No último cinco de março, em Buenos Aires, foi iniciado um julgamento histórico: torturadores e responsáveis pela implementação da Operação Condor na América do Sul, com a ajuda do USA, estão sentados no banco dos reus e devem pagar pelas torturas, assassinatos e desaparecimentos forçados na Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Paraguai, Peru e Uruguai.
Os ditadores Rafael Videla e Reynalgo Bignone estão, mais uma vez, no banco dos reus
O Auditório do Tribunal Penal Federal, em Comodoro Py, Buenos Aires, é o cenário do julgamento que promete ser um dos mais importantes da história da América do Sul. O judiciário argentino estima que o julgamento durará cerca de dois anos e deve ouvir mais de 500 testemunhas, de várias nacionalidades. Até hoje, 378 torturadores foram condenados no país por crimes cometidos durante o regime militar (1976-1983).
Os processos começaram a ser julgados no último cinco de março, às 13h, e envolvem 225 assassinatos ou desaparecimentos forçados e 25 acusados. Estão divididas em quatro partes diferentes: Operação Condor I (108 vítimas), Operação Condor II (13 vítimas), Operação Condor III (35 vítimas) e Automotores Orletti II (67 vítimas).
O OPERAÇÃO CONDOR
Todas as vítimas estão relacionadas diretamente à Operação Condor, que, segundo as investigações argentinas, nasceu numa reunião realizada em 25 de novembro de 1975, em Santiago, Chile, presidida pelo chefe da polícia secreta da gerência Pinochet. Foi uma operação de coordenação repressiva dos regimes militares da América do Sul, com o apoio da CIA, que treinava os militares latino-americanos na Escola das Américas, com sede no Panamá.
A Operação Condor, segundo Stella Calloni, jornalista e pesquisadora do tema, "foi uma associação ilícita para torturar e matar". A jornalista afirma ainda que o julgamento deve lançar luz sobre a participação de alguns países como Venezuela, Peru e Colômbia, dos quais ainda se sabe pouco.
Segundo o promotor Miguel Angel Osorio, o Operação Condor foi "a verdadeira implementação de um dispositivo que não fazia mais do que reproduzir, a nível internacional, o mesmo dispositivo de aniquilamento que vigorava no interior de cada uma destas jurisdições". Outro promotor, Pablo Enrique Ouviña, afirma que "há argentinos e chilenos sequestrando e torturando juntos argentinos, uruguaios, chilenos e paraguaios".
Entre os advogados que abriram a denúncia está o conhecido criminalista argentino Raúl Zaffaroni (atualmente ministro da Corte Suprema). A tese dos advogados é a mesma que o Ministério Público Federal vem tentando utilizar no Brasil: como os corpos não apareceram, há delito permanente e, portanto, não pode haver anistia.
O julgamento investiga a atuação das forças armadas argentinas no país e no exterior. Por mais que os promotores não possam julgar ou investigar os crimes cometidos por governos de outros países, eles acabarão desvelados porque há o intuito de seguir o trajeto de cada uma das vítimas da Operação Condor que fazem parte do julgamento.
Na Argentina, a sede do Operação foi a oficina da "Automotores Orletti", que se tornou um campo de detenção e torturas, num bairro da periferia da cidade de Buenos Aires. Há relatos de que havia um retrato de Hitler no escritório de Aníbal Gordon, responsável pela administração do centro. Os militantes sequestrados na Argentina e nos países vizinhos eram levados ao local, onde eram torturados e depois trasladados a outros locais ou assassinados.
A Operação Condor também executou ações fora da América do Sul, como o assassinato, em 1976, em Washington, do ex-ministro de defesa chileno, durante o governo de Salvador Allende, e sua esposa.
OS ACUSADOS
Na causa da Operação Condor, os genocidas não estão sendo acusados de tortura nem de assassinatos, por mais que em vários casos esteja provado o transporte para a morte ou assassinatos.
São 25 acusados de associação ilícita e privação ilegal da liberdade, dentre eles Jorge Rafael Videla e Reinaldo Benito Bignone, que foram dois dos chefes máximos do regime militar argentino. Videla já cumpre duas sentenças de prisão perpétua e outra de 50 anos de reclusão. Bignone já foi condenado a uma perpétua e tem outras duas condenações de 25 e 15 anos de reclusão.
Nas três causas haviam, inicialmente, 32 acusados. Mas diante da demora em começar o julgamento, três morreram e dois ficaram fora do processo por problemas de saúde. Outro está temporariamente afastado por responder a outro julgamento em Córdoba e um outro foi recém-operado e talvez seja incorporado em breve ao julgamento. Outros 15 envolvidos no caso morreram antes do início do julgamento.
Entre os estrangeiros julgados, está o coronel uruguaio Manuel Cordero, que foi extraditado do Brasil. Cordero está sendo julgado por privação ilegal de liberdade porque a (in) justiça brasileira entendeu que a associação ilícita (na Operação Condor) estava prescrita. Em Buenos Aires, Cordero responde por outros 10 processos penais relacionados a crimes durante o terorismo de Estado.
A justiça argentina também pediu a extradição do ex-ditador peruano Francisco Morales Bermúdez, que foi negada pela justiça peruana. A justiça do Peru solicitou que o acusado fosse investigado pelo próprio país. Bermúdez é acusado de privação ilegal de liberdade e tortura de 13 peruanos detidos no Peru, em 1978, e levados para a Argentina. Os peruanos teriam passado pela Automotores Orletti antes de serem deportados.
AS VÍTIMAS
Para muitas vítimas da América do Sul, a Argentina é a única instância possível de justiça. Antes do início do julgamento, a advogada Alcira Ríos afirmou que "todas as vítimas dos países que integraram a Operação Condor vão encontrar verdade e justiça". Na porta de Comodoro Py se reuniam familiares de vítimas de uruguaios, paraguaios, chilenos, bolivianos, argentinos e peruanos.
Todas as vítimas dos casos que serão julgados, até agora, desapareceram ou foram assassinadas após 24 de março de 1976. Das 225 vítimas conhecidas até o momento, há 48 uruguaios e 21 chilenos. A maioria delas foi presa enquanto estava exilada na Argentina, já que o país foi o último a cair em mãos dos genocidas militares.
No Brasil foram presos três argentinos, no Rio de Janeiro, e levados para o Campo de Maio, em Buenos Aires.
Em Buenos Aires foram assassinados o comandante do Exército chileno, Carlos Prats, e sua esposa, enquanto estavam exilados, em maio de 1974.
Em 1976, o presidente do congresso de deputados do Uruguai, Héctor Toba, e o senador Zelmar Michelini foram sequestrados do hotel no qual viviam refugiados e depois encontrados assassinados com outros dois militantes tupamaros, numa estrada próxima ao aeroporto internacional.
O ex-presidente da Bolívia entre 1970 e 1971, general José Torres, derrocado pelo golpe militar de Banzer, vivia exilado em Buenos Aires. Em junho de 1976 foi sequestrado e assassinado.
Vários brasileiros foram vítimas da Operação Condor, presos na Argentina e no Uruguai. O ex-major Joaquim Pires Cerveira e o estudante João Batista Rita foram presos em Buenos Aires, em 1973. Cláudio Gutierrez, à época militante estudantil que havia fugido para o Uruguay e estava apoiando o movimento Tupamaro, foi preso, em 1969, em Montevideo.
DOCUMENTOS
Um dos documentos mais importantes da causa é uma compilação de setembro de 1976, de um agente especial do FBI para a embaixada do USA na Argentina. No documento, fica claro que a Operação está destinada a "reunião e intercâmbio de informações sobre 'esquerdistas', 'comunistas', ou 'marxistas' com o objetivo de eliminação de suas atividades mediante o desenvolvimento de operações conjuntas em seus respectivos territórios". A ação envolveria Chile, Argentina, Bolívia, Paraguai e Uruguai e um acordo com o Brasil para informação confidencial. Além disso, descreve três momentos: 1) intercâmbio de informação; 2) localização do investigado; 3) execução ou traslado da vítima a qualquer outro país signatário.
Outros documentos que fazem parte da causa são os chamados "Arquivos do Terror", encontrados numa delegacia do Paraguai, em 1992. São cinco toneladas de documentos que revelam as vinculações entre as forças armadas e de segurança de Argentina, Chile, Brasil, Paraguai e Uruguai.
O julgamento está sendo transmitido ao vivo, pela internet: www.cij.gov.ar