Apesar da morte de membros da Irmandade Muçulmana, a organização assegura que manterá protestos pacíficos pedindo a restituição do presidente Mohammad Morsi. Foto: Khaled Moussa al-Omrani/IPS
Cairo, Egito, 22/7/2013 – O golpe de Estado no qual as forças armadas do Egito derrubaram o presidente Mohammad Morsi levou alguns analistas a especular com a possibilidade de ocorrer neste país uma guerra civil como a vivida pela Argélia há duas décadas. Contudo, nem todos concordam com essa previsão. São muitas as comparações com a Argélia, onde, em 1992, o exército tomou o poder e cancelou as eleições nas quais os partidos islâmicos tinham possibilidades de ganhar. O fato desatou uma cruel guerra civil durante uma década, entre vários grupos islâmicos e o governo apoiado pelo exército, que custou a vida de dezenas de milhares de pessoas.
Para o analista Tawfiq Ghanem, radicado no Cairo, esse cenário não é factível no Egito. “Por um lado, a corrente islâmica do Egito é muito menos extremista do que a da Argélia quando ocorreu a guerra civil”, apontou Ghanem à IPS. “A corrente islâmica do Egito, que inclui a Irmandade Muçulmana e seu aliado Al-Gamaa al-Islamiya (que renunciou à violência em 1997), é muito mais moderada do que era a argelina’, acrescentou.
“E mais: as principais facções islâmicas do Egito são consideravelmente mais disciplinadas e têm maior controle sobre seus membros do que tinha a Frente Islâmica de Salvação da Argélia”, afirmou o especialista, que também se referiu à “histórica antipatia pela violência” no Egito. O conflito argelino se caracterizou por numerosas atrocidades, como o assassinato em massa de civis em áreas distantes do país, atos atribuídos a facções dissidentes dos rebeldes islâmicos.
O governo aproveitou os incidentes para justificar sua política repressiva, embora depois surgissem provas sugerindo que ele mesmo esteve envolvido naquelas atrocidades. Ghanem não descartou a possibilidade de que “terceiros”, incluídos os serviços de inteligência estrangeiros, “possam explorar a tensão para provocar atentados terroristas e empurrar o país para um caos e uma violência maiores”.
Desde a derrubada de Morsi, no dia 3, na península do Sinai acontecem atentados quase diariamente contra instalações das forças armadas e da polícia. Neles morreram pelo menos 13 pessoas, embora seja difícil confirmar essa informações. No dia 16 deste mês, no contexto dos acordos de Camp David, de 1978, Israel permitiu que o Egito enviasse dois batalhões de infantaria adicionais para o norte do Sinai com o objetivo ostensivo de “combater o terrorismo”.
As maciças mobilizações a favor de Morsi no Cairo entram em sua terceira semana consecutiva, e a Irmandade Muçulmana reiterou sua intenção de utilizar meios de protesto estritamente pacíficos. “Seguiremos resistindo a esse golpe de Estado militar por meio de protestos pacíficos. Não responderemos às provocações”, dizia um comunicado da organização divulgado na semana passada. “Redobraremos a resistência por meio de uma pressão pacífica e utilizando todos os meios disponíveis”, acrescentava a nota.
Para avivar mais as tensões, o difuso movimento Black Bloc, declarou, no dia 16, que dispersaria pela força as manifestações favoráveis a Morsi, se os efetivos de segurança não o fizessem antes do último dia do mês sagrado muçulmano do Ramadã, 8 de agosto. O Black Bloc, um tipo de organização civil surgido na Europa, que assim se chama porque seus integrantes vestem roupas pretas para mostrar sua unidade e não serem reconhecidos, e que se opõe à corrente islâmica e está disposto a empregar meios violentos.
Segundo Gahnem, qualquer dos lados que recorrer à violência perderá a batalha pela opinião pública. “Quem for visto como o agressor perderá a simpatia da rua, além de seu futuro político no curto e médio prazos”, destacou. Já morreram dezenas de pessoas e outras centenas ficaram feridas após a derrubada de Morsi, eleito há um ano nas primeiras eleições presidenciais após o fim do regime de Hosni Mubarak (1981-2011). Os enfrentamentos ocorreram em meio a protestos em massa que, segundo algumas fontes, reuniram centenas de milhares de pessoas que reclamavam a restituição do presidente.
Entretanto, o bloqueio da mídia, que vigora, em particular para as mobilizações favoráveis a Morsi, torna difícil precisar o número de pessoas que participam das manifestações. Após a derrubada de Morsi, as novas autoridades detiveram numerosos líderes islâmicos, especialmente da Irmandade Muçulmana, à qual pertence Morsi, que permanece detido em local secreto. Seus opositores descreveram os protestos de 30 de junho, que levaram à sua remoção, como a “segunda revolução” do Egito que reflete a “vontade popular”.
Por outro lado, seus partidários consideram que foi um golpe militar contra o presidente eleito democraticamente, uma “contrarrevolução” planejada e executada por elementos ainda leais ao regime de Mubarak. É a segunda vez após a revolta de janeiro de 2011 que as forças armadas do Egito intervêm para reverter uma vitória eleitoral de partidos islâmicos. Pouco antes da eleição de Morsi, em junho de 2012, o então governante Conselho Supremo das Forças Armadas dissolveu a câmara baixa do parlamento, que tinha três quartos nas mãos de partidos islâmicos, depois que o Supremo Tribunal Constitucional do Egito considerou inconstitucional a lei que regulou as eleições parlamentares.
“Primeiro dissolvem a câmara baixa do parlamento eleita democraticamente, depois dão um golpe militar que sequestra o presidente eleito” nas urnas. “Tudo sem referência ao povo”, diz a declaração da Irmandade Muçulmana da semana passada. O ministro da Defesa, Abdel Fatah al-Sisi, nomeou Adly Mansur (presidente do Supremo Tribunal Constitucional) presidente interino por seis meses. No dia 16, Mansur designou um governo de “tecnocratas” saídos quase totalmente da oposição liberal. Por seu lado, organizações e partidos islâmicos, como a Irmandade Muçulmana, se negam a participar do processo político promovido pelas forças armadas e insistem que Morsi é o chefe de Estado legítimo do Egito. Envolverde/IPS