Nações Unidas, 03/01/2008 – Quando o ex-primeiro-ministro libanês Rafik Hariri morreu em um atentado à bomba em fevereiro de 2005, o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas aprovou de imediato uma resolução criando um tribunal internacional para investigar sua morte. Agora, surge a pergunta se a ONU fará o mesmo para julgar os responsáveis pela morte da popular líder paquistanesa e ex-primeira-ministra Benazir Bhutto. A possibilidade não deveria ser descartada. Mas, depende de como responderem os membros do Conselho aos chamados para que se concretize.
No dia 27 de
dezembro, poucas horas depois do assassinato de Benazir, o Conselho convocou uma
reunião de emergência deplorando o crime e destacando a necessidade de levar à
justiça os "que cometeram materialmente, organizadores, financiadores e
patrocinadores" do atentado. Mas, o fato de em sua declaração ter descrito o
crime como "ato terrorista" causou dúvidas, já que indiretamente estava apoiando
a posição do governo do presidente Pervez Musharraf para que o Partido Popular
do Paquistão (PPP) de Benazir, é o principal suspeito.
Duas vezes chefe
de governo aos 54 anos e mãe de três filhos, Benazir foi morta quando se
retirava de um ato eleitoral na localidade de Rawalpindi, perto de Islamabad, no
que pareceu um atentado suicida seguido por tiroteio. A líder do PPP morreu no
hospital de Rawalpindi, uma hora após um desconhecido ter disparado contra ela
quando deixava a área cercada onde aconteceu o ato. Cerca de 20 pessoas morreram
no atentado e dezenas ficaram feridas.
Alguns se perguntam como os
membros do Conselho de Segurança sabiam que a ex-primeira-ministra tinha sido
assassinada por "terroristas" e não pelo governo de Musharraf, ao qual se
opunha. Também se perguntam por que esse órgão da ONU se apressou a divulgar uma
declaração sem que antes houvesse uma pesquisa. O Conselho reuniu-se por volta
do meio-dia do dia 27 de dezembro, poucas horas depois da morte de Benazir.
Segundo autoridades da ONU, a decisão de reunir o Conselho foi tomada às 10h30
da manhã, apenas duas horas depois do atentado.
Uma fonte diplomática que
esteve presente na reunião disse à IPS que o Conselho não chegou de imediato a
um acordo porque alguns membros estavam contra as palavras usadas na declaração,
proposta pelos Estados Unidos. Delegados da Bélgica e de alguns paises
africanos, segundo a fonte, queiram saber por que o assassinato de Benazir
deveria ser qualificado de "ato terrorista" se ainda não havia evidência
concludente. Mas o representante norte-americano insistiu que a causa de sua
morte foi um atentado terrorista e que o Paquistão desejava que isso constasse
do texto. Nesse momento o delegado belga teria dito: "Por que o Paquistão
deveria nos dizer isso? Esse país não é membro do Conselho".
Pouco
depois, os membros do Conselho de Segurança da ONU decidiram realizar um breve
intervalo, prática diplomática que indica dificuldades para se chegar a um
consenso em temas de paz e segurança. Ao retornarem, uma vez mais encontraram
dificuldades para chegar a um acordo e fizeram outro recesso, antes de aprovar o
rascunho final com algumas, mas não substanciais, mudanças na linguagem. A
declaração final refletiu mais preocupação com o "terrorismo" do que com o
assassinato de Benazir. De fato, a palavra "terrorismo" aparece 10 vezes mais do
que o nome da líder paquistanesa assassinada.
Muitos também se perguntam
por que o Conselho não pediu uma investigação internacional sobre o atentado
como fez no caso de Hariri, assassinado em circunstâncias semelhantes em
fevereiro de 2005. Em contraste com a declaração do Conselho, as afirmações do
secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, pareceram melhor estudadas. Ban qualificou
o atentado de "crime atroz", e não de ataque terrorista. Desde seu assassinato
durante uma mobilização, os partidários de Benazir acusam insistentemente o
governo de Musharraf.
Porém, Musharraf, que governou o Paquistão como
ditador militar há cerca de oito anos e agora é presidente civil, responsabiliza
pelo crime os "terroristas" islâmicos, como faz seu colega norte-americano,
George W. Bush. Entretanto, os dois aliados na "guerra contra o terrorismo" não
apresentaram evidência substancial para suas acusações.
Poucas horas após o
assassinato, Islamabad sinalizou que Baitullah Mehsud, um dos líderes do
movimento islâmico afegão Talibã e com ligação com a rede terrorista Al Qaeda,
estava envolvido no assassinato de Benazir. Mehsud refutou as acusações. Diante
disto, surge a dúvida: se o governo sabia do atentado, por que não agiu para
impedí-lo?
Por sua vez, o PPP disse esperar que a comunidade internacional
faça justiça. A própria Benezir havia pedido uma investigação internacional em
outubro, quando uma poderosa explosão matou mais de cem de seus partidários na
cidade de Carachi. Em resposta, Musharraf não só negou-se a permitir uma
investigação internacional como também rejeitou a demanda de Benazir de remover
os funcionários que ela suspeitava estarem envolvidos. O presidente, por outro
lado, acusou os terroristas pelo ataque e prometeu levar os responsáveis à
justiça, enquanto exortava os líderes da oposição a não realizarem mobilizações
com um grande número de pessoas. Até agora, ninguém foi julgado pela matança em
Carachi.
Antes de sua morte, Benazir havia afirmado que o atentado de
outubro tinha sido organizado por determinados elementos dos serviços de
inteligência (ISI), órgão militar que exerce grande influência nos destinos
políticos do país. Segundo especialistas em Afeganistão e Paquistão, os ISI
estiveram ativamente envolvidos na criação de campos de treinamento para
combatentes islâmicos que lutaram contra os invasores soviéticos em território
afegão durante a década de 80. Muitos analistas acreditam que ainda existem
fortes vínculos entre os ISI e os grupos islâmicos.
(IPS/Envolverde)
(Envolverde/ IPS)