O ano era 1979. As ruas de Teerã ferviam de fervor revolucionário. O Imã Khomeini acabava de voltar há alguns dias de Paris e começavam os dez dias de manifestações que levariam à grande virada, dia 11 de fevereiro, quando as Forças Armadas mudaram de lado: da lealdade ao xá, à lealdade aos revolucionários. Por tradição, o Irã celebra a volta do exílio do Imã Khomeini no dia 1º de fevereiro, e, esse ano, a revolução completa 35 anos.
Há muito simbolismo no fato de os 4,2 bilhões de dólares, a primeira parte dos fundos iranianos congelados no exterior, terem sido devolvidos, depositados em bancos suíços, anteontem, 6ª-feira , véspera do início da “Alvorada de Dez Dias” – as cerimônias que comemoram a Revolução Iraniana.
Também na 6ª-feira (31/1/2014) foi anunciado que a próxima e crucial rodada de conversações P5+1 e Irã será realizada dia 18 de fevereiro. Interessante: o encontro acontecerá em Viena, sob o teto da ONU, mais perto do Irã. O Ministro de Relações Exteriores do Irã, Javad Zarif chegou a comentar em público que essa rodada de negociações bem poderia ser realizada em Teerã. E até a linguagem corporal é animadora.
A MRE da União Europeia, Catherine Ashton e o MRE iraniano, Javad Zarif chegam para
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Mais importante: os senadores dos EUA que ameaçavam impor novas sanções contra o Irã retrocederam, depois que o presidente Barack Obama reagiu às ameaças e disse que vetaria eventual resolução do Congresso nessa direção. De fato, será muito difícil mudar o lócus da questão nuclear iraniana e trazê-lo de volta para a conversa das sanções.
Quando até a rede Fox News noticia que os iranianos são povo amigável, é hora de a direita que faz oposição a Obama prestar atenção e tomar nota.
O Irã tem grandes planos para reciclar sua indústria de petróleo e as preferências andam na direção de levar o Grande Petróleo de Houston, Texas, para fazer a atualização da tecnologia. O que, por sua vez, começará a servir como padrão significativo do engajamento EUA-Irã.
O cenário também agrada ao establishment clerical iraniano, que tem laços profundos com o bazaar em Teerã. O que, por sua vez, dará ao clericato iraniano perspectiva completamente diferente sobre do que tratam, de fato, as conversações nucleares – ou do que poderiam tratar.
A Reuters noticiou que o presidente Hassan Rouhani já garantiu o apoio do poderoso establishment clerical na cidade santa de Qom para o modo como abordará as conversações do dia 18 de fevereiro próximo.
Nada disso, contudo, deve minimizar o desafio diplomático que aguarda norte-americanos e iranianos no próximo encontro em Viena, no qual se negociará um acordo definitivo para a questão nuclear. O que está em jogo é um acordo de longo prazo, sustentável e fiscalizável, a ser negociado em contexto de total confiança mútua, que pode levar ao fim do regime de sanções que será levantado passo a passo.
O hiato nas posições em negociação que se vê hoje não pode ser subestimado. A própria evidência de que vieram a público as diferenças de interpretação em torno do acordo provisório de Genebra – se o Irã aceitou ou não desativar seu programa nuclear – já chama a atenção para o quanto estão sensíveis as opiniões públicas dos dois lados, nos EUA e no Irã.
Mais fundamentalmente, se pode descartar completamente a possibilidade de que o Irã algum dia aceite a total destruição de suas 19.800 centrífugas já instaladas, ou o fechamento total e definitivo do reator de água pesada em Arak. O ponto, portanto, é a disposição do Irã para negociar depende da convicção de que, como qualquer outro país signatário do Tratado de Não Proliferação, o país pode oferecer provas verificáveis à comunidade internacional de que seu programa nuclear é inteira e absolutamente civil.
Por outro lado, a posição dos EUA é que o Irã não é como qualquer outro país; e que terá de fazer muito mais que qualquer outro país para merecer confiança de que seu programa é pacífico. É preciso construir uma fórmula de concessões que talvez envolva o Irã diluir os atuais estoques de urânio enriquecido a 20% e converter Arak em, digamos, sistema de água leve. O Irã, é claro, avaliará muito cuidadosamente o que obterá em troca de cada concessão.
Tanto quanto posso ver, começa a haver clima para posições conciliatórias. O plano de Obama, de visitar a Arábia Saudita no final de março pode ser visto como sinal inicial de que Washington está cautelosamente otimista sobre a possibilidade de que algum acordo brote das conversações de Viena e já prevê a urgência de trazer para bordo também o rei Abdullah.
Enquanto isso, não se entende por que o governo Obama mantém Israel no circuito. Pode ser cedo demais para saber, mas há sinais incipientes de que Israel começa a abandonar a posição de rejeição total a qualquer engajamento EUA-Irã, para uma posição de tentar aproximar-se de Washington para influenciar os “pontos de divulgação” do encontro de Viena. No mínimo, leitura atenda do editorial do Jerusalem Post de ontem (2/1/2014), parece reforçar o que “meu faro” me sugere.
2/2/2014, MK Bhadrakumar, Indian Punchline
“Defining moment aproaching in Iran talks”
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
[*] MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu, Asia Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.