“Escravas do templo” lutam para se libertar na Índia

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Mulheres joginis dançam do lado de fora de um templo durante um festival religioso na Índia. Foto: Stella Paul/IPS

Nizamabad, Índia, 7/7/2014 – “Estou enjoada. O tabaco me dá dor de cabeça e náuseas”, disse Nalluri Poshani, de apenas 32 anos mas que aparenta ser bem mais velha. A IPS a entrevistou enquanto fabricava, com destreza, um “beedis”, cigarro local, ajoelhada no chão junto a uma pilha de tabaco e folhas.
Poshani não é uma mulher comum, é uma jogini, que pode ser traduzido como “escrava do templo”. É uma das milhares de jovens dalits (a mais baixa das castas hindu). Desde muito pequenas são dedicadas à deusa do povo Yellamma, porque acredita-se que sua presença no templo afastará os maus espíritos e trará prosperidade a todos.
Atualmente, não pode fazer outra coisa que não seja cigarros, que vende a US$ 2 cada mil unidades, o que lhe rende cerca de US$ 36 por mês. “Tomara pudesse ter outro trabalho”, afirmou esta mulher que, com apenas cinco anos, protagonizou o ritual de dedicação.
Primeiro a banharam, a vestiram de noiva e a levaram ao templo onde um sacerdote colocou um “thali” – cordão sagrado que simboliza o casamento – em volta de seu pescoço. Depois foi levada para fora onde havia uma multidão reunida que a examinou e a proclamou nova jogini.
Durante vários anos viveu e trabalhou no tempo, mas, ao chegar à puberdade, os homens do povoado, em geral de castas altas que em outro contexto a considerariam “intocável”, como a todos os dalits, a visitavam à noite e mantinham relações sexuais com ela. Poshani nunca foi uma trabalhadora sexual porque nunca cobrou ou lhe pagaram para manter essas relações. Mas estava presa ao templo, mediante rituais e à firme crença dos moradores locais em seus poderes sobrenaturais.
Só a consideravam mais do que uma prostituta durante os festivais religiosos, quando dançava em transe funcionando como médium por meio do qual se expressava a deusa Yellamma. Fora isso, a maior parte de suas quase três décadas de servidão foi cheia de violência e falta de respeito. Atualmente, há uma forte campanha contra as joginis no povoado de Vellpoor, na região de Nizamabad, sul do Estado de Telangana, para proibir esta prática centenária.
Mas as mulheres como Poshani ainda não têm muito para comemorar. Embora esteja contente por não ter mais grilhões sexuais, ela não tem como se manter sem casa e terras, e com dívida de 200 mil rúpias (US$ 3 mil) que pediu emprestadas a um agiota. Visivelmente desnutrida, Poshani representa a situação de muitas mulheres joginis adultas que se encontram exploradas sexualmente, na pobreza, doentes e sozinhas.
Segundo dados oficiais, há cerca de 30 mil joginis, também chamadas devdasis ou matammas, em Telangana. Outras 20 mil vivem no vizinho Estado de Andhra Pradesh. Nos dois Estados, 90% das joginis são dalits. A prostituição nos templos está proibida em Andhra Pradesh desde 1988.
A Lei para a Abolição das Jogini castiga a iniciação de uma mulher no sistema com penas de dois a três anos de prisão e multa de três mil rúpias (US$ 33). Mas é um castigo muito suave para um crime tão atroz, disse Grace Nirmala, ativista de Hyderabad, capital compartilhada pelos dois Estados.
“As joginis vivem afastadas de suas famílias e não têm direitos”, explicou Nirmala, que dirige a organização Ahsray (abrigo) e há 20 anos se dedica a resgatar e reabilitar estas mulheres. “Suas vidas ficam totalmente arruinada e o castigo são dois anos de prisão ou multa de algumas poucas rúpias”, destacou. A maioria dos agentes nem mesmo conhece a lei, o que dificulta a abolição da prática, acrescentou.
As superstições também contribuem para manter a tradição, pois muitos moradores do lugar acreditam que as joginis têm poderes divinos. “Deitar com uma jogini é uma forma de invocar o poder sobrenatural e agradar a deusa”, disse Nirmala. “Em muitas famílias, quando há algo que os afeta negativamente, a mulher pede ao seu marido para manter relações com a jogini que o problema acaba”, acrescentou. Mas há quem atribua esta prática ao arraigado sistema de castas.
“O sistema jogini não viola apenas os direitos das mulheres, mas também os direitos humanos porque sempre é uma mulher dalit que se converte em jogini, bem como sempre são das castas dominantes os servidos por elas”, afirmou Jytoti Neelaiah, defensora dos direitos dos dalits em Hyderabad. Todo o sistema é “um jogo de poder” no qual os grupos sociais dominantes oprimem os mais fracos e marginalizados da sociedade, acrescentou.
A ativista Kolamaddi Parijatam questiona a explicação de várias organizações, e inclusive de acadêmicos, sobre esta prática ter profundas raízes culturais e que deve ser preservada. A comunidade dalit constitui 17% da população do novo Estado de Telangana, por isso muitas ativistas acreditam que Vellpoor é um bom lugar para encabeçar o movimento a favor de uma reforma legal. Parijatam há seis anos mobiliza as mulheres rurais contra este sistema. Trabalhou inclusive em Vellpoor, onde há cerca de 30 joginis.
Descontentes com a incapacidade das autoridades para frear esta prática, as mulheres se converteram em vigilantes, numa tentativa de resgatar suas congêneres durante a cerimônia de dedicação. A polícia aos poucos toma consciência da lei graças à pressão de organizações civis. Mas o processo é muito lento e a maior responsabilidade recai sobre as ativistas que denunciam as violações e asseguram que os responsáveis sejam detidos.
As ativistas pedem que o governo destine recursos ao Plano para o Componente Especial – que oferece apoio econômico e social às comunidades marginalizadas – para a reabilitação das joginis, que permanecem excluídas dos programas assistenciais. Neelaiah insistiu que os filhos e as filhas das joginis correm o risco de sofrerem abusos verbais e assédio se for conhecida a identidade de suas mães.
As meninas estão em situação particularmente vulnerável porque podem ser vítimas de tráfico ou forçadas a substituir suas mães no templo. Tanto Neelaiah como Nirmala trabalham para que filhos e filhas das joginis frequentem a escola, o que, segundo elas, é a melhor forma de protegê-los. Envolverde/IPS
(IPS)

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