerra mundial, que facilitou a implantação do ISI, as classes dominantes latino-americanas, e em particular a nova fração burocrática venezuelana se encontra em uma posição privilegiada para a negociação e regateio de seu petróleo, pois a dinâmica do capitalismo mundial elevou os preços desta matéria-prima, cuja exploração e necessidade foi o símbolo característico de toda história do imperialismo ianque3.

Os recursos naturais, em particular os energéticos tem importância capital na época atual, a ponto de — como dado inédito — os países imperialistas pretenderem eludir a insuficiência de hidrocarbonetos e a postura regateadora das oligarquias petroleiras do terceiro mundo, fomentando a produção de etanol em territórios de países com menor capacidade de regateio e mais dóceis aos ditames imperialistas; sem se importar com o atentado que está sendo perpetrado contra a segurança alimentar de milhões de pessoas no planeta, porque as plantações de milho e de cana-de-açúcar estão sendo destinadas para a criação do mencionado biocombustível e não para a alimentação; assim como o desgaste de vastas extensões de terra que são empregadas intensivamente nos cultivos com a consequente deterioração dos solos agrícolas. 

As reformas constitucionais de Chávez

O que Chávez pretendia com as reformas constitucionais era reimpulsionar o capitalismo burocrático e desmontar o modelo neoliberal, decadente pelo seu caráter impopular e a hiper-corrupção dos governos de Carlos Andrés Pérez, Ramón Velásquez e Rafael Caldera. Lembre-se que quem implantou medidas neoliberais a sangue e fogo para sufocar o protesto popular venezuelano, no chamado “caracazo” de 28 de fevereiro de 1989, foi Carlos Andrés Pérez.

No que tange ao fortalecimento da estrutura organizativa burocrática do Estado venezuelano, Chávez propunha a criação do chamado Poder público, exercido através de comunas cujo aglutinamento conformaria comunidades, que por sua vez tomariam parte na estrutura estatal ao se converterem em Conselhos de Poder Comunal (conselhos de poder popular).

Esta instância da estrutura administrativa da organização estatal venezuelana seria a célula da estrutura estatal, a mesma que tenderia a debilitar os governos municipais e, por sua vez, permitiria maior contato entre o governo central e estas organizações de talante corporativo, formadas por organizações adeptas a Chávez, com o que o presidente vafiançaria seu centralismo absoluto, através de uma fórmula aparentemente democrática — deslumbrando inclusive os membros da esquerda caviar latino-americana — que catalogam esta medida como um passo decisivo para o “socialismo do século XXI”.

Os Conselhos de Poder Popular surgiriam a partir do recorte das atribuições políticas e de nomeações dos prepostos dos municípios, o que ocasionou pronunciamentos de diversas prefeituras venezuelanas, jornalistas e a Igreja Católica — com um furibundo pronunciamento dos arcebispos e bispos da Venezuela — que, mesmo assim, não conseguiram inquietar o governo de Chávez.

As atribuições e orçamentos das instâncias comunais, locais, estaduais e provinciais seriam articuladas em um Plano de Desenvolvimento Integral da Nação, avaliado e passado pelo crivo da observação de um Conselho de Governo Nacional, encabeçado pelo presidente da Venezuela, situação que evidencia o caráter de centralismo absoluto dessas medidas descentralizadoras no administrativo, mas que tendem a concentrar politicamente o poder em uma estrutura estatal presidencialista, de acordo com o legado histórico da velha tradição do caudilhismo latino-americano .

A prorrogação do mandato presidencial de 6 para 7 anos, assim como a suspensão da restrição à reeleição presidencial sucessiva são uma mostra da forma caudilhesca como Chávez atua; ele modificou todas as regras do jogo eleitoral para convertê-las em instrumentos que satisfaçam interesses pessoais que lhe permitiriam a perpetuação no governo venezuelano; mostrando uma grande sagacidade para fazer coincidir os processos eleitorais com o estabelecimento de uma república bananeira, mostrado sem o menor pudor nas velhas eleições, arranjadas pelos círculos dirigentes latino-americanos para se alternarem no poder sob um verniz pseudo-democrático.

No econômico, Chávez declarou guerra aberta contra as transnacionais petroleiras, aumentando impostos, restringindo suas ações e reservando o monopólio do petróleo para o Estado. Porém, não deixou de se aliar às potências imperialistas, que recebem cada vez mais petróleo de Chávez.

As medidas econômicas, que para alguns ingênuos aparentam ser medidas antiimperialistas, na verdade expressam a voracidade do presidente venezuelano, que as implementa com o controle absoluto do Banco Central da Venezuela, que sem dúvida será utilizado como uma caja chica4, com ampla margem para aplicar e manipular as variáveis macroeconômicas venezuelanas.

A burguesia compradora venezuelana, através de sua organização FEDECAMARAS, botou a boca no mundo com essas medidas, que fortalecem e agigantam a capacidade de manipulação política e enriquecimento pessoal de Chávez e sua burocracia, assim como marginaliza este setor da partilha do poder e por consequência do maior acesso ao capital.

Paralelamente, fiel a seu estilo demagógico, propõe a redução da jornada de trabalho para 6 horas, sem desarticular as estruturas flexíveis do mundo do trabalho na Venezuela, que obrigam os trabalhadores venezuelanos a desenvolver atividades extras para reproduzir as mínimas condições de existência para eles e seus familiares, ou trabalhar por conta própria, como gostam de denominar o “trabalho a domicílio”, que teve seu funcionamento detalhado por Marx na Europa do século XIX.

Da mesma maneira em evidente populismo, longe de romper a flexibilização a que aludimos, Chávez propõe outorgar benefícios sociais aos numerosos trabalhadores “por conta própria”, medida com a qual consolida constitucionalmente, ainda que de maneira tácita, a submissão do trabalho ao capital. À margem das especulações que podemos fazer sobre a insuficiência ou pertinência dos benefícios sociais para quem os recebe.

A nova “geopolítica” venezuelana

A habilidade mostrada para neutralizar seus opositores, seja meios de comunicação, burgueses intermediários venezuelanos, sindicalistas e, mais recentemente, colaboradores dos primeiros anos de seu governo, como Raúl Baduel e seu mentor, o octogenário Luis Miquilena, ex-“comunista” venezuelano; Chávez também tem se colocado em lugares preferenciais da cena latino-americana e mundial, através de uma astuta mescla de seu infinito histrionismo e sua capacidade de manipulação dos mercados, graças à alta do petróleo.

Na América Latina conseguiu a incondicionalidade do presidente equatoriano Rafael Correa e na Bolívia do presidente Evo Morales. Com este último assinou a chamada Alternativa Bolivariana para os Povos de Nossa América (AL BA), a qual aderiu Fidel Castro, de Cuba. Acordo mais propagandístico que verídico, pois o montante que mobiliza e intercambia a ALBA não deixa de ser irrisório.

Por outro lado, Chávez estreitou frequentes e íntimas relações com o mandatário iraniano Mahmud Ahmadinejad, com quem assinou convênios bilaterais em matéria agrícola, pesqueira e alimentar, a construção de uma fábrica de cimento e intercâmbio tecnológico em matéria de mineração, a construção de casas, assim como a conformação de uma empresa petroleira com capitais da PD VSA5 e da empresa iraniana PETROPARS, assim como muito habilmente se valeu de seu aliado iraniano para tensionar os termos da negociação com o imperialismo ianque, a ponto de ameaçar a subida para US$ 200 o barril de petróleo em caso de uma eventual invasão ianque ao Irã. As reformas constitucionais de Chávez, abrangem, também, o reclame da soberania marítima venezuelana superposta às águas da República Dominicana, com quem já se iniciou a disputa pela exploração pesqueira.

Sem dúvida o fascínio que sente pelo poder converteu o mandatário venezuelano em um audaz e temerário negociador com as potências imperialistas, deslumbrador das esquerdas caviar latino-americanas, sedutor das massas venezuelanas através de pequenas dádivas e outros cantos de sereia como a instalação de Conselhos Populares Comunais, eficiente articulador de eixos regionais de negociação e regateio, como o conformado com Bolívia e Cuba, ao qual deve se somar o Equador; e veemente membro das organizações chave na cena mundial: a OPEP.

As características de inegável liderança de Chávez concitam e concitarão nossa atenção para o futuro imediato, pois é muito possível que cedo ou tarde se rompa o tênue fio que mantém sua estratégia de conluio e pugna com os países imperialistas para desenvolver e afirmar somente a pugna. Vale a pena acompanhar a corrida armamentista na qual está imerso o Estado venezuelano, pois quiçá os choques verbais deste presidente com a Casa Branca e o rei da Espanha deixem de ser meramente fatos anedóticos.

 


 

1 - CEPAL - Comissão econômica para a América Latina
2 - Organização que reúne os países produtores de petróleo, entre eles os países árabes e latino-americanos, como Venezuela e Equador.
3 - Note-se que a passagem da hegemonia imperialista britânica para a ianque, as estradas de ferro, os trilhos de aço e o carvão foram substituídos pelos automóveis, estradas asfaltadas e a gasol.ina como derivado do petróleo.
4 - Caja chica - Soma de dinheiro vivo destinado a gastos menores de uma empresa ou repartição, que fica sob a responsabilidade de uma pessoa encarregada de utilizá-la quando houver necessidade.
5 - PDVSA - Petróleo de Venezuela Sociedade Anônima.
 
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