Clara Nieto. Foto: Margarita Carrillo/IPS
Bogotá, Colômbia, fevereiro/2014 – Os Estados Unidos destilam raiva e frustração contra Cuba por ocasião da realização da II Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) em Havana.
Estados Unidos e Canadá estão excluídos de forma expressa da Celac e demais órgãos de integração sul-americanos.
Quando começou, em 28 de janeiro, a cúpula de dois dias, um porta-voz anônimo do Departamento de Estado acusou os participantes de “traição” aos princípios democráticos, ao “apoiar o sistema unipartidário do regime cubano”.
E acrescentou que considerava “particularmente inexplicável para uma organização cujo suposto apoio à democracia e aos direitos humanos ficou expresso na Primeira Cúpula”, em Santiago, em janeiro de 2013.
Um motivo a mais para sua frustração é a participação na cúpula de Havana dos secretários-gerais da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização de Estados Americanos.
Nicolás Maduro, presidente venezuelano, respondeu: “Que engulam suas declarações!”. Viu “amargura” em suas palavras. “Estão derrotados pelo poderoso espírito unitário da América Latina e do Caribe”, afirmou.
De fato, a sustentada ascensão de Cuba no âmbito continental é um trago amargo para Washington. A América Latina já não se dobra aos seus mandatos. A imensa maioria de seus países mantém relações diplomáticas e comerciais com a ilha, e as aprofunda.
Os Estados Unidos podem acusar o continente de “traição à democracia e aos direitos humanos” enquanto apoiam os golpistas de Honduras (2009) e do Paraguai (2012) contra seus presidentes constitucionais?
O presidente dos Estados Unidos, o democrata Barack Obama, apoiou o governo espúrio de Porfírio Lobo, violento, antidemocrático e corrupto.
Igualmente apoia seu sucessor desde 27 de janeiro, Juan Orlando Hernandez, partidário do golpe e hábil em propiciar ilegalidades contra sua Suprema Corte de Justiça, na qual substituiu em 2012 quatro de seus 15 magistrados, quando era presidente do Congresso.
Nesse país “democrático” a polícia, os militares e o poder judicial são corruptos, comprometidos com o narcotráfico e o crime organizado.
No entanto, os Estados Unidos continuam dando apoio multimilionário a essas forças da ordem repressoras e corruptas. Sob no governo de Lobo (2010-2014), Honduras se converte no país mais violento do mundo, com um índice de assassinatos, em 2011, de 91,6 homicídios por cem mil pessoas.
O Escritório das Nações Unidas Contra a Droga e o Crime afirma que, em três anos, esse índice aumentou 59%, segundo dados de novembro.
O desinteresse de Obama por seus aliados do Sul continental é evidente. Assim afirmou com dor Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente do Brasil (2003-2010) ao falar sobre o primeiro mandato do governante norte-americano (2009-2013).
Em 28 de janeiro, em seu discurso anual sobre o Estado da União, qualificado como “reduzido” em um editorial pelo New York Times, Obama dedicou apenas um curto parágrafo “às Américas”: “Estamos construindo novos laços comerciais e expandindo as relações e ações educativas com intercâmbio de jovens”. E as políticas?
Não cumpre o que disse em seu primeiro encontro com os mandatários continentais em Trinidad e Tobago, em abril de 2009, na V Cúpula das Américas, quando prometeu um diálogo com o continente e com Cuba, “de igual para igual”.
E apesar da insistência dos líderes latino-americanos e de personalidades norte-americanas, entre elas o ex-presidente Jimmy Carter e o representante Jim McGovern, ambos democratas, a favor de suspender o embargo contra Cuba, o mantém. Tampouco retira esse país da lista de “estados terroristas”, como pedem todos.
Cuba continua sendo vítima da perseguição comercial e financeira imposta pelo bloqueio econômico por mais de meio século.
Juan Manuel Santos, presidente da Colômbia, escolhe Cuba para negociar um acordo de paz com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e acabar com o sangrento conflito interno que este ano completa meio século, tema prioritário de seu governo.
As negociações estão em andamento. Santos agradece a ajuda dada por Fidel e Raúl Castro e à prestada por Hugo Chávez, presidente da Venezuela entre 1999 e sua morte em março de 2013. As qualifica de “cruciais”.
Há “otimismo contido”, disse Santos, enquanto meios de comunicação noticiam acordos importantes.
Quanto às relações com Cuba e o embargo, deve-se esclarecer que suspendê-lo não depende apenas do presidente dos Estados Unidos.
O Congresso, através dos anos, adota um enxame de duras leis difíceis de desfazer. Além disso, os republicanos, com maioria na Câmara de Representantes desde 2012, se opõem a qualquer concessão.
Em seu segundo mandato, iniciado em janeiro de 2013, Obama está mais livre diante dos republicanos. Disse que atuará por decreto quando se opuserem, embora melhorar as relações com Cuba não esteja em seu horizonte. Uma das condições dessas leis, para suspender o embargo, é a mudança de regime em Havana. Envolverde/IPS
* Clara Nieto é escritora e diplomata, ex-embaixadora da Colômbia junto à ONU e autora do livro Obama e a Nova Esquerda Latino-Americana.