Comércio mundial: As potências emergentes rompem o equilíbrio
Estocolmo, outubro/2007 – As negociações comerciais multilaterais da Rodada de Doha estão em grande parte na mesma situação em que se encontravam há um ano. As questões centrais que enfocam estas conversações em um ponto morto continuam sendo a redução dos subsídios agrícolas por parte dos países desenvolvidos e a redução das tarifas aduaneiras para as importações industriais nas nações em desenvolvimento. Alguns observadores afirmam que, depois de tudo, esta rodada comercial não é tão importante.
De todo modo,
dizem, o comércio mundial está aumentando, o crescimento econômico é alto e as
tarifas sobre bens industriais no mundo desenvolvido agora certamente são
baixas. Mas a Rodada de Doha tem importância por duas razões. Primeiro porque
quando as regras não são adequadas para novas circunstâncias o protecionismo
toma novas formas. Em particular, os subsídios prejudiciais aos consumidores e
contribuintes proliferam e se estendem a novos campos.
A triste história
das perversas políticas agrícolas da União Européia é bem conhecida. Patrick
Messerlin chegou à conclusão de que os subsídios que se supõem deveriam servir
para preservar a cultura rural da França, na realidade, beneficiam as grandes
indústrias de alimentos em lugar de chegar aos agricultores necessitados de
ajuda. A competição protecionista está se estendendo para novos campos, com o
etanol como o principal candidato.
O beneficio para o meio ambiente
proporcionado pelos biocombustíveis é pequeno comparado com o custo dos
subsídios que recebe, o que não pode surpreender devido ao interesse do lobby
agrícola em elevar o preço dos grãos – e, portanto, aumentar o custo dos
alimentos para o consumidor. Inclusive os serviços agora são parte do jogo.
Estima-se que a superioridade dos Estados Unidos sobre a UE em produtividade no
setor de serviços pode, basicamente, ser atribuída ao moderno sistema Wal Mart.
Entretanto, isto se deve ao fato de Wal Mart ser subsidiado pelos Estados Unidos
com mais de US$ 1,2 bilhão procedentes dos cofres públicos.
Em segundo
lugar, há uma razão mais poderosa ainda para desejar que a Rodada de Doha tenha
sucesso. Desde meados dos anos 90 ocorre uma espetacular mudança na estrutura do
comércio mundial. Há séculos o grosso do comércio fluía para, desde e entre
América do Norte e Europa. América Latina, África e Ásia eram, nesse sentido,
regiões periféricas. Portanto, é totalmente novo que agora sejam registrados
crucialmente importantes correntes comerciais Sul-Sul e Leste-Leste.
A
ascensão da economia chinesa é, naturalmente, a mais importante, mas não o único
fator determinante dessa mudança. Por exemplo, a China se transformou em pouco
tempo no maior consumidor mundial de aço, carvão e cimento e no número dois em
matéria de petróleo, depois dos Estados Unidos. De fato, durante as atuais
negociações da Rodada de Doha, a reticência de alguns países em desenvolvimento
em fixar tarifas aduaneiras mais baixas é causada mais pelo temor das
importações competitivas procedentes da China do que das procedentes do
Ocidente.
Devido ao rápido crescimento das potências econômicas
emergentes, um fracasso da Rodada de Doha poderia debilitar e credibilidade e a
fortaleza do sistema de normas do comércio multilateral. Neste sentido, a
história tem algo a nos ensinar. No século XXI, a Alemanha cresceu como economia
rival da Grã-Bretanha, com normas diferentes, com menos livre comércio e com uma
intenção mais protecionista. Esta assimetria que implica relações desiguais foi
um dos fatores que levaram à Primeira Guerra Mundial.
Nos anos 20, os
Estados Unidos cresceram até se transformarem em uma economia internacional tão
importante quanto a da Europa. Mas nos dois continentes foram seguidas políticas
totalmente diferentes. Esta assimetria foi um dos fatores que impulsionou a
depressão mundial de 1919 com atrozes repercussões sociais, políticas e
militares. Um futuro com fortes e competitivas potências emergentes que adotem
políticas e práticas econômicas assimétricas que levem a reações protecionistas
em diferentes regiões pode, inclusive, ser mais devastador do que os exemplos
que nos dá a história, em razão do caráter fortemente entrelaçado da economia
globalizada.
No futuro, tal assimetria poderá gerar outros tipos de
conflitos em função, por exemplo, da intensa competição que está ocorrendo em
relação às matérias-primas e a energia. Todos estes fatores argumentam
fortemente a favor de defender e desenvolver um sistema multilateral respeitado
e baseado em normas comuns. Em síntese, o que se necessita é levar a Rodada de
Doha da OMC a uma conclusão feliz. (IPS/Envolverde)
(*) Mats
Hellström, ex-ministro de Comércio e Agricultura da Suécia e membro do Instituto
Internacional para o Desenvolvimento Sustentável. (IISD).
(Envolverde/
IPS)