CIA destruiu provas de tortura

A comprovação de que serviços ianques de espionagem destruíram fitas de video mostrando torturas nos interrogatórios de acusados de ação terrorista contra o USA, em Guantánamo, desmoraliza por completo a figura do megagerente do USA, George W Bush, não só aos olhos da Justiça, como perante todos os países do mundo.

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Soldados ianques "interrogam" suspeito durante a gerra do Vietnã

Colocado nas primeiras páginas dos jornais, o novo imbroglio envolve em descrédito todos os figurões da Casa Branca, principalmente a todo-poderosa secretária de Estado Condoleeza Rice, já que seu principal comparsa, Donald Trump, foi defenestrado pela bancada do Partido Democrata, sob intensa pressão internacional.

Torres Gêmas

Torturados na base militar de Guantánamo, membros da Al Qaeda presos pela Central Intelligence Agency (CIA) do USA, especialmente Abu Zubaydah, foram levados a dizer que em 1999, Osama Bin Laden recebeu pessoalmente Mohammed Atta, estudante de arquitetura tido como chefe dos sequestradores dos aviões lançados em 11 de setembro de 2001 contra as Torres Gêmeas, em Nova Iorque. Assim, o líder da Al Qaeda teria acompanhado diretamente o planejamento dos ataques de 11 de setembro ao USA.

Os homens da CIA alardeavam que o plano de ataque fora elaborado mais ou menos em outubro de 1999, tendo Bin Laden e a Al Qaeda por trás das ações. Porém não sabiam quem exercia o controle prático, a data e o local da preparação do plano e o modo pelo qual a Al Qaeda recrutara os operadores e mantivera contato com eles.

Mesmo assim, difundiram a idéia de que os ataques às Torres Gêmeas constituem a expressão mais mortífera de uma série de reações que começou com o carro-bomba no World Trade Center em 1993 e prosseguiu com um plano frustrado dois anos depois nas Filipinas, onde voluntários promoveriam ações para explodir uma dúzia de aviões de companhias ianques quando cruzassem o Pacífico.

Suplícios e confissões

Abu Zubaydah, um dos prisioneiros mais torturados em Guantanamo, foi sequestrado pela CIA em Faisalabad, no Afeganistão, em março de 2002 e levado em segredo daquele país para várias prisões secretas espalhadas pelo mundo, até ser encarcerado naquela base militar ianque incrustada na ilha de Cuba.

No ano de 2003, interrogado por elementos da CIA especializados em torturas, Abu Zubaydah teria dito que líderes da Al Qaeda tinham debatido a idéia de trabalhar em conjunto com o Iraque do presidente Saddam Hussein, mas Bin Laden a descartou “por não querer ser vigiado” pelo iraquiano.

A suposta ligação entre Bagdá e a Al Qaeda foi um dos argumentos mais fortes usados pelo USA de George W Bush para conquistar a opinião pública ianque antes da invasão do Iraque a pretexto da existência, naquele país, de armas de destruição em massa jamais encontradas.

A despeito disso, em 9 de junho de 2003, Bush reafirmou, em reunião com seu gabinete, que o Iraque mantinha um programa para a fabricação dessas armas, manifestando-se “absolutamente convencido” de que “a história e o tempo provarão que os EUA tomaram a decisão correta ao libertar o povo iraquiano das garras de Saddam”.

Desmoralização geral

Por esse tempo, consolidou-se a desconfiança em Bush, levando-o a intensificar a espionagem nos próprios lares ianques. Diante de intensas manifestações de repúdio, ele alertou, na entrevista coletiva de fim-de-ano, que continuaria a espionagem de moradores no USA que mantêm contatos suspeitos no exterior.

O megagerente ianque estava possesso devido ao vazamento para o jornal New York Times de informações sobre o esquema de espionagem interna. O jornal noticiou que esta se iniciara em 2002 com a prisão de Abu Zubaydah, que levava um caderninho com números de telefones e e-mails de moradores no USA.

Logo a Câmara de Representantes aprovou projeto de lei proibindo a prática de tortura contra prisioneiros sob custódia do USA, mas Bush admitiu a existência de prisões secretas da CIA espalhadas pelo mundo. Na ocasião, pediu a criação de tribunais militares especiais, anunciando a transferência de suspeitos em poder da CIA para Guantánamo, enquanto o Pentágono divulgava um novo manual de conduta militar, proibindo os “coletores de inteligência humana”, de submeterem nos interrogatórios os prisioneiros a “surras, humilhações sexuais, ameaças com cachorros, falsas execuções, afogamentos e nudez forçada.

Ação indispensável

Defendendo a existência das prisões clandestinas da CIA, Bush disse que a agência continuaria a deter e interrogar prisioneiros, “embora ninguém esteja atualmente sob custódia do departamento” e, quanto às técnicas de interrogatório, alvo maior das críticas, definiu-as como “duras, seguras e necessárias”.

Na ocasião, o megagerente ianque referiu-se especificamente a Abu Zubaydah, ex-ajudante de Osama bin Laden, cujo interrogatório teria levado à prisão de Khalid Sheikh Mohammed.

Em 10 de março do corrente ano, iniciou-se em Guantánamo o julgamento de Abu Zubaydah, Khalid Sheikh Muhammad (que seria o mentor dos ataques do 11 de Setembro), e mais 12 acusados de terrorismo contra o USA. A primeira etapa consiste em uma série de audiências privadas sem data prevista de encerramento, para verificar se os detentos podem ser encaminhados a tribunais militares.

Grupos de defesa dos direitos humanos afirmam que nessas audiências são negados aos detentos todos os seus direitos e são admitidos como prova depoimentos obtidos sob tortura.

Embora essas audiências tenham caráter sigiloso, logo se informou que em 2005 a CIA tinha destruído pelo menos dois vídeos documentando o interrogatório de dois supostos agentes da Al Qaeda, e que tinham sido requisitados pela Justiça e o Congresso, que se concentram em investigar o programa secreto de sequestros da CIA.

Os vídeos mostravam agentes da CIA submetendo supostos terroristas (incluindo Abu Zubaydah, o primeiro detido sob custódia da CIA) a terríveis técnicas de interrogatório, já em 2002. As fitas foram destruídas “dentro da própria Agência para proteger a segurança dos agentes”.

Eles não têm vergonha?

Uma prova de que entre democratas e republicanos no USA não existem diferenças substanciais é a postura com relação à guerra do Iraque. O máximo que fazem os democratas é criticar Bush por estar perdendo a guerra, mas nunca contestam as próprias razões da invasão.

Todos os sábados, o megagerente do USA dirige à nação um discurso através do rádio, um hábito que os gerentes do Brasil copiam desde os tempos de ditadura militar. Depois da fala de Bush, segue-se a réplica dos parlamentares do Partido Democrata.

Em 24 de Novembro, os democratas escolheram o general na reserva Ricardo Sánchez para pronunciar a resposta. Ele é o mesmo general acusado de autorizar torturas e maus-tratos a prisioneiros no Iraque, em pelo menos três processos nos Estados Unidos e na Europa.

Mentira fatal

A analista política ianque Amy Goodman comenta que basta esse fato, ao apoio que os democratas deram ao Procurador-Geral da República dos EUA, Michael Mukasey, que se recusou a qualificar como tortura a prática do chamado “submarino”¹ (waterboarding), indica que o partido dito de oposição está cada vez mais alinhado com a política de tortura de George W. Bush.

Sánchez dirigiu as operações do exército no Iraque de junho de 2003 a junho de 2004. Em setembro de 2003, Sánchez emitiu um memorando em que autorizava numerosas técnicas, incluindo “posições forçadas” e o uso de “cães treinados pelo exército” para explorar o “medo dos árabes aos cães” durante os interrogatórios. Sánchez estava à frente do exército quando ocorreram os abusos na prisão de Abu Ghraib.

A brigadeira-general Janis Karpinski, que dirigiu Abu Ghraib durante esse período, trabalhou sob as ordens do general Sánchez. Rebaixada a coronel, foi a única oficial militar a ser castigada.

Karpinksi falou a Amy Goodman de outra prática ilegal, a de manter prisioneiros como “presos fantasmas”, como lhes chamam: “Deram-nos ordens em várias ocasiões a partir do Pentágono, diretamente da parte do Secretário Rumsfeld, através da general Barbara Fast ou do general Sánchez, para que mantivéssemos prisioneiros sem lhes atribuir um número de prisioneiro ou sem os incluir na base de dados, o que vai contra a Convenção de Genebra. Todos sabíamos que contrariava a Convenção de Genebra”.

Janis Karpinksi também contou que, além de manter detidos prisioneiros não incluídos na base de dados, houve outros abusos, como subir a temperatura na prisão até aos 50 ou 60 graus centígrados, a desidratação, bem como a ordem do general Geoffrey Miller para tratar os prisioneiros “como cães”.

E não se fica pelo tratamento dado aos prisioneiros. Em 2006, Karpinski testemunhou num simulacro de julgamento chamado Comissão de Crimes de Bush (Bush Crimes Commission).

Revelou que várias mulheres militares ianques tinham morrido por desidratação ao negarem-se a beber água por medo de contaminação. As militares tinham medo de ir de noite às latrinas para urinar, por temerem ser violadas pelos seus companheiros soldados: “As mulheres temiam levantar-se de noite para ir ao banheiro ou às latrinas e não bebiam líquidos depois das 3:00 ou 4:00 da tarde. E com um calor de 50 graus ou mais, já que não havia ar condicionado na maior parte das instalações, morriam por desidratação enquanto dormiam.

O subcomandante geral de Sánchez, Walter Wojdakowski determinou aos médicos: “Não se refiram a esses detalhes. E especificamente não mencionem que são mulheres. Podem incluir estes detalhes num relatório escrito, mas não os comentem abertamente daqui para a frente”. Karpinski afirmou que Sánchez esteve presente nessa reunião.

Uso de cães

O ex-inquiridor do exército Tony Lagouranis, autor de Fear Up Harsh, descreveu o uso dos cães: “Usávamos cães no centro de detenção de Mosul, localizado no aeroporto de Mosul. Púnhamos o prisioneiro num container. Mantínhamo-lo acordado toda a noite com música e luzes, em posições forçadas, e então mandávamos entrar os cães. O prisioneiro tinha os olhos vendados, para que realmente não percebesse o que se estava se passando, mas nós tínhamos o cão sob controle. O cão ladrava e saltava sobre o prisioneiro, e o preso não chegava a entender o que estava acontecendo”.

Reed Brody, da organização Human Rights Watch, deu mais detalhes sobre Sánchez: “Durante esses três meses de caos, nunca interveio. Pior, enganou o Congresso do USA sobre o caso. Perguntaram-lhe duas vezes durante uma audiência se, em algum momento, tinha aprovado o uso de cães. Isto antes de ser tornado público o seu próprio memorando. E em ambas as ocasiões afirmou que nunca tinha aprovado tal medida. No final apareceu o memorando em que aprova textualmente, ‘explorar o medo que os árabes têm aos cães’.”

Brody desvalorizou o relatório militar que absolve Sánchez de todos os atos ilícitos: “Simplesmente não é acredítável que o exército continue a investigar a si próprio e que não deixe de declarar-se inocente”.

“Não se trata de política partidária”, escreve Amy Goodman. “Trata-se do rumo moral do país. Os democratas podem estar a festejar que um general da reserva se tenha voltado contra o seu comandante-em-chefe. Mas o público deveria pensar nisto com muita cautela.”

Amy Goodman destaca que os democratas tiveram oportunidade de estabelecer um precedente, de exigir inequivocamente a Mukasey que condenasse a “técnica do submarino” usada na tortura antes da sua promoção a Procurador-Geral da República. E agora escolheram como seu porta-voz um general desacreditado, ligado aos mais atrozes abusos no Iraque. O governo de Bush livrou-se de promover Sánchez, temendo que se reavivasse o escândalo de Abu Ghraib durante o ano eleitoral de 2006. Encerra então: “Agora vêm os democratas ressuscitá-lo. Será que não têm vergonha?”

 


 

1. Asfixia lenta por afogamento. O preso é atado de pés e mãos, com os olhos tapados, deitado. O torturador vai deitando água sobre o nariz e a boca do torturado.

 

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