Lisboa, 11/09/2007 – Brasil e Moçambique, os dois países mais populosos do mundo de fala portuguesa, entendem-se diretamente e em boa sintonia. Já não é mais necessária "a ponte portuguesa" para desenvolver uma ampla cooperação oficial e empresarial. A visita ao Brasil do presidente moçambicano, Armando Guebuza, iniciada na última terça-feira, concluiu no final de semana com a assinatura de uma série de acordos relevantes para o futuro das relações entre os dois países de língua comum e uma história de vários séculos de colonização portuguesa.
Ao fazer um balanço de sua visita, Guebuza
insistiu principalmente em afirmar que "a política africana do governo do
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva revela o compromisso do Brasil para a
superação das barreiras que impedem o continente africano de alcançar os níveis
de desenvolvimento que ânsia". A título de exemplo, o mandatário visitante
lembrou que "a cooperação no setor dos biocombustíveis abre boas perspectivas
para gerar empregos e renda para muitos moçambicanos, porque temos um enorme
potencial para a produção de matéria-prima". Guebuza também destacou "o efeito
multiplicador" do acordo para o combate contra a pobreza e seus impactos para a
proteção do meio ambiente e a redução do aquecimento global devido ao efeito
estufa.
O Presidente Lula constantemente incentiva os países africanos a
produzirem biocombustíveis, argumentando que esta opção poderá provocar um
grande impacto social na África, além de reduzir as emissões de gases pelo uso
de combustíveis fósseis, responsáveis por esse problema. O Brasil também poderá
contribuir para viabilizar o potencial hidrelétrico e petrolífero de Moçambique,
aproveitando o anúncio dirigido por Maputo a empresas internacionais de que este
ano será lançado um Edital mundial para a prospecção desses combustíveis em
diversas zonas do país.
Entre os projetos de cooperação em curso Lula
citou o caso da Companhia Vale do Rio Doce, que desde 2004 opera na exploração
de carvão em Moatize, no vale do Zambeze, na província moçambicana de Tete, cujo
sucesso deverá levar a um novo ciclo de investimentos brasileiros no país
africano, especialmente nas áreas de infra-estrutura e energia. "Portugal que se
cuide. É evidente que não apenas em Moçambique, mas nos demais países africanos,
muito especialmente nos de língua portuguesa, o imenso e incansável Brasil
avança em passos gigantes", disse à IPS a professora italiana Marzia Grassi,
especialista em temas afro-portugueses da Universidade de Lisboa.
Grassi
considera isto "dentro da lógica mais elementar, porque, inexplicavelmente, por
muitos anos o Brasil leu os luso-africanos em geral através de Lisboa, apesar de
existirem acordos bilaterais de cooperação desde 1981" com Moçambique, o país da
África austral de 800 mil quilômetros quadrados e com 22 milhões de habitantes.
De fato, a visita de Guebuza é a segunda de um presidente Moçambique ao Brasil
desde que o país ficou independente de Portugal em 1975. Em 2004, o então
presidente, Joaquim Chissano, visitou o Brasil em retribuição à visita de Lula a
Maputo um ano antes.
Uma modéstia nas relações de alto nível
incompreensível para Grassi, porque, com 188 milhões de habitantes e 8,5 milhões
de quilômetros quadrados, "o Brasil é de longe o maior país de língua portuguesa
do planeta e faz parte do seleto grupo das 10 primeiras economias mundiais".
Segundo a economista e pesquisadora, "a Comunidfade de Países de Língua
Portuguesa (CPLP) tem um papel relevante nesse sentido, porque permite maior
colaboração horizontal, em todos os níveis, entre os oito países de língua
portuguesa, um universo disperso em um mundo de distancias enormes".
A
CPLP, um projeto do brasileiro José Aparecido de Oliveira, que foi ministro da
Cultura, governador do Distrito Federal e embaixador em Lisboa, reúne os 240
milhões de pessoas de língua portuguesa de Brasil, Portugal, Timor Leste,
Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe. A idéia de
José Aparecido foi defendida pelo Presidente José Sarney (1985-1990) durante
reunião de chefes de Estado dos países de língua portuguesa em novembro de 1989
em São Luis do Maranhão, mas só se concretizou com uma cúpula realizada em julho
de 1995 em Lisboa.
Durante a visita de Guebuza ao Brasil foram fechados
dois acordos, entre eles um importante protocolo de entendimento na área dos
biocombustíveis renováveis, estabelecendo-se um plano de ação que deverá ser
elaborado em 180 dias e que promove a cooperação e o intercâmbio técnico neste
setor. Nesta área, Moçambique demonstrou um grande interesse, com base na vasta
experiência do Brasil, uma potência mundial em biocombustíveis, que com este
convênio poderá ajudar o país africano, "cada vez menos capaz de enfrentar a
crescente instabilidade dos preços internacionais dos combustíveis fósseis", diz
um balanço da visita divulgado ontem pela agência de notícias portuguesa
Lusa.
O combate ao flagelo do HIV, vírus causador da aids, o abandono
escolar e a agropecuária fazem parte da lista de acordos que, segundo analistas
portugueses, darão um novo impulso ao Acordo Geral de Cooperação assinado entre
os dois países em 1981. Guebuza também acertou com Lula a construção de uma
fabrica de remédios para produzir anti-retrovirais em Maputo, projeto que
começou a amadurecer durante a visita do presidente brasileiro a Moçambique em
novembro de 2003. Eduardo Costa, diretor da Fundação Oswaldo Cruz, responsável
pela execução do projeto, disse em entrevista à agência Lusa que a unidade em
Moçambique deverá ser inaugurada no ano que vem.
Moçambique tem um índice
de presença da aids pouco acima dos 13%, com cerca de 1,6 milhão de pessoas
infectadas, segundo estimativas da organização não-governamental Rede-Aids,
dedicada a combater este flagelo nos países de língua portuguesa. No setor das
doenças sexualmente transmissíveis, as duas nações já realizaram uma série de
projetos, especialmente referentes à aids e ao HIV, que permitiu a muitos
moçambicanos infectados receber remédios doados pelo Brasil.
Além disso,
no contexto deste tipo de projeto, médicos moçambicanos receberam formação
proporcionada por especialistas brasileiros no campo do tratamento com
anti-retrovirais, uma medicação que reduz a ação do vírus HIV no organismo,
diminui a possibilidade de contágio e garante melhor qualidade de vida. Segundo
disse o Presidente Lula durante a visita de Guebuza, "estas iniciativas revelam
o compromisso do Brasil com a saúde, não apenas em Moçambique, mas em todo o
continente africano".
Em matéria de capacitação, o Brasil realiza em
Moçambique projetos para alfabetização e educação de adultos, uso de tecnologias
de informação e comunicação, e educação presencial e à distância. Na
agricultura, os dois países já cooperam no projeto Desenvolvimento e
Fortalecimento do Setor de Pesquisa Agropecuária, que conta com o auxílio de
Brasília, para a criação institucional e operacional do Instituto de Pesquisa
Agropecuária de Moçambique.
Nos novos convênios, está se concretizando um
novo acordo dedicado à cooperação técnica em cartografia do campo e registro de
propriedades agrícolas, bem como a construção de cisternas em comunidades
rurais. O setor de justiça também ficou patenteado em um protocolo entre os dois
governos, estipulando um acordo de extradição para permitir que preços
brasileiros e moçambicanos, em sua imensa maioria presos por tráfico de drogas,
cumpram as condenações em seus respectivos países.
(IPS/Envolverde)
(Envolverde/ IPS)