APRESENTAÇÃO

“Um pingo de chuva estourou na pedra de gelo do meu whisky. Eu lembrei de ti que sempre quer botar pingo de I em Y. Que é que há? Parece até que eu sou um livro mal escrito e que você é uma caneta cor vermelha rasurando o que não aceita nem consegue decifrar...”. Essa letra inteligente é do compositor baiano Maurício Baia que, em tempos de celebridades transando na praia, políticos recebendo propinas em Brasília e cenas de violência gratuita pela TV, grita que ainda vale a pena fazer (cu)ltura nesse país de merda, onde nossas crianças crescem vendo cadáveres nas portas de suas casas e esquecem, cada vez mais cedo, dos livros.


Mas como vivemos nesse reino de utopias, num governo onde o partido do próprio presidente usa cueca como casa de câmbio, o fato do povo não dá muito valor à sua cultura, na qual vemos políticos concedendo-se um bom aumento em cima dos seus já polpudos ganhos, enquanto professores recebem salários miseráveis e artistas fazem propaganda de bebida alcoólica num momento onde todos os médicos, pais e responsáveis lutam contra a dependência química de outros milhares – mas isso tudo parece uma coisa menos relevante e feito de matéria ainda mais ordinária.


Prefiro ficar aqui no meu quarto na companhia do poeta alemão Heinrich Heine que cunhou, no século XIX, a seguinte frase a respeito da intolerância intelectual: “Os que queimam livros acabam queimando homens”. Meu amigo Heine já alertava para a existência de um caminho natural da censura ao pensamento, que levaria à barbárie. E o que é que estamos presenciando todos os dias pela TV? O que tudo indica é que hoje os artistas, outrora seres cheios de expressão e prestígio, com raras exceções, se transformaram em palhaços a serviço de uma sociedade ignorante e consumista. 


Em matéria para a revista Veja (16/05/07) o jornalista Jerônimo Teixeira deixou bem claro a sua opinião com relação à atual cretinice literária que assola o nosso país: “As bibliotecas podem ser tanto fonte de prazer quanto de angústia. Estão lá todos os livros que você não leu, e cada lombada parece olhar em sua direção com uma censura silenciosa. Reforçando essa cobrança dos séculos, há uma pressão social sobre o leitor. Dependendo da roda que se freqüenta, pode ser embaraçoso admitir que não se leu um romance de Tolstoi ou de Machado de Assis. Mentir, nesses casos, é uma alternativa arriscada. E se você for convocado a dar uma opinião “informada” sobre um livro que nunca chegou nem a folhear?”. Professores de pré-vestibulares sabem muito bem o que é isso.  


A exigência de ler tudo de todos é, claro, uma coisa absolutamente irreal. Dessa forma, recomendo muita parcimônia ao mergulhar nas estantes das bibliotecas e/ou livrarias: a arte de “não” ler é tão importante quanto a arte de “ler direito”. Só assim é possível selecionar no meio da mediocridade que predomina o que realmente vale a pena ser lido. Ler pela metade, saltar páginas e até opinar sobre um livro que nunca se abriu é o que mais (erroneamente) impera no momento.


Porém, mesmo não gostando muito do tipo de literatura que a Lya Luft faz, tenho que dá o braço a torcer quando ela diz que “os universitários de hoje não sabem ler e também não sabem compreender um texto simples, muito menos escrever de forma coerente”. Luft, no seu texto “A educação possível” (Veja, 23/05/07), afirmou que esses novos universitários são incapazes de ter um pensamento independente e de aprender qualquer matéria. Ela, de forma admirável (coisa não muito comum entre professores que “se acham”) confessou ser de família de professores universitários, que durante dez anos foi titular de Lingüística em uma faculdade particular, mas, com o desgosto pela profissão, acabou abandonando, embora tenha também confessado gostar muito mais do contato com os alunos do que com as trocas de informações com os colegas de profissão. Concordo plenamente! Aí, nesse ponto do texto, ela descreve a sua dificuldade de se enquadrar nas chatíssimas e inócuas reuniões de departamento, com o caderno de chamada, com o currículo, com as notas encomendadas e também com o desalento – coisa que eu também detestava.


Se nos anos 70 a Luft já recebia na universidade jovens que mal conseguiam articular frases coerentes, muito menos escrevê-las, como ela mesmo citou, imagina se eu iria continuar dando aulas para esses jovens de hoje que fazem faculdades, alguns com sacrifício, mas infelizmente sem conteúdo algum. Muitos professores até podem me chamar de covarde por não querer mais nada com a educação, mas tenho muita vergonha de ter sido professor nesse país de faz-de-conta. Sou brasileiro e já desisti há muito tempo!   

 
Porém, minha contribuição nesse mar de melancolia é estritamente pessoal e solitária. Estou aqui firme e forte (fora das salas de aula) para subverter o dito normal. Vou contribuir com meus textos e minhas resenhas nessa economia que, dizem os parlamentares, está a florescer, mas a nossa cultura, caros senhores, anda mirrada, murchada e f... Não estou aqui interessado em embelezar os livros escolhidos para as minhas resenhas nem me vangloriar de alguns poucos textos que (sem nenhum patrocínio) consegui editar, mas tampouco estou aqui para capturá-los e catapultá-los em ângulos desfavoráveis, pelo contrário. Fazer uma resenha de um livro é como tirar uma foto do seu autor e depois dar um testemunho sobre a sua mortalidade e sobre a sua vulnerabilidade. Meu pecadinho discreto aqui, seja talvez, a indiscrição. Adoro contradizer e discordar de certos autores. Desnudar suas almas como os seus próprios “tabuleiros de jogos lingüísticos” (tirei essa da Calcanhotto).


Aí alguém pode dizer que devo ser um leitor ranzinza de longas datas. Pelo contrário, passei a ter um imenso gosto pela leitura só depois que terminei a faculdade de Letras (não lembro de ter lido um único livro inteiro no período do curso, aliás, nem lembro se teve algum livro trabalhado em sala). Mas eu concordo com o excelente colunista Stephen Kanitz que disse: “Se almejarmos somente a média, seremos medíocres. Se almejarmos a excelência, seremos excelentes”.
Minha graduação em Letras dava muita ênfase às teorias que descobri (um pouco mais tarde) não servirem para nada. Mas foi só assim que conheci Milton Santros, Forcault, Camilo Castelo Branco, Frei Betto, Leonardo Boff, Gilberto Freire, Patrícia Highsmith e outros. O que mais me chamou a atenção foi à escassez de conteúdo de literatura e debates. Lembro uma vez de ter sido ridicularizado pela professora de Teoria Literária e demais colegas de turma por ter dito gostar muito mais de Nelson Rodrigues e Hilda Hilst do que do Machado de Assis (aliás, ninguém nunca tinha ouvido falar da Hilst, inclusive a própria professora). Aprendi na faculdade a ter uma opinião legitimada sobre livros, mesmo sem tê-los lido. Deprimente o que aprendemos nas faculdades.
Recentemente, os fatos que ocorreram na USP representam o paradoxo em que as universidades brasileiras vivem. O espírito aberto para debates que se espera de uma comunidade acadêmica, supostamente tida como mais culta, é substituída por idéia fixas, ideológicas e corporativistas. De um lado estudantes mimados (alguns) que acham que podem tudo pelo fato de serem universitários e do outro, reitores e administradores sem um pingo de visão de mudança e amor à educação. Como é possível esperar produção cientifica de um sistema medíocre e idiotizante que se recusa a questionar e ser questionado? Desisto de ficar batendo na mesma tecla, quando o assunto é educação. Sou agora um ex-professor que nunca acreditou na catequização, mas que ainda acredita que a força dos livros pode mudar o seu sentido de mundo – contanto que você, pelo menos, se dê o trabalho de abrir um.    


Não me envergonho aqui de confessar a minha total ignorância, por exemplo, pela literatura russa. Trata-se de uma opinião para lá de discutível para quem já leu Dostoievski várias vezes, não entendeu nada e largou o livro pela metade; tentou ler novamente e dessa vez largou nas primeiras páginas; e mais tarde, meio com remorsos, leu aos pedaços e apenas folheando – mas toda opinião literária tem sua dose de capricho pessoal. Hoje os professores nas faculdades estimulam os alunos a conhecer os livros pelas críticas medonhas em revistas “especializadas”, por resumos medíocres pela internet, pelo que os amigos falam, pela posição do livro em catálogos e bibliotecas. Claro que mesmo antes de entrar na faculdade eu já sabia quem era Dostoievski. Já tinha até uma noção exata da importância do autor de Crime e Castigo, pois todo mundo carrega consigo um catálogo pessoal – mesmo que não tenha lido uma única linha.


Esse espaço aqui no O REBATE não é mais uma coluna de “literatura especializada” que tem como função minimizar o trabalho dos autores e depreciar suas obras. Trata-se de um espaço para EU EXPOR AS MINHAS IMPRESSÕES sobre alguns livros da minha estante (livros de viagem, de cozinha, de auto-ajuda, manuais, biografias, antologias, livros para organismos públicos, livros de organismos orgânicos, novelas baratas, clássicos de autores desconhecidos, de autores consagrados, de autores perturbados, de autores neuróticos... enfim, quase tudo que vale a pena ser lido – ou jogados no limbo do ostracismo), pois alguns veículos da imprensa “especializada” parecem querer tornar público que os escritores já não escrevem mais os seus livros. E como muita gente tem enviado pedidos desesperados e desesperadores para a minha caixa de mensagens para que eu cite opiniões (coisa perigosa) sobre determinados livros, então vou colocar a mão na massa ao som de Caetano: “Mas os livros que em nossa vida entraram são como a radiação de um corpo negro apontando pra a expansão do Universo, porque a frase, o conceito, o enredo, o verso (e, sem dúvida, sobretudo o verso) é o que pode lançar mundos no mundo”. Por tanto, sejam bem-vindos!


ELENILSON NASCIMENTO
escritor 

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