Como parte da campanha desse blog China Matters, para retificar nomes e o significado de palavras, que já retificou o nome da política externa do Japão – a qual deve ser referida doravante como “Restauração Militar do Japão” – EU DECRETO que os eventos em curso no Egito, na Tailândia e na Ucrânia não são revoluções: são putsches.
Uma “revolução”, como a palavra diz, implica o fim de um sistema de governo existente, quase sempre autoritário, em favor de sistema de governo novo, usualmente mais democrático.
Um putsch, por outro lado, envolve grupo vociferante que usa a ação de rua para derrubar governo eleito que os vociferantes considerem desagradável.
Manifestantes atiram coquetéis Molotov na polícia que cerca a Praça Maidan em Kiev, Ucrânia (26/1/2014) |
Egito-2013 foi um putsch contra governo eleito, por massa considerável de gente nas ruas e na caserna que não quis passar pela inconveniência de esperar um, dois anos, para chegar ao poder pelas urnas.
Esse feio estado de coisas provocou dano cerebral grave em pessoas embriagadas ou cegas pela própria visão de massas liberais, heroicas, amantes da democracia, que derrubam governos autoritários.
Juan Cole está insistindo em vender a derrubada do governo de Mursi no Egito como um “revo-golpe-ção” [orig. revocouption], metendo à força uma certa dose de legitimidade no golpe dos militares; declarando que o golpe seria continuação da revolução original, graças às manifestações de rua contra Mursi e à redação de uma nova constituição – e, assim, excluindo da história revolucionária oficial o papel da Fraternidade Muçulmana na derrubada do governo Mubarak.
Ah, não! Não cá p’rô meu lado, Sr. Promotor-divulgador-propagandista da intervenção na Líbia, a qual, me parece, pode ser rebatizada, “matar-arrebentar-tudo” [orig. “fuckupalotaboomboom”], com a queda daquela nação, agora, no caos mais absoluto.
Atualmente, o mandato popular para o putsch contra Mursi repousa sobre um precaríssimo cálculo, segundo o qual cerca de 5% de egípcios a mais votaram no referendo constitucional de 2014 que a FM boicotara, que no referendo de 2012 que os anti-FM boicotaram.
Situação semelhante vê-se na Ucrânia, onde a oposição decidiu que um putsch é preferível a esperar por outra eleição, sobretudo quando o ocidente trabalha tão empenhadamente a favor das forças antigoverno.
O empenho enviesado de Europa e EUA para fazer avançar seus interesses geoestratégicos à custa de desmoralizar até eleições seria cômico, não fosse o fato de que grupos neonacionalistas estão sendo usados como tropas de choque para abalar o governo da Ucrânia. Será interessante ver até que ponto irão os “analistas”, no trabalho de elogiar e boquiabrir-se ante as imagens da cidade atacada por coquetéis Molotov e quebradeira geral, por “ativistas” contra “o governo”. Como Belle Waring escreveu e depois desescreveu no blog Crooked Timber – quando começam a entender que as cenas podem facilmente ser reencenadas em seus próprios países.
Quanto à Tailândia, os Camisa Amarela especificamente desejam:
(a) derrubar o governo;
(b) vedar completamente qualquer possibilidade de novas eleições que eles quase com certeza perderiam; e
(c) convencer o exército de que tem de intervir ao lado dos supracitados Camisa Amarela.
Nada, no mundo, poderá ser jamais mais golpista-putchista, que isso!
Quando eu estava na escola, em período muito mais ingênuo e mais declaradamente otimista da história, ensinaram-me a respeitar eleições. Todos tinham de respeitar eleições: os que venciam e os que perdiam. Se todos deixassem de respeitar eleições, o país andaria rapidamente diretamente para o brejo... como está acontecendo no Egito, na Ucrânia e na Tailândia (e, p’rôs que se interessem, aconteceu também nos EUA em 1860). [E aconteceu no Brasil com o Golpe MILICANALHA de 1964 (Nota da redecastorphoto)]
Por mais que eu tenha considerado corrompido todo o processo da recontagem de votos nas eleições presidenciais, do primeiro momento até a decisão da Suprema Corte no processo Bush vs. Gore, depois que a Suprema Corte se manifestou dei o caso por encerrado.
Felizmente Al Gore não exigiu que eu fosse para a praça, com meu capacete e minha balaclava de motociclista, com meu taco de beisebol, com minha garrafa de gasolina misturada com lava-louças, para derrubar o governo Bush. (Mas, sim, sim: compreendo que milhões de pessoas atacadas, feridas e mortas pelo governo terrorista de Bush, a começar pelo povo do Iraque, pensem diferente de mim.) Alguns anos depois, os Democratas afinal chegaram à presidência. Assim, os Democratas tiveram oportunidade legal e legítima para foder tudo & todos à sua própria maneira personalizada. E a tentação de gerar tumultos de ruas e putsches para derrubar governos continua a ser obsessão com poucos adeptos dentro dos EUA.
Mas no além-mar e, no geral, fora dos EUA, a coisa é diferente.
O atual trio de putsches que estão em andamento no mundo não gerou nenhum tipo de chilique ou grunhido do tipo “temos de respeitar o processo eleitoral”: silêncio total nessa direção, tanto no governo dos EUA quanto nos “especialistas” de mídia (especialistas-midiáticos-cracia).
Na Ucrânia, a sanha dos EUA a favor do movimento antigoverno é palpável; no Egito, não queremos cutucar o exército e pôr em risco o pilar egípcio do acordo de paz com Israel; e na Tailândia, não entendo nada. Talvez os EUA só estejamos interessados em nos manter ao lado do bom exército do pessoal lá.
Resumo da ópera, acho eu, é a ideia de não há diferença alguma entre “revolução colorida” e putsch; tumultos políticos locais são sempre mais uma ferramenta a ser usada para promover e proteger interesses locais dos EUA. [(no Brasil não é diferente com a ação dos “Black Blocs” – copiados do Egito – e dos vândalos do “não vai ter Copa) Nota da redecastorphoto].
Mas sempre dão alguma munição extra à República Popular da China, que pode argumentar que os EUA não têm interesse algum em democracia alguma (pode-se contra-argumentar que os EUA são REPÚBLICA, não DEMOCRACIA, distinção que 200 anos de proteção só para os ricos e ao direito de propriedade, e limites de jure e de facto contra a soberania popular, já comprovaram que não é distinção trivial) – nem em eleição alguma; os EUA só têm interesses nos próprios interesses.
26/1/2014, Peter Lee, China Matters
“Rectification of Names II: Let’s Call a Putsch a Putsch”
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
[*] Peter Lee é jornalista norte americano de origem chinesa que escreve sobre assuntos dos países do sul e leste da Ásia e a intersecção de negócios entre essa região e os EUA. Além de articulista de várias publicações anima o blog China Matters.
http://redecastorphoto.blogspot.com.br