Um ato-debate sobre casamento civil igualitário foi realizado sábado último num hotel do centro velho de SP, reunindo porta-vozes das causas LGBT, o deputado federal Jean Wyllys, o deputado estadual Carlos Giannazi e o presidente do diretório paulistano do PSOL, Maurício Costa.
Giannazi introduziu Wyllys como o ovo da serpente (relativamente aos interesses por ela representados) que a TV Globo incubou no seu detestável reality show Big Brother Brasil: "Não sabiam quem estavam promovendo"...
Wyllys é autor da proposta de emenda constitucional que equipara o casamento homossexual ao heterossexual. [Uma bela frase que encontrei num blogue de cinema: "O casamento é um direito dos humanos, não um privilégio dos heterossexuais".]
Ele, Giannazi e Costa defenderam convincentemente a bandeira. Falaram também uns 20 representantes de coletivos e/ou expoentes LGBT.
Faltou, entretanto, quem abordasse o tema numa perspectiva histórica, remontando a análise a um marco obrigatório: 1968.
Foi quando todos os outsiders marchamos juntos, braços dados ou não, irmanados na rejeição à ditadura militar e à própria ordem burguesa que ela representava, tabus sexuais inclusos.
Sofremos terrível derrota e, nas décadas seguintes, a mágica união se desfez e cada grupo passou a perseguir seus objetivos por si, com maior ou menor êxito.
Há, sim, mais tolerância à diversidade atualmente; e também muitos objetivos ainda por conquistar.
Mas, nenhuma conquista será definitiva enquanto não mudarmos as relações de poder na sociedade.
A tortura é proibida, mas o pau canta adoidado em nossas delegacias e presídios.
Turbas lincharem cidadãos às escâncaras é impensável, mas isto ocorre amiúde na mesma Avenida Paulista que foi palco neste domingo da Parada de Orgulho LGBT.
A presença de tropas de choque num campus é aberração característica dos tempos nefandos de Hitler e Médici, mas voltou a existir na principal universidade brasileira.
Nosso país não extradita perseguidos políticos, mas tivemos de suar sangue para evitar a extradição de Cesare Battisti.
Salta aos olhos que os nostálgicos da ditadura militar e seus pupilos tramam o retrocesso, testando com seus balões de ensaio (barbárie no Pinheirinho, blitzkrieg na Cracolândia, tropas de elite nos morros cariocas...) a resistência da sociedade ao totalitarismo.
Então, é preciso termos clareza quanto ao verdadeiro inimigo.
Sofremos todos as consequências de uma ordem econômica e social alicerçada na ganância e no estímulo à diferenciação, que permanentemente coloca as pessoas umas contra as outras, em competição tão inútil quanto insana e canibalesca: o inimigo são os outros, o inferno são os outros.
E existem os que nos propomos a direcionar os frutos do trabalho humano para o bem comum, somando forças e coordenando esforços para todos termos o necessário para uma existência digna e a podermos desfrutar plenamente, em comunhão com a coletividade e em harmonia com a natureza.
A intolerância, com seus avanços e retrocessos, perdurará enquanto existir o capitalismo.
A tolerância só se consolidará irreversivelmente quando cada ser humano tiver nos outros seres humanos seus parceiros e irmãos, não mais seus adversários.
Daí a importância das tentativas que fazemos de reatar os fios da revolução, voltando a unir as tendências e vertentes que estavam juntas em 1968 e precisam juntar-se de novo para a edificação de uma sociedade na qual nunca mais viceje a cultura do ódio.
* jornalista e escritor. http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com