México, 19/07/2007 – Governos e funcionários de agências internacionais aplaudiram a aprovação na Organização das Nações Unidas da Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas, obtida após duas décadas de negociações. Porém, líderes indígenas e especialistas latino-americanos não viram maiores motivos para comemorar. O documento não tem caráter vinculante e foi negociado, em vários de seus trechos, ignorando os supostos beneficiários, disseram à IPS os dirigentes indígenas Manuel Castro, do Equador, e Luis Andrade, da Colômbia, bem como o ex-diretor do Instituto Indigenista Interamericano, o mexicano José del Val. Uma postura diferente foi expressa por Elmer Erazo, porta-voz da não-governamental Fundação Rigoberta Menchú, da Guatemala. Para este observador, o documento pode ser considerado um avanço somente "na medida em que os povos indígenas o utilizarem". Mas, é certo, "tampouco é para pular de alegria", admitiu à IPS.
A Declaração foi adotada na quinta-feira pela Assembléia Geral da
ONU pela maioria dos governos presentes. Os votos contra foram de Austrália,
Canadá, Estados Unidos e Nova Zelândia. O único latino-americano que se absteve
de votar a favor foi a Colômbia, junto com outros 10 países de diversas regiões.
O documento, de 12 paginas e 16 artigos, diz que os indígenas têm direito à sua
autodeterminação como povos e a exercer sua autonomia em "assuntos internos
locais". Além disso, diz que os nativos contam com o direito de não perder sua
cultura e não serem banidos de suas terras, além de exortar os Estados a
indenizá-los quando seus territórios ou recursos são usados ou danificados sem
seu consentimento.
O presidente da Bolívia, o ayumara Evo Morales, disse
estar feliz com a aprovação. "Essas normas permitirão que os direitos sejam
únicos para todos e não continuemos marginalizados", afirmou. O mandatário
boliviano convocou seus irmãos indígenas para realizarem uma cúpula mundial dias
10 e 11 de outubro deste ano para comemorar e analisar as implicações da
aprovação. Entretanto, outros acreditam não haver maiores motivos de
comemoração. "Vinte anos de debates para conseguir esta declaração e acabamos
com um instrumento declaratório que não obriga os governos a nada, isto é uma
vergonha", afirmou Castro, porta-voz da Confederação de Nacionalidades Indígenas
do Equador.
Por sua vez, Andrade, presidente da Organização Nacional
Indígena da Colômbia, afirmou que o novo instrumento "é como dizer sim, mas
não", por não ser vinculante. A seu ver, muitos governos assinaram o documento
"apenas para salvar sua responsabilidade". A respeito da posição de seu país,
que se absteve de votar a favor da Declaração, disse que essa atitude
"demonstrou que se trata de uma administração que ameaça os direitos dos
indígenas e que é seu inimigo".
Del Val disse que o documento deve ser
tomado "como uma referência ética e moral para os povos indígenas, mas, até aí,
nada além". "Trata-se de uma declaração não-obrigatória, muito geral, com
linguagem cheia de nuances e várias imprecisões", acrescentou o ex-diretor do
Instituto Indigenista Interamericano, atual chefe do Programa Universitário
México Nação Multicultural, da Universidade Nacional Autônoma do México. "Muitos
governo a assinaram para atender a uma questão burocrática, para livrar-se do
assunto", ressaltou.
Erazo, da fundação Menchú, grupo que trabalha em
temas indígenas sob a direção de sua líder, a guatemalteca e prêmio Nobel da Paz
Rigoberta Menchú, compartilha da idéia de que a Declaração não oferece nenhuma
garantia de cumprimento. Mas, recomendo considerá-la "como uma arma para ser
usada pelos povos". Segundo governos e autoridades da ONU, entre elas seu
secretário-geral, Ban Ki-moon, o documento é uma vitória para os 270 milhões de
indígenas do mundo. Ban considerou, inclusive, que a aprovação foi "um momento
histórico em que os Estados-membros e os povos indígenas se reconciliaram com
suas dolorosas historias".
Por sua vez, o diretor do escritório
latino-americano do Fundo das Nações Unidas para a Infância, Nils Kastberg,
afirmou que representa "o reconhecimento mais importante que a comunidade
internacional devia às crianças e adolescentes indígenas com vistas à construção
do mundo que sempre sonharam os sábios indígenas do planeta". Tais declarações
foram consideradas exageradas pelo dirigente equatoriano. "Para nós, não há um
ganho importante, se também considerarmos que nas negociações não estivemos bem
representados e que muitos indígenas nem mesmo sabem da existência deste
documento. Há várias leis e acordos que falam de nossos direitos, e esta
declaração é mais uma a caminho de ser letra morte", afirmou.
Nas
negociações da declaração participaram em diferentes momentos líderes nativos da
região, e alguns deles foram considerados pouco representativos. Também
estiveram debatendo a questão funcionários governamentais e especialistas.
"Participamos de algumas discussoes, mas é preciso dizer sinceramente que o
nível de representação da maioria de indígenas foi baixíssimo", disse o
presidente da Organização Nacional de Indígenas da Colômbia. De acordo com as
estatísticas dos governos, no continente americano haveria 38,5 milhões de
indígenas. Esse número é considerado muito baixo por alguns
especialistas.
Onde não existe discordância é no fato de os indígenas
serem o grupo social mais empobrecido da região e que concentra as maiores
desigualdades sociais em saúde, educação, moradia e alimentação. Apesar dessa
condição, os movimentos indígenas da América Latina e do Caribe derem nos
últimos anos mostras de um crescente poder de protagonismo público. Na última
década, sua atuação foi decisiva, por exemplo, na derrubada dos presidentes
Jamil Mahuad, em janeiro de 2000 no Equador, e de Gonzalo Sánchez de Lozada, em
outubro de 2003 na Bolívia. Além disso, desde o início de 2006 ocupa a
presidência da Bolívia o aymara Morales. Os indígenas latino-americanos também
traçaram novas rotas nos processos políticos e deixaram marcas em parlamentos,
ministérios e prefeituras. (IPS/Envolverde)