Adolescentes de zonas pobres do Egito são vulneráveis ao tráfico de pessoas. Foto: Cam McGrath/IPS
El Hawamdia, Egito, 7/8/2013 – Todos os verões, turistas endinheirados dos países do Golfo viajam para o Egito para escapar do abrasador calor da península arábica. Muitos alugam quartos em hotéis de luxo ou apartamentos no Cairo ou em Alexandria. Contudo, alguns outros têm propósitos mais sinistros. Muitos homens viajam com suas famílias e pessoal de serviço. Passam o dia na piscina, fazendo compras e frequentando cafés e locais de entretenimento noturno.
Em El Hawamdia, um povoado agrícola pobre 20 quilômetros ao sul do Cairo, estes homens árabes são fáceis de se identificar. Vestidos com suas reluzentes túnicas brancas, circulam pelas ruas em seus automóveis luxuosos. Quando chegam, intermediários egípcios em sandálias cercam seus veículos oferecendo apartamentos e o que mais buscam e desejam: menores de idade.
Em El Hawamdia, bem como em outras comunidades rurais pobres do Egito, todos os anos são vendidas ou alugadas milhares de meninas entre 11 e 18 anos. Os pais as entregam a homens ricos muito mais velhos do que elas mediante um acordo de casamento temporário, que pode durar de algumas horas até anos, segundo o acordo negociado.
“É uma forma de prostituição infantil disfarçada de casamento”, disse Azza el-Ashmawy, diretora da unidade de luta contra o tráfico de menores do Conselho Nacional para a Infância e a Maternidade (NCCM). “O homem paga pela menina para ficar com ela alguns dias ou todo o verão, e inclusive a leva para seu país para trabalho doméstico ou prostituição”, acrescentou. A menina regressa com sua família quando o casamento termina, e, em geral, voltam a se “casar”. Segundo el-Ashmawy, “algumas já passaram por 60 casamentos antes de completarem 18 anos. A maioria desses casamentos dura alguns dias ou semanas”.
Os acordos são selados em algum dos inúmeros escritórios de “intermediários para o matrimônio”, facilmente identificáveis pelos visíveis equipamentos de ar-condicionado em um povoado em ruínas e com serviço elétrico intermitente. Os intermediários, em geral advogados, também oferecem serviços de entrega. Para que os clientes escolham, levam as meninas até os apartamentos alugados ou aos hotéis. Os homens que viajam com suas mulheres e seus filhos costumam fazer a transação em outros lugares.
Os casamentos temporários são uma estratégia para burlar as restrições islâmicas referente às relações sexuais pré-matrimoniais. “Muitos hotéis e proprietários no Egito não alugam para casais que não sejam casados”, explicou Mohammad Fahmy, agente imobiliário do Cairo. “Um certificado de casamento, ainda que precário, permite que os homens tenham relações sexuais dentro da lei”, acrescentou.
Ter relações sexuais com menores de idade é ilegal no Egito. Os intermediários também dão assistência a esse respeito: oferecem certidões de nascimento ou substituem a carteira de identidade pela de uma irmã mais velha. Um casamento ‘mut’a”, ou de “prazer” por um dia, custa cerca de US$ 115. O dinheiro é dividido entre o intermediário e os pais da menor. Um casamento “misyar”, ou “visitante” por todo o verão, custa entre US$ 2,8 mil e US$ 10 mil. O contrato termina quando o homem regressa ao seu país.
O “dote” que estes homens árabes estão dispostos a pagar para manter relações sexuais com meninas é um poderoso imã para as famílias empobrecidas do Egito, onde um quarto da população vive com menos de US$ 2 por dia. Um estudo encomendado pelo NCCM, em que foram ouvidas cerca de duas mil famílias em três povoados próximos ao Cairo – El Hawamdia, Abu Nomros e Badrashein – concluiu que as altas quantias pagas pelos turistas árabes eram o principal motivo da grande quantidade de “casamentos de verão” nessas localidades.
Dos entrevistados, 75% disseram conhecer uma menina envolvida neste “comércio”, e a maioria acredita que o número de casamentos aumentava. O estudo, realizado em 2009, mostrou que 81% dos “maridos” eram da Arábia Saudita, 10% dos Emirados Árabes Unidos e 4% do Kuwati.
A Organização Internacional para as Migrações (OIM) também estuda esses matrimônios. “A família pega o dinheiro e o ‘marido’ estrangeiro costuma deixar a menina em duas ou três semanas”, afirmou Sandy Shinouda, da unidade contra o tráfico da OIM, com sede no Cairo. “O Estado não reconhece os casamentos não registrados e não concede direitos à menor, nem aos filhos que o casal possa ter”, acrescentou.
Shinouda, que esteve à frente de um abrigo para vítimas de tráfico de pessoas, disse que a maioria das crianças procede de famílias grandes que consideram que casar suas filhas com um homem mais velho e endinheirado é uma forma de escapar da pobreza. “A menina pode ter dez irmãos, e para a família ela é um bem”, explicou. Os pais costumam procurar um intermediário para casar sua filha quando esta chega à puberdade. Em um terço dos casos obriga-se a menor a aceitar o acordo, segundo o estudo do NCCM.
Esta prática tem um profundo impacto psicológico sobre a saúde mental da menina, observou Shinouda. “Elas sabem que as famílias as exploram e podem entender que seus pais as venderam. A reintegração é um grande desafio porque em muitos casos se devolve a menina à sua família e seus pais voltam a vendê-la”, explicou. A Lei de Infância de 2008 condena o casamento com menores de 18 anos, a idade legal para se casar. Há outra lei que proíbe o casamento com estrangeiros com os quais a diferença de idade seja superior a 25 anos. Mas estas leis não são cumpridas, reconheceu el-Ashmawy.
A evidência mostra que o tráfico de pessoas cresceu após a revolta popular do Egito em 2011, devido à deterioração da situação econômica e à falta de efetividade da polícia. “Não se trata de pobreza ou religião, mas de normas culturais que apoiam o ‘comércio’ ilegal; as pessoas acreditam ser o melhor para as meninas e as famílias grandes. E os intermediários conseguem chegar a um entendimento com as famílias para explorar as menores”, enfatizou el-Ashmawy. Envolverde/IPS