As duas vidas de Nelson Mandela

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Mandela se encontra com o então gerente do USA, George W. Bush, na Casa Branca.

A morte de Nelson Mandela, no último dia 5 de dezembro, provocou uma avalanche de declarações, discursos, textos analíticos, ovações, homenagens, cada um exaltando as características convenientes a quem falava ou escrevia. No fim, a imensa maioria disso tudo se tratava apenas da disputa pela sua memória. Memória daquele que, a princípio, combateu de armas nas mãos um dos mais racistas e perversos regimes de segregação, o apartheid, mas que no longo período na prisão, ao final rechaçou a luta armada e promoveu a “reconciliação” que não acabou com a segregação nem promoveu mudanças verdadeiramente democráticas em seu país.

Nascido em 18 de julho de 1918, numa aldeia no interior da África do Sul, Nelson Mandela fez faculdade de direito. No início da década de 1940 conhece líderes do Congresso Nacional Africano e passa a militar em suas fileiras, chegando a dirigir a organização juvenil do CNA e posteriormente chega à direção nacional do movimento. Nessa ocasião, apesar de ser uma sociedade racista, ainda não havia sido instaurado o regime do apartheid, o que viria a ocorrer em 1948.

A direção do CNA se recusa a lançar mão da luta armada até que, em 1960, não resistindo à pressão de suas bases, e premido por sucessivos massacres de negros (notadamente o de Sharperville, no qual 69 pessoas foram assassinadas), autoriza que Mandela crie uma organização armada.

A Umkhonto we Sizwe (Lança da Nação) foi criada em 1961 e tinha Mandela como seu comandante. A essa altura, Mandela já estava na clandestinidade, tendo sido preso diversas vezes e cumprido pena. Viaja a vários países e arregimenta apoio internacional.

Em 1962 é novamente preso e, em 1964, condenado a prisão perpétua. Ficaria preso por 28 anos na prisão na Ilha Robben e em outros presídios, em relativo isolamento. A Lança da Nação prosseguiria realizando sabotagens e ataques até 1990.

Nesse período explodem rebeliões negras. Em 1976, centenas de pessoas são assassinadas na repressão de protestos em Soweto, um gueto negro na cidade de Johanesburgo. A pressão internacional contra o apartheid aumentava. A África do Sul vinha sendo cada vez mais isolada comercialmente, o que vinha conduzindo sua economia à recessão e aprofundando da miséria, principalmente entre os já pobres negros, imigrantes indianos, chineses, etc.

Em 1985, Mandela inicia, por conta própria, negociações com o governo. Fala diretamente ao ministro da justiça e ao presidente Botha. Seus companheiros pedem explicações e muitos são contrários aos termos, mas Mandela prossegue e se constitui o interlocutor perfeito do regime com o CNA. Nesse período, contrai tuberculose e passa a ser tratado de forma diferenciada, recebendo uma casa na prisão. É também conduzido a uma viagem, em carro blindado, pelo país, para que o conheça mais de vinte anos depois de ser preso.

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Época em que militava no CNA, antes da luta armada.

Em 11 de fevereiro de 1990, Mandela é solto e passa a proferir discursos conciliadores, apesar de manter a palavra de ordem de “Amandla awethu” (poder para o povo).

No discurso no funeral de Mandela, o bispo anglicano Desmond Tutu teve a pachorra de dizer que o período na prisão foi uma espécie de estágio necessário para que Mandela se livrasse do ódio e se transformasse num estadista. Na verdade, Mandela, ao capitular da luta armada, se transformou no homem capaz de evitar não só uma guerra civil, mas uma guerra revolucionária. Impediu assim que a África do Sul se transformasse profundamente, como deseja seu povo.

Seria ingenuidade analisar essa situação como um caso isolado, sui generis. Embora tenha suas particularidades, a capitulação de Mandela se inseria num movimento global do imperialismo em crise para dar sobrevida à dominação das semicolônias.

A partir do fim dos anos de 1980 passou-se aos lances finais do desabamento do social-imperialismo russo (ainda que usasse o nome de União Soviética). Vivia-se o ocaso de dezenas de regimes originados em golpes militares que depuseram presidentes eleitos e a passagem a regimes demo-liberais. E assim como os golpes, essa transição foi organizada minuciosamente pelas agências do imperialismo, principalmente ianque, de modo a assegurar a passagem pacífica da gerência dos Estados semicoloniais para mãos civis, sem que fosse desmontado o aparato repressivo, promovendo suas “negociações de paz” (as emblemáticas capitulações na América Central), reconciliações ou, em alguns casos (por pressão popular), encenando punições a personagens descartáveis desses regimes discricionários.

A libertação de Mandela, o fim oficial do apartheid e sua eleição a presidente da África do Sul se inscrevem nesse cenário e Mandela desempenhou o papel de figura de proa desse processo de traição.

Desde sua libertação, passando por seu período à frente do velho Estado semifeudal sulafricano, até a sucessão preparada por ele para um Jacob Zuma já conhecido por fazer retornar os massacres de negros (vide chacina de mineiros em greve na cidade de Marikana em 16/08/2012), nada de substancial foi feito para mudar a realidade dos pobres, negros, descendentes de imigrantes ou brancos da África do Sul. A “conciliação” preservou os privilégios dos brancos ricos e criou uma nova burguesia negra, que seguem dominando e explorando as classes populares. Seu simulacro de “Comissão da verdade e reconciliação”, não fez nada mais que dar publicidade a fatos conhecidos (como a daqui e de outros países, coincidência?) e anistiar aqueles esbirros da supremacia branca que confessassem seus crimes.

O funeral de Mandela foi um dos que mais reuniu chefes de Estados e de governos na história recente. Todos que um dia aplaudiram sua prisão, ou representantes de países que dominaram ou dominam a África do Sul, desde Obama a Desmond Tutu e o príncipe Charles, passando por dezenas de outros, se sentaram lado a lado e proferiram bobagens sobre a vida do ex-presidente sulafricano. Os cabecilhas do imperialismo tentaram fazer de Mandela um deles.

É sintomático que para seu funeral tenham viajado juntos, no mesmo avião, Dilma, Luiz Inácio, Cardoso, Collor e Sarney, os últimos gerentes vivos do velho Estado semifeudal e semicolonial brasileiro. Porque no fim da vida, Mandela acabou se parecendo mais com esses últimos, gerenciando um velho Estado semifeudal e semicolonial, carente de uma revolução democrática de novo tipo. Num tempo longínquo, Mandela se capacitou a dirigir esse processo revolucionário, mas se dobrou e se transformou em outro Mandela, que ao final fez o contrário do que um dia acreditara.

Seguramente o Mandela que foi lembrado pela população e ovacionado por todos os dias de seu funeral foi o da luta armada não só contra o apartheid, mas por democracia, pela independência da África do Sul e pelo fim da exploração. Já a sonora vaia quando Zuma se apresentou para discursar foi para o Mandela da capitulação, da “conciliação”, que manteve o país dominado e o povo (principalmente os negros) na miséria.

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