Atualmente cabe à escola e ao ensino um papel decisivo, pois estamos vivendo um novo século, um novo milênio, com velhos e novos desafios a serem vencidos pelos homens. Alguns estudiosos, após a queda do Muro de Berlim e o fim da União Soviética, dizem que chegou ao fim a era das ideologias, outros dizem que vivemos a era das incertezas. Assim cresce uma visão de mundo cada vez mais complexa e instável.
Em meio a crises econômicas, desemprego, conflitos étnicos e raciais, disputas por fronteiras, assistimos ao desinteresse pelas lutas políticas, como se estas não tivessem mais validade e cada vez torna-se mais comum a luta por questões individuais.
Neste contexto, o mundo contemporâneo, civilizado, não consegue resolver seus conflitos. Ao contrário, o que verificamos são seus acirramentos. No início da década de noventa do século passado, Huntington (1993) nos chamava a atenção para o que ele dizia ser o choque do futuro: os conflitos entre as civilizações, ou seja, o choque entre culturas. Nesse contexto, o de um mundo globalizado, onde haveria a crença de um intercâmbio entre as culturas, ou de uma uniformização do mundo, o que verificamos são movimentos de afirmação de valores culturais e de fortalecimento de grupos minoritários, mas baseando suas lutas em uma afirmação intolerante e excludente, em que para um existir o outro precisa ser eliminado.
Nesse sentido, uma educação que tenha como princípio a pluralidade cultural torna-se urgente. Assim, o presente estudo tem como objetivo analisar questões pertinentes ao papel da educação e aos desafios a serem por ela enfrentados, no contexto dos esgotamentos dos seus atuais pressupostos e da busca de uma alternativa mais condizente com os dilemas contemporâneos.
A necessidade de uma educação diferenciada
Estando a educação inserida nas relações sócio-culturais, não pode omitir a responsabilidade de atuar no sentido de pensar, compreender e empenhar-se no intuito de buscar um ensino voltado para práticas democráticas de respeito e tolerância às diferenças, cada vez mais postas à mostra no contexto da sociedade global, na qual a grande marca é a diversidade.
Para tanto, torna-se necessário à educação um compromisso com as diversas culturas que nos formaram e que nos formam, no sentido de tratá-las em pé de igualdade, fugindo de preconceitos e ideologias que até então consideravam algumas delas como inferiores e outras superiores. Dessa forma, o presente estudo utiliza como conceito de cultura “(...) tudo aquilo que resulta do cultivo que o ser humano faz das condições de vida que a natureza lhe oferece ou a partir dessas condições”.
A partir da análise das transformações ocorridas nas últimas décadas do século XX, que dizem respeito ao processo de revolução técnica promovido pela informática e que permitiram a possibilidade de circulação não só de mercadorias, mas também de informação e comunicação por todo o planeta, articulando culturas e civilizações, é que iremos perceber a necessidade de uma nova educação baseada no respeito à pluralidade cultural. È preciso destacar também que essas transformações, empreendidas pela técnica, no caso pela eletrônica, compreendem o processo de globalização.
Nesse contexto, categorias até então utilizadas pelas Ciências Sociais como sociedades nacionais, não mais dão conta das explicações concernentes ao mundo atual, fazendo assim surgir a idéia de uma sociedade global. Sociedade essa marcada pela complexidade e antagonismos, sendo ao mesmo tempo integradora e fragmentária, envolvida em tensões entre localismos e cosmopolitismo, determinada por todos os tipos de desigualdades .
Assim, são inúmeros os problemas a serem levantadas no contexto da globalização. Um deles reside no fato da desigualdade de condições econômicas entre as nações conduzir também a uma hegemonia cultural. Uma das perspectivas desse fenômeno foi analisada por George Ritzer apud Featherstone (1996) que alertou para o processo que ele chama de macdonaldização do mundo, ou seja, o predomínio dos princípios dos restaurantes de fast food dos E.U. A no resto do planeta.
Segundo Ritzer, esse processo não é só de racionalização econômica, mas também a disseminação de um estilo de vida: o americano. Assim, corre-se o risco de uma homogeneização da cultura, onde a língua universal é o inglês.
Porém, apesar da inegável hegemonia econômica norte-americana, não se pode mais explicar os processos globais a partir de um só centro que domine as periferias. Dessa forma, centros concorrentes como o Leste Asiático e o Japão trazem cada vez mais à luz o contraponto ao ocidente. Assim, caminha-se para a multipolaridade, tornando evidente o esgotamento do ideal civilizatório do ocidente calcado nos padrões de superioridade branca e cristã.
A partir disso, verificamos que a globalização vem colocar à mostra as diversidades existentes e a impossibilidade de uma imposição de um único projeto, uma vez que os vários atores envolvidos nas tramas da sociedade global exigem que suas vozes sejam ouvidas.
Hoje, lógico, constatamos o esgotamento desse modelo de projeto único, que se colocava com pretensões universalizantes. Era a imposição de valores e princípios ocidentais como verdades absolutas e irrefutáveis, pois eram considerados frutos da razão objetiva.
Assim, segundo Featherstone (1996), com o desequilíbrio de poder provocado pela ascensão de outros centros, localizados fora do ocidente, fica evidenciada a crise desse modelo.
De acordo com o exposto acima, verificamos cada dia mais a afirmação de concepções pós-modernas na tentativa de dar conta das profundas transformações ocorridas no âmbito da cultura. Porém, o que deve ser evidenciado é que não há uma concordância entre os vários autores a respeito do tema. Para alguns, a crise da modernidade nos faz entrar na pós-modernidade, para outros deve haver uma reconstrução da modernidade, ou uma nova modernidade.
Sendo assim, a pós-modernidade caracteriza-se pela emergência do sujeito não mais como prisioneiro de leis objetivas e impessoais, mais como ator e autor, que faz dialogar objetividade e subjetividade. Um ator que não separa sua vida pessoal de seus papéis sociais, que se insere no contexto vivido para transformá-lo. Esse sujeito não mais se encontra cindido entre razão e sensibilidade.
Uma outra questão importante reside na busca da interação perdida pelo projeto moderno. Nele, os saberes, a sociedade e outras instâncias encontravam-se fragmentadas. Nesse sentido, a “pós-modernidade tende a procurar as semelhanças, a tornar as aparências mais complexas a fim de destacar melhor as aproximações” Assim, busca-se integrar e não mais escolher entre coisas que se excluem mutuamente, afasta-se a noção de algo definido e definitivo, passa-se para a incerteza, para o aberto e, por isso, complexo.
Nesse contexto cabe à educação alertar-se para as mudanças que se processam tanto no nível acadêmico quanto no nível social, procurando adaptar-se da melhor forma aos novos desafios impostos pelas correntes transformações.
A educação multicultural
Além das já citadas transformações ocorridas no novo espaço, caracterizado como global, no qual se abre possibilidades de múltiplos encontros e confrontos culturais, a realidade latino-americana sempre foi portadora da diversidade. Nossa formação sócio-cultural deu-se pelo encontro/confronto/ dominação de três etnias: a branca, a negra e a indígena.
Porém, essa diversidade não foi levada em consideração, ou não como merecia. Os países latino-americanos ao tornarem-se independentes, na sua maioria, adotaram como modelo de civilização o europeu. Assim, o papel prioritário na nossa formação histórica foi do europeu colonizador. Depois do imigrante europeu. Indígenas e africanos foram vistos apenas como colaboradores desse processo.
Esse discurso histórico oficial, que perpassa os currículos escolares e a mentalidade do povo latino-americano, pretendeu criar a idéia de colaboração harmoniosa e ausência de conflitos na sociedade.
Então, a partir dessa perspectiva, houve a formatação de uma educação para a latinoamérica embasada nos valores universais dados pela modernidade européia, na qual a escola tinha como papel divulgar e inculcar valores unificadores, monoculturais, sustentados por verdades científicas tão dogmáticas, quanto às produzidas pela fé.
Contudo, as alterações ocorridas nas últimas décadas do século XX, no âmbito global, e até mesmos conquistas políticas no âmbito interno, levam-nos a repensar nossa educação. A quebra da crença nos paradigmas da modernidade aponta um caminho para mudanças. Além disso, a luta e resistência de diferentes grupos étnicos trouxeram uma série de direitos e garantias constitucionais ao pleno exercício das diferenças.
Nesse contexto, assistimos a busca da educação em adequar-se às novas configurações sociais. Assim, a busca de uma educação que respeite a diversidade cultural ainda merece muita discussão e preparo por parte dos educadores, apesar de não ser novidade para nós a preocupação em criar projetos educativos contra-hegemônicos.
Para avançarmos em construções mais democráticas, onde não mais sejam predominantes o pensamento masculino, branco e cristão, é urgente que a sociedade assuma o multiculturalismo, entendido aqui como: “fenômeno recente de confronto de culturas num mesmo território, possibilitado pelo processo urbano-industrial moderno”.
Os princípios de uma educação multicultural como forma de fazer frente ao mundo cada vez mais homogeneizado pela tecnologia e como forma de trazer a eqüidade para a educação, ao respeitar a cultura de origem do aluno, é de fundamental importância na atualidade. Assim deve-se procurar um equilíbrio entre o local e o universal, buscar um diálogo entre as diversas culturas para uma convivência democrática. Para isso, “reivindica a inclusão de outros legados no currículo: o africano, o árabe, o oriental, o feminino, etc.”.
Conclusão
A realidade atual é clara: não temos mais como esperar para mudar. Seja por questões econômicas, sociais, culturais ou políticas que afetam o cotidiano escolar, há urgência para que professores e o sistema busquem alternativas.
Ouve-se continuamente, em conversas, que as coisas não são como antes: a família, os hábitos, atitudes e postura dos alunos são estranhas. Deixando, às vezes, os professores meio desesperados e muitas vezes nostálgicos.
A grande questão encontra-se no fato de que apesar de saberem que tudo está mudando em uma velocidade prodigiosa, não mudam sua mentalidade e acabam freqüentemente em embates com seus alunos.
A tarefa é difícil. Quebrar velhos paradigmas, compreender processos difusos, abertos a múltiplas possibilidades parece mesmo assustador. Porém, temos que tomar o trem da história, tentar balizar seus caminhos e não simplesmente deixar que sejamos atropelados por ele.
A escola é local onde a diversidade prevalece, mas até então esta tem sido escamoteada, e continua a impor uma visão única e padrão da realidade vivida. Por isso, a escola também virou ponto de confronto. Nela, como em outros espaços e tempos, a alteridade é sinônimo de inferioridade e não de diferença.
Assim, busca-se hoje romper com essa visão intolerante e preconceituosa que mascara a realidade e procura-se na interação, no diálogo, novas formas de relação com o diferente. Forma essa, muito mais justa, democrática e enriquecedora.
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