Já passou a hora para que os Estados Europeus sigam a posição da Suécia e reconheçam a condição de estado da Palestina.
Israel deliberadamente escolheu a opção da luta diplomática com a Suécia ao interpretar erroneamente e exagerar as declarações da Ministra do Exterior da Suécia, Margot Wallström.
Uma vez mais, os Estados europeus estão a caminho de reconhecer a Palestina. Alguns relatos se referem a uma grande onda, outros são mais modestos. A maioria parece estar a depender da posição da França e se essa vai assumir a liderança do processo, mas o Presidente Emmanuel Macron disse mês passado que a França não reconhecerá a Palestina por ora, o que provavelmente significa que não haverá a tal grande onda, ao menos num futuro previsível. A Eslovênia será, em todo caso, o segundo membro da União Europeia a reconhecer a Palestina desde que a Suécia o fez, em 2014, apesar de o presidente esloveno ter dito recentemente que não era tempo de colheita.
Chipre e Malta já tinham reconhecido previamente a Palestina, porém isto foi antes de serem aceitos na União Europeia. Diversos estados-membros da Europa Central também reconheceram a Palestina quando eram integrantes da União Soviética. Alguns desses estados (Os Quatro de Visegrado: Polônia, Hungria, República Tcheca e Eslováquia, a República Tcheca, em particular) emergiram na atualidade como os mais próximos aliados de Israel na Europa. Islândia, Albânia, Sérvia, Montenegro, Ucrânia e o Vaticano também reconheceram a Palestina, mas esses estados não são membros da União Europeia.
Israel inicialmente receava que o reconhecimento da Suécia fosse desencadear reconhecimentos similares e ações punitivas contra a sua ocupação de territórios Palestinos. Nada aconteceu, todavia o reconhecimento sueco deu um certo ímpeto aos Palestinos, visto que os parlamentos de diversos membros da União Europeia (Reino Unido, França, Irlanda, Espanha, Portugal, Bélgica e Itália) adotaram resoluções de apoio à fundação de um Estado Palestino e incentivando seus governos a reconhecer a Palestina.
Israel reagiu ferozmente ao reconhecimento da Palestina pela Suécia, com uma resposta que foi muito além do emprego de suas três respostas padrão à desagradável crítica europeia, formuladas por seu legendário Ministro do Exterior Abba Eban, lá nos anos 1970: que a crítica tinha sido intempestiva; que a crítica tinha sido contraprodutiva; e que os países europeus deveriam parar de ditar as condições para a paz se quisessem que este processo fosse relevante.
Em retrospecto, a áspera resposta do governo de Israel pareceu ser parte de uma deliberada estratégia para evitar que outros estados europeus seguissem a Suécia o que, até hoje, tem tido muito sucesso. Quando entrevistei funcionários do Ministério das Relações Exteriores de Israel, em Jerusalém, estes admitiram abertamente que a Suécia tinha sido de fato “escolhida para tratamento especial” fora de qualquer dúvida. Um componente chave desta estratégia, cujos contornos permanecem desconhecidos, parece ter sido escolher deliberadamente a luta diplomática com a Suécia ao interpretar mal ou exagerar as declarações da ministra sueca Margot Wallström – algo que ela acredita que Israel fez deliberadamente.
Outros países europeus podem aprender com a experiência da Suécia que ensina que reconhecer a Palestina não é esperar pela União Europeia.
É estar baseado em fatos em todas as declarações relativas ao conflito; é preparar-se para os contra-ataques israelenses e, se possível, fazê-lo junto com outros estados para reduzir a possibilidade de Israel separá-los para algum tratamento negativo especial.
No início de novembro de 2015, o terror atacou em Paris. Wallström identificou o conflito Israel-Palestina como um dos fatores a explicar porque “tantas pessoas que se tornaram radicais”. Em dezembro do mesmo ano, ela pediu que Israel encerrasse suas “execuções extrajudiciais” contra Palestinos. Em resposta, Israel, de pronto, declarou-a persona non grata.
Qualquer observador equilibrado pode comparar a resposta de Israel ao que funcionários suecos dizem e fazem a respeito do conflito Israel-Palestina com a resposta de Israel ao que funcionários russos dizem e fazem em relação ao conflito. Não houve, por exemplo, funcionários israelenses que ousaram desafiar o vice-ministro do exterior russo Mikhail Bogdanov quando este, em 2015 (no dia seguinte ao dia em que Wallström tinha se referido ao poder de radicalização do conflito Israel-Palestina em relação aos atentados em Paris), disse que o Hamas e o Hezbollah não eram grupos terroristas, até mesmo qualificando esse último de “legítima força sociopolítica” no Oriente Médio.
Nada do que Wallstrom disse, seja em relação às execuções extrajudiciais (também expresso anteriormente pela União Europeia durante a Segunda Intifada), ou o poder de radicalização do conflito Israel-Palestina não é, de qualquer modo, antissemita e nem um pouco controverso, seja por analistas bem informados. Por exemplo, o maior escândalo judicial em Israel nos tempos modernos, também conhecido como “a questão do ônibus 300”, de 1984, tem sido amplamente qualificada por observadores internacionais como um caso de matança extrajudicial. O mesmo é verdade para a denúncia escandalosa em Israel do caso Anat Kamm, em 2008, no qual foi revelado que militares israelenses tinham assassinado Palestinos, em contravenção direta com o que determinam as regras da Suprema Corte Israelense. No ano passado, o soldado israelense Elor Azaria foi considerado culpado do que a Anistia Internacional qualifica como “assassinato extrajudicial” do morador de Hebron Abdel-Fattah-as-Sharif.
Wallstrom estava em solo seguro mesmo quando se tratava da radicalização do poder do conflito Israel-Palestino pelo terrorismo islâmico. Dois meses após ter levantado esta questão em relação ao atentado terrorista de 2015 em Paris, o líder da célula que executou o ataque, Abdelhamid Abaaoud, disse em seu conhecido Vídeo dos Mártires que “com a ajuda de Alá nós seremos os que libertaremos a Palestina”. Antes disso, “a questão Palestina” tinha sido tema central nos discursos de Osama bin Laden, assim como nos de seu sucessor, Ayman al-Zawahiri, por mais de duas décadas.
A realidade trágica e paradoxal é que, como a Autoridade Palestina progrediu na direção do status de Estado, dos meados de 1990 até próximo de 2010, a Europa tornou-se cada vez menos pronta para reconhecer um Estado Palestino, mesmo que a União Europeia, ao lado da ONU, do Banco Mundial e do FMI tenham declarado, em 2011, que a Autoridade Palestina comportou-se acima do que era esperado para um Estado. Um funcionário da Comissão Europeia disse a meu colega Dimitris Bouris, da Universidade de Amsterdã, em 2010, que a “Palestina já está melhor equipada na construção de seu Estado do que 70 por cento dos países existentes”.
A União Europeia, na sua Declaração de Berlim, de 1999, expressou sua “prontidão em considerar o reconhecimento de um Estado Palestino no devido tempo”. Uma década após, em 2010, o compromisso da União Europeia com o reconhecimento foi rebaixado para “quando apropriado”. Quando o Presidente da Autoridade Palestina, Mahamud Abbas, pediu o reconhecimento de um Estado Palestino em sua recente visita a Bruxelas, os diplomatas da União Europeia disseram à imprensa que o reconhecimento “está a cargo dos governos nacionais, não da União Europeia como um todo”. Outros diplomatas da União Europeia, em contradição, disseram que o reconhecimento pela União Europeia somente poderia “vir como parte de uma ocupação pacífica”.
O que outros países europeus podem aprender com a experiência da Suécia em reconhecer a Palestina é não esperar pela União Europeia, estar sempre baseados em fatos em todas as declarações relativas ao conflito, estar preparados para os contra-ataques de Israel e, se possível, fazer tudo em conjunto com outros estados para reduzir a possibilidade de Israel separá-los para algum tratamento negativo especial. O problema real de Wallström não foi sobre os fatos em suas declarações, mas que ela ficou quase sozinha no Ocidente em sua crítica contra algumas das políticas de Israel, o que a tornou um alvo fácil para o contra-ataque de Israel, mas também para algum elogio inesperado. Um dos jornalistas líderes da imprensa em Israel, Nahum Barnea, do Ynet, escreveu, por exemplo, que a Suécia batalhou contra o governo de direita de Israel de uma forma que a imprensa doméstica de esquerda de oposição nunca fez.
Uma questão, uma grande conhecida e desconhecida é saber onde a administração Trump se coloca no reconhecimento da Palestina pela Europa, se é que ela, a rigor, tem alguma posição. Os poderes da diplomacia e de dissuasão de Israel são, em um grau significativo, baseados em ter o suporte da única superpotência mundial. Se Trump assumir uma posição ativa contra o reconhecimento da Palestina, será mais difícil para os países europeus seguirem a Suécia. Se ele, da forma rude habitual, ameaçá-los, é improvável que que prossigam. A Palestina simplesmente não tem essa importância para eles. Uma grande parte do azar histórico dos Palestinos é que, ao passo que eles têm uma causa válida e muita legitimidade, eles não têm o poder para influenciar outros países.
Se o projeto de construção de um Estado Palestino falhar, como tem ocorrido desde a renúncia do Primeiro Ministro Salam Fayyad, em 2013, isto levará o conflito para fora do paradigma da solução de dois estados a um futuro incerto. O grande medo hoje entre os fazedores de política Europeus, acadêmicos, intelectuais e outros é, por certo, não que o Estado Palestino venha a ser estabelecido muito cedo, mas que ele nunca seja estabelecido.
A Ministra do Exterior Wallström apontou para isto após o reconhecimento pela Suécia quando disse: “alguns dirão que esta decisão veio muito cedo. Eu estou temerosa que seja muito tarde”. Ela acompanhou isto com o que alguns consideram estar entre as melhores citações judaicas de sabedoria: “se não agora, quando?” Finalmente, a ministra do exterior agregou que esperava que o reconhecimento fosse uma “injeção positiva na dinâmica do processo de paz no Oriente Médio”, e que outros estados iriam seguir. Agora, pela primeira vez, parece que outros irão de fato seguir. Não é um dia cedo demais para que assim o façam.