Deng Xiaoping (D) e Lee Kuan Yew em Cingapura novembro de 1978 |
Como aconselham a perspicácia intelectual e a expertise transcultural, é causa perdida esperar dos conselheiros da política externa do governo Obama autodescrita como “não faça merda coisa estúpida” – nem dos funcionários/picaretas do Pentágono – que compreendam as complexidades da China.
Por exemplo, seriam incapazes de avaliar as miríades de ramificações incluídas da magistral desconstrução da geopolítica EUA-China, que nos ofereceu o professor Alfred McCoy.
O Primeiro-Ministro da Tailândia, Prayut Chan-ocha está atualmente em visita a Cingapura, onde discute com seu contraparte, Lee Hsien Loong, as linhas e entrelinhas da ASEAN-China no que tenham a ver com as disputas formidavelmente complexas no Mar do Sul da China.
A Tailândia apoia integralmente Cingapura – principal investidora das nações ASEAN – para que suceda Bangkok na coordenadoria rotativa das relações ASEAN-China. Diferente dos cenários alarmistas/paranoicos que desfilam pelo Departamento de Estado, as disputas no Mar do Sul da China serão resolvidas diplomaticamente, no âmbito da ASEAN-China.
Lee Hsien Loong é filho mais velho do falecido pai-fundador de Cingapura, Primeiro-Ministro e Ministro Mentor, o gigante, maior que a vida, Lee Kuan Yew. E o filho aprendeu tudo que é preciso saber sobre a Ásia – e sobre a China, de primeira mão, com o pai.
Quando me mudei, saído de Paris, para viver na Ásia, em 1994, meu primeiro porto de atracação foi Cingapura. Vivia-se o auge do milagre asiático. Imersão total significou aprender tudo que orbitava em torno de Lee e do próprio Lee. Ideologia e fissuras políticas à parte – por exemplo, sobre Irã ou América Latina, ele não sabia coisa que prestasse –, pode-se dizer que Lee sabia mais sobre a China que qualquer outro observador/analista externo.
Afinal de contas, Lee muito impressionou o Pequeno Timoneiro, Deng Xiaoping, em pessoa, no final dos anos 1970s, e foi quem levou Deng a lançar uma China moderna concebida como uma espécie de “mil Cingapuras”: retumbante sucesso econômico, sob firme controle político. O presidente Xi Jinping – crucialmente importante hoje – admira Lee como “mais velho que nós, tem nosso respeito”.
Como Lee conta, quando think-tank chineses o procuraram para saber o que achava do mantra “crescimento pacífico” como novo mantra chinês, ele respondeu com “renascimento pacífico, ou evolução ou desenvolvimento. Uma recuperação da antiga glória, uma atualização de civilização que já tivera muita grandeza”. Não por acaso, “desenvolvimento pacífico” foi o mantra adotado pela liderança anterior em Pequim.
Agora, quando o meme histérico de tempo integral em todo o ocidente é a “ameaça chinesa” ou, extrapolando das disputas no Mar do Sul da China, “a agressão chinesa”, é muito iluminador voltar ao Grande Mestre, para alguns fatos que devolvam a sobriedade aos doidos, sobre a China. Chamem de “Gotas de Saber do Grande Mestre sobre China e EUA-China”, grande parte das quais compiladas em Lee Kuan Yew (MIT Press, 2013). Sem isso, não é possível nenhuma análise significativa da China.
Mas que ninguém se engane: em geopolítica, Lee foi sempre puro status quo. Acreditava que:
(...) nenhum equilíbrio alternativo pode ser tão confortável quanto o atual, com os EUA como principal player (...). O equilíbrio geopolítico sem os EUA como principal força será muito diferente do que há hoje ou do que pode haver, se os EUA permanecem como player central.
Bem, as coisas já não são assim tão “confortáveis”.
Fala o Grande Mestre (Lee Kuan Yew)
Sobre a China como nº 1:
A deles é cultura de 4 mil anos, com 1,3 bilhão de pessoas, muitas das quais de grande talento – um cadinho gigantesco de muitos talentos dos quais se alimentar. Como não aspirariam a ser o n.1 na Ásia e, com o tempo, no mundo?
Sobre o que o povo chinês deseja:
Cada chinês deseja uma China forte e rica, nação tão próspera, avançada e tecnologicamente competente quanto os EUA, a Europa e o Japão. O senso de destino redespertado é força super empoderadora.
Sobre o grande cenário:
Os chineses calcularam que precisam de 30, 40, talvez 50 anos, de paz e sossego para tomar pé e reerguer-se, construir o sistema deles, passar do sistema comunista para o sistema de mercado. Devem evitar os erros que Alemanha e Japão cometeram (...). Creio que a liderança chinesa aprendeu que, se você compete com os EUA em armas, você perde. Você se leva a si mesmo à falência. Portanto, evite tal coisa, mantenha a cabeça baixa e sorria pelos próximos 40, 50 anos.
(Já não é bem assim. Xi já inverteu o “manter perfil discreto” de Deng).
Sobre o que a China precisa dos EUA:
A China sabe que precisa de acesso aos mercados norte-americanos, à tecnologia norte-americana, a oportunidades para que alunos chineses estudem nos EUA e levem, ao voltar para a China, novas ideias sobre novos campos. A China portanto não vê proveito algum em confrontar os EUA pelos próximos 20-30 anos de qualquer modo que crie riscos para esses benefícios a serem buscados.
(E, como Michael Hudson notou recentemente, o novo impulso econômico da China só tem a ver com seu pujante mercado interno:
A China não precisa de mais dólares. De fato, o único uso que a China pode dar a muitos dólares que acumule é emprestá-los ao Tesouro dos EUA, para financiar o tal “Pivô para a Ásia”, dos militares dos EUA... que só pensam em cercar e bloquear a China).
Sobre o Sudeste da Ásia:
A estratégia da China para o Sudeste Asiático é bastante simples: a China diz à região “venham crescer comigo”. Ao mesmo tempo, os líderes chineses querem transmitir a impressão de que a ascensão da China é inevitável e todos os países precisarão decidir se querem ser amigos ou inimigos da China, quando “acontecer”. A China também quer calibrar seu engajamento para obter o que deseja ou para expressar sua insatisfação.
Sobre por que os EUA “perderam” o Sudeste da Ásia:
A China está sugando os países do Sudeste da Ásia para o seu sistema, por causa de seu vasto mercado e crescente poder de compra. Japão e Coreia do Sul serão inevitavelmente sugados também. A China absorverá os países sem precisar usar de força.
Os vizinhos da China querem que os EUA permaneçam engajados no Pacífico Asiático, para que não fiquem reféns da China. Os EUA deveriam ter estabelecido uma área de livre comércio no Sudeste da Ásia há 30 anos, bem antes de o ímã chinês começar a arrastar toda a região para sua órbita.
Se tivessem feito isso, seu poder de barganha seria hoje muito maior, e todos os países do Sudeste da Ásia estariam conectados à economia dos EUA, em vez de dependerem da economia chinesa. A economia fixa tendências subjacentes.
Sobre o comércio na Ásia:
O que os norte-americanos disputarão com a China? Controle sobre o Leste da Ásia? Os chineses não precisam lutar pelo Leste da Ásia. Lenta e gradualmente, expandirão seus laços econômicos com o Leste da Ásia e oferecerão seu mercado de 1,3 bilhão de consumidores (...). Extrapole isso para mais 10, 20 anos, e os chineses serão o maior importador e exportador dentre todos os países do Leste da Ásia. Como os norte-americanos poderiam competir no comércio?
(É o que explica o desespero do governo Obama para pôr em operação o Tratado da Parceria Trans-Pacífico (TPP), excluindo a China).
Sobre a China assimétrica:
Economicamente e militarmente, os chineses talvez não recuperem 100 anos de tecnologia, mas, assimetricamente, podem infligir dano enorme aos norte-americanos.
Sobre o Partido temer o caos:
Para alcançar a modernização da China, seus líderes comunistas estão preparados para tentar todo e qualquer método, exceto a democracia à ocidental, de uma pessoa, um voto, em sistema multipartidário. As duas principais razões para isso são:
(I) a crença de que o Partido Comunista da China deve ter o monopólio do poder para garantir a estabilidade; e
(II) a profunda sensação de instabilidade que um sistema multipartidário, aberto a todos, inspira ao PCC, porque levaria o centro a perder o controle sobre as províncias, com consequências terríveis, como houve nos anos 1920s e 1930s, dos senhores da guerra.
Sobre por que a cultura é determinante:
Os chineses poderiam talvez separar-se de sua própria cultura? Seria necessário andar a contrapelo de 5 mil anos de história chinesa. Quando o centro é forte, o país prospera. Quando o centro é fraco, o imperador está muito distante, as montanhas são altas e há muitos pequenos imperadores nas províncias e distritos. Essa é a herança cultural deles (...) As tradições chinesas pois produzem um mandarinato mais uniforme.
Sobre a inevitabilidade de voltar a ser o nº 1:
Os chineses operam à base de consensos e têm visada muito longa. Enquanto alguns talvez imaginem que o século XXI pertencerá à China, outros esperam partilhar esse século com os EUA, enquanto constroem para o século seguinte, que será da China.
Sobre por que é tão difícil para os EUA aceitarem isso:
Para os EUA, é emocionalmente muito difícil perder seu lugar, não no mundo, mas exclusivamente no Pacífico Ocidental, deslocado por um povo asiático por muito tempo desconsiderado, desprezado, descartado como decadente, fraco, corrupto e incapaz. O senso de supremacia cultural dos norte-americanos tornará esse ajustamento ainda mais difícil.
Os norte-americanos creem que suas ideias tenham validade universal – a supremacia do indivíduo; a absoluta liberdade de expressão. Mas não são – nunca foram.
De fato, a sociedade norte-americana foi tão bem-sucedida por tanto tempo, não por causa dessas ideias e princípios, mas por causa de uma espécie de boa sorte geopolítica, fartura de recursos e energia obtida do trabalho de imigrantes, fluxo generoso de capitais e tecnologia saído da Europa, e dois imensos oceanos, suficientemente vastos para manter os conflitos mundiais sempre distantes das praias norte-americanas. É inevitável que os norte-americanos partilharão com a China a posição de nº 1.
E engulam a cereja do bolo:
Os EUA não podem deter a ascensãoda China. Resta-lhes conviver com uma China maior que eles, o que será completa novidade para os EUA, dado que país algum jamais foi suficientemente grande para desafiar a posição deles. A China estará pronta a ultrapassar os EUA em 20-30 anos.
(Lee disse isso no Fórum Global Future China em Cingapura, em 2011. Sob governo de Xi, a China já está desafiando a posição dos EUA).
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12/6/2015, Pepe Escobar, Asia Times Online
China? Have Grandmaster, will travel: Escobar
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como: Sputinik, Tom Dispatch, Information Clearing House, Red Voltaire e outros; é correspondente/ articulista das redes Russia Today e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
–Globalistan: How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Nimble Books, 2007.
− Red Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007.
−Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009.
− Adquira seu novo livro Empire of Chaos, publicado no final de 2014 pela Nimble Books.
http://redecastorphoto.blogspot.com.br