Havana, novembro/2007 – O respeito aos "conhecimentos alheios" é um foco importante no contexto intercutural e constitui um tema vital para o desenho de estratégias de comunicação social. A emissão de mensagens como sistemas de signos, símbolos, frases, palavras, esquemas, requer uma justaposição com a cosmovisão, as crenças, atitudes e práticas das populações receptoras. Mas, algo tão simples nem sempre se tem em conta. Há alguns anos, trabalhando na serra andina e convivendo com as populações camponesas e indígenas, compreendi que para transformar a conduta das pessoas eu tinha muito que aprender.
Tratava-se de um programa para melhorar a saúde reprodutiva
de uma população com alta freqüência de gravidez e onde muitas mulheres em idade
fértil adoeciam e morriam durante a gravidez, o parto ou pós-parto. Queríamos
que a população compreendesse que aumentar o tempo entre os partos significava
reduzir as enfermidades, as complicações e as mortes de suas mulheres, e que
isto podia ser obtido com um método muito natural: "a lactância materna, a
demanda espontânea (cada vez que o bebê deseja), inibe a ovulação, portanto,
enquanto dura o tempo de amamentação diminui a probabilidade de
engravidar".
Havíamos preparado um intercâmbio com a comunidade e pouco
antes me encontrei com uma mulher que levava seus dois filhos, de 3 e 4 anos,
pelas mãos, e um terceiro sobre o quadril. Qual não foi minha surpresa quando ao
explicar o que iríamos fazer me disse: "Mas se disser isso na frente do meu
marido, ele não irá querer que dê o seio à menina. Ele quer muitos filhos para
nos ajudar a semear e colher". O que para nós era bom, saudável e aumentava a
qualidade de vida, se chocava com a prática cotidiana: quanto mais filhos
homens, melhor, pois constituíam uma importante força de trabalho para a terra
da qual dependia sua subsistência.
O mesmo aconteceu também durante a
preparação de uma campanha de saúde contra o cólera. Um dos cartazes sugeridos
para os dispensários mostrava camponeses enterrando um caixão e a frase
"Enterremos o cólera". Tampouco neste caso se havia considerado o público alvo.
Este via a morte não como o final, mas como um "mais além" onde continuava sua
outra vida. Em outras palavras, estava-se dizendo: "vamos dar mais vida ao
cólera". E, nesse mesmo sentido, havia um cartaz incentivando as mulheres a
darem à luz nos dispensários mostrando uma indígena com um ventre de gestação
avançada do qual partia uma série de linhas e estrelinhas como suposta expressão
de dor.
Entretanto, a cosmogonia indígena relaciona as estrelas, o
firmamento, como marcas da vida, e em alguns casos como elementos protagonistas
da descrição de seu curso vital. Isto é, nossa imagem da "dor" não tinha esse
significado para as mulheres às quais era dirigida; para elas representava fé,
amor e vida. A meu ver, os códigos de comunicação continuam partindo da
concepção, desenho e promoção de grupos especializados, mas carecem da inclusão
"real", não "formal" dos conhecimentos desse "outro" a quem a mensagem é
dirigida. E, portanto, os programas gerais, que não levem em conta o contexto, o
território e as relações de gênero sempre estarão distorcidos em sua
intenção.
Do ponto de vista da antropologia, temos de ser capazes de dar
a essas etnias, ou simplesmente aos grupos culturalmente diferentes, os
elementos e as ferramentas necessárias para que, a partir de seus códigos e sua
cosmovisão, construam eles mesmos as mensagem de comunicação que possam
contribuir com a promoção de mudanças de conduta. Talvez, o que resta aos que
contam com a infra-estrutura necessária para o processamento da informação, seja
instrumentá-los a partir dessa ótica.
Este problema não é novo. Em 1947,
um informe do Instituto Smithsonian dos Estados Unidos, elaborado junto com o
Escritório Sanitário Pan-americano, reconhecia a necessidade de incorporar
especialistas em antropologia para criar os programas de saúde destinados a
populações interculturais.
Creio, sinceramente, que, neste mundo "global"
onde o mercado e o consumo o atravessam totalmente, onde fontes financeiras e
fundações facilitam fundos para o desenvolvimento de projetos interculturais
destinados a melhorar as condições e a qualidade de vida desses grupos, devemos
recordar que "de boas intenções o inferno está cheio".
Não se pode partir
do etnocentrismo ocidental, onde nosso saber colonizador diminui o outro/a não
levado em conta. Não basta a incorporação da comunidade na recepção das
mensagens, mas como são consideradas suas realidades e sua interpretação do
cotidiano, para que seja ela a dizer como fazê-lo e como representá-lo. É
necessário compreender que o desrespeito aos conhecimentos, à história, ao
capital simbólico, cultural e social destas comunidades também é uma forma de
violência. (IPS/Envolverde)
* Letícia Artiles, antropóloga cubana,
coordenadora da Rede Latino-americana de Gênero e Saúde Coletiva da Associação
Latino-americana de Medicina Social (Alames).
Crédito de imagem:
Stockxchg
(Envolverde/ IPS)