"Uma gravação de 21 minutos, feita pela Rádio Senado, vazou (...) [e a imprensa] teve acesso ao obituário já preparado para o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP).
Intitulado 'Reportagem especial em homenagem ao senador José Sarney', o programa relembra a trajetória do político, sempre com os verbos no passado." (notícia de O Globo)
"...li o meu obituário, que foi publicado nesta semana..." (mensagem do finado José Sarney, psicografada pelo médium Toninho da Vila Ré e veiculada pela Folha de S. Paulo).
E, AQUI, O OBITUÁRIO QUE EU REDIGI...
Depois de encerrar seu mandato presidencial como recordista brasileiro de inflação, com a imbatível marca de 84% ao MÊS, José Sarney avaliou em 1990 que não conseguiria eleger-se senador nem mesmo pelo Maranhão (onde sempre havia residido e fizera toda sua carreira política), tal a rejeição popular que seu patético governo lhe granjeara.
Então, presto! Em passe de mágica no melhor estilo dos mafuás, transferiu seu domicílio eleitoral para o Amapá, que acabava de ser promovido de território a estado.
Todo mundo fechou os olhos, ele foi vitorioso contra ninguém e continuou no Senado.
Muito tentou e jamais conseguiu distinguir-se como escritor. Seu único talento marcante era a capacidade de sobreviver a episódios que deveriam determinar seu afastamento da política e merecido ostracismo.
Assim, nos estertores da ditadura de 1964/85, após duas décadas de vantajosa conivência com atrocidades e desmandos, desligou-se do partido oficial, liderando um racha que resultou na formação do PFL (depois DEM), enquanto ele próprio se abrigava no PMDB.
Como resultado de seu contorcionismo político-ideológico, a Nova República se iniciou da pior maneira possível, tendo como chefe do governo um dos elementos mais identificados com o regime militar. E, claro, boa parte do entulho autoritário deixou de ser removida.
Da mesma forma, escapou ileso do Sarneygate, uma avalanche de denúncias irrefutáveis que deveria ter determinado não só seu afastamento da presidência do Senado, como também a cassação do seu mandato.
Só mesmo a ceifadora para nos livrar desse último coronelão da política brasileira. A estirpe não deixa nenhuma saudade.
* "Umbral, situado entre a Terra e o Céu, dolorosa região de sombras, erguida e cultivada pela mente humana, em geral rebelde e ociosa, desvairada e enfermiça." (André Luiz)
- Celso Lungaretti
- Editorial