Umberto Eco em 1977 (Foto: Enrico Scuro)
“Uma das características dos fascismos históricos tem sido o apelo às classes médias frustradas, desvalorizadas por alguma crise econômica ou humilhação política”
O artigo completo do escritor italiano (1932-2016) está no Opera Mundi: “Umberto Eco: 14 lições para identificar o neofascismo e o fascismo eterno“. É longo. Fruto de uma conferência proferida em 1995, na Universidade Columbia. Mas vale pinçar alguns pontos para pensarmos em outros fascismos possíveis.
Qual seria o papel da classe média?
6. O Ur-Fascismo provém da frustração individual ou social. O que explica por que uma das características dos fascismos históricos tem sido o apelo às classes médias frustradas, desvalorizadas por alguma crise econômica ou humilhação política, assustadas pela pressão dos grupos sociais subalternos. Em nosso tempo, em que os velhos “proletários” estão se transformando em pequena burguesia (e o lumpesinato se auto exclui da cena política), o fascismo encontrará nessa nova maioria seu auditório.
A expressão Ur-fascismo é definida também como “fascismo eterno”.
O quarto e o quinto ponto também valem ser destacados para se refletir sobre certas intolerâncias emergentes:
4. Nenhuma forma de sincretismo pode aceitar críticas. O espírito crítico opera distinções, e distinguir é um sinal de modernidade. Na cultura moderna, a comunidade científica percebe o desacordo como instrumento de avanço dos conhecimentos. Para o Ur-Fascismo, o desacordo é traição.
5. O desacordo é, além disso, um sinal de diversidade. O Ur-Fascismo cresce e busca o consenso desfrutando e exacerbando o natural medo da diferença. O primeiro apelo de um movimento fascista ou que está se tornando fascista é contra os intrusos. O Ur-Fascismo é, portanto, racista por definição.
Sei que estamos em uma ordem regressiva (e incompleta) em relação aos 14 itens, mas pensemos agora no terceiro item:
3. O irracionalismo depende também do culto da ação pela ação. A ação é bela em si, portanto, deve ser realizada antes de e sem nenhuma reflexão. Pensar é uma forma de castração. Por isso, a cultura é suspeita na medida em que é identificada com atitudes críticas. Da declaração atribuída a Goebbels (“Quando ouço falar em cultura, pego logo a pistola”) ao uso frequente de expressões como “Porcos intelectuais”, “Cabeças ocas”, “Esnobes radicais”, “As universidades são um ninho de comunistas”, a suspeita em relação ao mundo intelectual sempre foi um sintoma de Ur-Fascismo. Os intelectuais fascistas oficiais estavam empenhados principalmente em acusar a cultura moderna e a inteligência liberal de abandono dos valores tradicionais.
Reunirei aqui, nos próximos dias, algumas reflexões de intelectuais sobre o tema, diretas ou indiretas.
Como diz o próprio Eco em seu artigo: “Não esqueçam”.
Por Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)