Aspectos familiares, de mercado de trabalho e geográficos influenciam as matrículas. Foto: Marcos Santos / USP Imagens
Estudo apresentado para a conclusão do curso de graduação em Ciências Econômicas, na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEARP) da USP, analisou e comparou a desigualdade no acesso às creches entre as regiões brasileiras. E o resultado foi preocupante, segundo os pesquisadores, uma vez que, nos últimos anos, as literaturas de Economia, Neurociência e Psicologia têm encontrado cada vez mais evidências de que a primeira infância (0-3 anos) é uma idade crítica no aprendizado. Atrasos ocorridos nessa fase podem ser irrecuperáveis ou recuperáveis mediante um custo muito alto.
A pesquisa foi motivada por um relatório de 2011 do Banco Mundial, que apontava para a crescente desigualdade regional no acesso à creche no Brasil na última década. “O relatório apresentava uma boa e uma má notícia. A boa era a evolução das matrículas na pré-escola, de crianças de 4 a 6 anos). A má notícia era a que mostrava uma evolução muito tímida e com crescente desigualdade no caso das creches, de crianças de 0 a 3 anos”, afirma o autor do estudo, Gustavo Cortes, que foi orientado pelo professor da FEARP Daniel Domingues dos Santos.
Enquanto a evolução das matrículas na pré-escola indica que o acesso está se aproximando da universalidade, com tendência de diminuição na desigualdade regional, nas creches os dados mostram ampliação na desigualdade regional ao longo dos anos. Dados de 2008, por exemplo, mostram que enquanto 35% das crianças de Santa Catarina estavam matriculadas em creches, esse número era de apenas 5%, aproximadamente, no Amapá e no Acre. O que, avalia Cortes, “desenha um cenário de desigualdade crescente”.
Escolaridade e renda acentuam desigualdade
A pesquisa mostrou que três fatores influenciam os pais na decisão pelas matrículas de seus filhos em creches: familiares (renda, escolaridade dos pais, idade dos pais); de mercado de trabalho (empregabilidade e nível dos salários pagos às mulheres) e fator geográfico (grau de urbanização). Mostrou também como essas variáveis que interferem na decisão dos pais podem contribuir para mudar este cenário negativo. O pesquisador garante que se uma mãe, antes analfabeta, receber ensino fundamental, ela terá chance de matricular seu filho numa creche aumentada em aproximadamente 4%.
Outra variável, a do mercado de trabalho, mostrou-se a mais impactante nessa análise. “Pegando uma mãe que vive numa certa região e aumentando o salário predito [salário que alguém com as características e qualificações dela normalmente receberia] em R$ 50,00, a chance dela matricular seu filho na creche aumenta em quase 8%.”, exemplifica Cortes.
Para o economista, a principal mensagem do estudo é motivar o governo a olhar com mais atenção os três fatores envolvidos (familiares, mercado de trabalho e geográfico), que se mostraram importantes na análise estatística/econométrica.
“Se hoje as regiões brasileiras tivessem as mesmas características médias de mercado de trabalho [nível de salários, empregabilidade etc], a desigualdade regional de matrículas em creche cairia 87% em relação aos níveis atuais”, diz Cortes.
Ele reconhece que tal situação é impossível de se modificar em curto e médio prazos, mas afirma que se o Governo promovesse reformas que aperfeiçoassem as relações de trabalho, melhorando o ambiente do mercado, “certamente teríamos um aumento nos índices de matrícula em creches dessas regiões mais pobres”.
“Quando o mercado é dinâmico e paga mais dinheiro para a mãe trabalhar, ela matricula a criança na creche para aproveitar essas oportunidades. É uma reação em cadeia muito poderosa, na qual todos saem ganhando: a mãe, com a renda maior, e a criança, com uma educação mais adequada na primeira infância”, conclui o pesquisador, que atualmente é aluno do Programa de Doutorado (PhD) no Departamento de Economia da University of Illinois, nos Estados Unidos.
* Publicado originalmente no site Agência USP.
(Agência USP)