Os túneis de Cu Chi: o poderoso passado do Vietnã
“Os túneis são monumento universal poderoso da força do desejo humano contra as mais inenarráveis calamidades”
Há luz no fim do túnel – literalmente, uns três metros à frente. Minhas pernas doem de tanto engatinhar, coberto de lama, o suor pingando do rosto.
“Preparado para o terceiro nível?” – Tien me provoca, falando por cima do ombro abaixado. – “Claro”, menti, até que emergimos – e afinal havia espaço para ficar em pé – num dormitório subterrâneo onde se viam colchões feitos de restos de paraquedas norte-americanos remendados, como espécie de bandeiras esticadas entre quatro bambus espetados no chão lamacento. Tien – meu guia, magro como espeto, ágil como lagarto, 22 anos – conduzira-me por 40 metros de túneis, um caminho complexo como rede subterrânea de canos, de teto claustrofobicamente baixo e estreitíssimos, com espaço só para engatinhar.
“Temos muita sorte” – disse Tien quando afinal consegui esticar as pernas. – “Durante a Guerra Americana, esses túneis tinham metade dessa altura, e as pessoas tinham de se arrastar sobre a barriga.” Nem havia, pensei eu, as lanternas tão úteis dispostas ao longo do percurso. Mas mesmo com esses luxos de hoje e sem o perigo de armadilhas mortais a cada passo e de haver um inimigo em cada canto do túnel, ainda é muito assustador andar por esses túneis.
Estamos cerca de 5 metros abaixo da superfície, engatinhando por um conjunto de túneis conservados como monumento à Resistência dos Vietcongs em Ben Duoc, distrito de Cu Chi, cerca de 65 km a noroeste da cidade de Ho Chi Minh, ex-Saigon. Esses túneis são parte de uma rede de parques temáticos que o governo do Vietnã mantém por todo o país, em homenagem aos heróis da guerra de Resistência vietnamita contra os EUA, que inclui dentre outros, trechos conservados da Zona Desmilitarizada ao longo do paralelo 17, e áreas de My Lai onde aconteceu um dos maiores massacres de toda a guerra, de moradores da região, por soldados dos EUA.
Uma das entradas/saídas dos túneis |
Os túneis são monumento universal poderoso da força do desejo humano contra as mais inenarráveis calamidades.
Cerca de 100 metros andando para baixo e já descemos outros 4 metros (a curta distância da área permanentemente saturada de água) e chegamos ao 3º nível de um labirinto subterrâneo de quatro pisos que, na origem, estendia-se por talvez mais de 240 quilômetros. Não importa o que você pense sobre a Guerra Americana (que é como os vietnamitas chamam o que o ocidente conhece como Guerra do Vietnã) e as causas que a geraram, é obrigatório baixar a cabeça em homenagem à coragem e à decisão dos soldados vietnamitas: pelo menos 45 mil homens e mulheres do Vietnã morreram defendendo esses túneis de Cu Chi.
Armadilha com estrepes nas entradas/saídas dos túneis |
Os túneis são uma rede que poderia ser sempre ampliada, engenhosamente disfarçada, de abrigos para guerrilheiros, que se estendiam dos arredores de Saigon até a fronteira do Camboja, e que interconectava arsenais, vilas e bases de apoio para os vietnamitas. Ali havia pontos de descanso, bancadas de produzir armas, munição, apetrechos de autoproteção, cozinhas com chaminés para dispersão de fumaça e odores e, até, auditórios e salas de projeção de filmes.
Respiradouro |
Entrada/saída aumentada para visitação |
Escada subterrânea usualmente construída sob |
Construídos ao longo de duas décadas, a partir do início dos anos 1940s, os túneis dariam abrigo a soldados-camponeses que nem sapatos tinham, contra exército militar incomparavelmente mais equipado e armado. “Meu avô e meu pai, os dois, ajudaram a construir esses túneis” – diz Tien, cheio de orgulho. Os moradores da região cavavam o solo de argila vermelha (mole demais durante as chuvas de monções e duro como pedra durante a estação seca) com enxadas e com as próprias mãos. (...)
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2/5/2004, [*] Tibor Krausz, The Washington Post
“The Cu Chi Tunnels: Vietnam's Deep, Dark Past”
Excerto traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
[*] Tibor Krausz é jornalista e escritor atualmente baseado no Sudeste Asiático. Escreveu sobre ampla variedade de assuntos da América do Norte, Europa, Oriente Médio e em todo o Sudeste Asiático. É correspondente da revista The Jerusalem Report e do jornal The Christian Science Monitor. Seus artigos também são publicados pelos The Washington Post, The Jerusalem Post, The Sydney Morning Herald, The South China Morning Post, The Guardian Weekly, The National Post e muitas outras publicações. Destacamos, entre muito outros artigos, um sobre a estada de uma semana com a auto-proclamada Tribo Perdida de Israel (orig.: Lost Tribe of Israel) em local remoto do nordeste da Índia; outro contando sobre a degustação de foie gras em almoço privado com o rei Sihanouk do Camboja no Phnom Penh's Grand Palace; outros sobre os apertos que passou desviando-se de balas no centro de Bangkok, enquanto escrevia sobre a sangrenta repressão do exército tailandês contra os manifestantes anti-governamentais; e sobre seu renascimento espiritual obtido, como se acredita, colocando-se em um caixão durante uma cerimônia de purificação na Tailândia no Coffin Temple.
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