Será semana de emoções fortes para a política do Oriente Médio, quando o presidente Barack Obama dos EUA afinal exporá sua estratégia de luta contra o Estado Islâmico. Ainda faltam 48 horas.
Na 4ª-feira (10/9/2014), farei um discurso e exporei nosso plano de jogo para seguir adiante – disse Obama, em seu estilo bem próprio, ao programa Meet de Press, da rede NBC.
Sem dúvida, estamos assistindo ao “esquenta” para mais uma nova guerra que está para começar no mundo muçulmano, que poderá durar anos e cujo fim poderá levar a modificações profundas no mapa político do Oriente Médio como foi desenhado pelo acordo Sykes-Picot de 1916. Com certeza, a questão central do “plano de jogo” de Obama tem a ver com que papel os EUA atribuem (ou pensa atribuir) aos seus aliados regionais, especialmente os árabes do Golfo e ao aliado-à-espera, o Irã.
Teerã emitiu devidamente um desmentido do que a BBC publicou semana passada, sobre o Supremo Líder do Irã, aiatolá Ali Khamenei, ter dado sinal verde para uma cooperação EUA−Irã na luta contra o Estado Islâmico no Iraque. Mas já estamos habituados à pantomima: EUA e Irã trabalhando juntos no Iraque, mas o Irã negando tudo, em público.
Fato é que o Irã que conhecíamos ano passado já não existe. Provavelmente, o que pensávamos que sabíamos tenha sido sempre uma quimera, e esse, de hoje, sempre tenha sido o Irã “real”, que desconfiávamos que existisse. Seja como for, o problema do Irã, se for publicamente apontado como colaboracionista do Grande Satã no Iraque, explica, provavelmente a reserva que se observará no presidente Barack Obama, que nunca incluirá o Irã como membro da “coalizão de vontades”, no Iraque.
Obama listou oito países ocidentais e a Turquia como constituintes da “coalizão núcleo”, mas não mencionou nenhum país regional do Oriente Médio. O Secretário de Estado, John Kerry, falou de nove países como “coalizão das vontades claras”... Parece ser boa descrição.
A hesitação do Irã, que não se decide a levantar-se e deixar-se ver publicamente como parceiro do ocidente no Iraque é dilema típico também dos países árabes. Mesmo o rei da Jordânia, que com certeza sempre se alistou nas fileiras de qualquer país ocidental que passasse por ali, parece ter rejeitado o convite que Obama lhe fez na 5ª-feira (4/9/2014).
Os árabes do Golfo estão nervosos com as ameaças que o Estado Islâmico tem feito, de que se rendam ou enfrentarão consequências terríveis. Oscilam e vacilam, ante a opção por serem parte da ação militar comandada pelos EUA para “desalojar” o Califato que se está consolidando no Iraque.
É o que transparece da declaração feita pela Liga Árabe ontem no Cairo, depois da reunião de ministros de Relações Exteriores. Ao contrário do que se esperava antes da reunião, a declaração não endossa a campanha dos EUA contra o Estado Islâmico, mas, em vez disso, inspirou-se na declaração que o Conselho de Segurança da ONU aprovou mês passado, em que pede aos estados−membros para “atuar para bloquear o fluxo de combatentes, de financiamento e de qualquer outro tipo de apoio a grupos islamistas extremistas no Iraque e na Síria”, nos termos do que a Reuters noticiou.
As aflições do Irã são particularmente agudas. Ser visto ao lado dos EUA e de Israel, combatendo contra um grupo muçulmano sunita é beber de um cálice envenenado. O noticiário fala de palestinos e árabes israelenses acorrendo em massa para alistar-se no Estado Islâmico no Iraque.
Seja como for, o Irã já está envolvido na guerra contra o Estado Islâmico. Irã ver-se-á entre a fogueira e a espada, se começarem os ataques norte-americanos dentro da Síria – o que parece ser questão apenas de tempo. Obama não se curvará e não pedirá autorização ao presidente Bashar al-Assad antes de empreender ação militar dentro da Síria. Em que situação estará, então, Teerã?
O jornal saudita Asharq Al-Awsat, sempre muito próximo da família real, publicou coluna no domingo atribuída a figurão do establishment em que se insiste que a oposição síria deveria estar na vanguarda da luta contra o Estado Islâmico. O “problema” é que a oposição síria
(...) não pode(ria) dedicar todo seu empenho contra o Estado Islâmico no Iraque e Levante e seus afiliados, sem abandonar completamente sua missão principal, que é derrubar o governo de Assad.
Claro, tudo isso se desenrola contra o pano de fundo da próxima rodada de negociações entre Irã e o P5+1, que deve começar em New York dia 18 de setembro de 2014. Funcionários iranianos têm-se mostrado cautelosamente otimistas sobre as futuras conversações.
Enquanto as coisas não clarearem, o Irã continuará a falar por duas vozes. Importante deputado iraniano foi citado hoje, ao dizer em Teerã que o Estado Islâmico é criação dos EUA, Israel e Arábia Saudita. Por sua vez, depois de reunião em Teerã com seu contraparte da Dinamarca (e membro da “coalizão núcleo dos EUA), o Ministro de Relações Exteriores do Irã Mohammad Javad Zarif salientou que é indispensável que haja cooperação internacional, para fazer frente ao Estado Islâmico.
O que vem por aí? De fato, Obama tem de manter o lobby israelense bem longe da sua [de Obama] jugular. O Ministro de Negócios Estratégicos de Israel, Yuval Steinitz, deve vir a Washington para consultas sobre o Irã. Significa que, mesmo com interesses convergentes com Teerã sobre a segurança e estabilidade do Iraque, e inobstante o fato de o Estado Islâmico ser inimigo comum, Obama não pode convidar formalmente o Irã para que se incorpore à sua “coalizão de vontades”.
Por outro lado, sem que alguma entidade confiável para o Oriente Médio muçulmano integre-se à sua “coalizão de vontades”, toda a empreitada pode acabar ficando com ares de Cruzada do século XXI. Por isso Obama tanto quer o Irã, mas não pode convidá-lo abertamente. Em resumo, interessa a Teerã ser visto do lado de fora da tenda do Tio Sam, mesmo que pareça estar dentro. Se as coisas não correrem bem, o Irã sempre terá a opção de olhar na direção oposta.
Desta vez, Irã e árabes do Golfo estão no mesmo pé.
8/9/2014, MK Bhadrakumar, Indian Punchline
“Iran, Gulf Arab dither on Islamic State”
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
[*] MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Oriente Médio, Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de geopolítica, de energia e de segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu e Ásia Times Online, Al Jazeera, Counterpunch, Information Clearing House, e muita outras. Anima o blog Indian Punchline no sítio Rediff BLOGS. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala, Índia.
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