"FOLHA". NÃO DÁ PRA NÃO VOMITAR

http://erickfigueiredo.files.wordpress.com/2009/12/bacuri.jpg
Assim um jornal do Grupo Folha coonestou a farsa com que a
repressão encobriu a execução do Bacuri, após terrível calvário.

Durante as trevas ditatoriais no Brasil, um oficial de alto escalão certa vez se queixou de que um jornal carioca estaria movendo guerra psicológica adversa contra o regime.
Motivo? É que o matutino montara uma página só com tragédias e catástrofes ocorridas no mundo inteiro, tendo no centro a notícia e foto de uma entrega de espadins aos calouros de uma academia militar.

O gorila avaliou que a imagem de fardados sorridentes, cercada de sofrimento por todos os lados, seria uma maneira subliminar de colocar os leitores contra os milicos, burlando a censura.

Nas minhas (posteriores) décadas de atuação jornalística, perceberia que, si non è vero, è bene trovato: o mero maquiavelismo é muito mais frequente na imprensa do que a mera coincidência.

Um exemplo conspícuo é a capa da Folha de S. Paulo do último domingo (21), tendo como manchete "Dilma faz defesa do estado forte e prega estabilidade" e destacando, na chamada de uma retranca secundária, que "Ministra diz ter feito no exterior treinos militares".

Gato escaldado, o jornal evita sugerir outra vez que um eventual governo de Dilma Rousseff criaria uma infinidade de novas estatais. Sua credibilidade cairá ainda mais se continuar recebendo cala-bocas irrefutáveis (vide abaixo).

Mas, não desistiu de insinuar que Dilma é uma estatizante compulsiva, ao colocar em primeiríssimo lugar um tema que, na própria notícia a que a manchete remete, só aparece na metade final:
"Dilma, porém, reafirmou a proposta de fortalecimento do Estado, citada por Lula em sua fala, quando disse à ministra: 'Isso é bom Dilma, não é ruim', ao lembrar que a oposição a acusa de ser estatizante. 'Continuaremos a valorizar o servidor e o serviço público, reconstituindo o Estado, recompondo sua capacidade de planejar, gerir e induzir o desenvolvimento do país', afirmou ela.

"Ao defender o Estado, Dilma disse que o desastre da crise econômica mundial não foi maior no Brasil porque os 'brasileiros resistiram a esse desmonte e conseguiram impedir a privatização da Petrobras, do Banco do Brasil, da Caixa Econômica ou de Furnas', momento em que foi aplaudida".
Percebe-se, claro, que Dilma escolhe cuidadosamente as palavras, para não indispor-se nem com os estatizantes encontrados em suas fileiras, nem com os devotos do deus-mercado existentes fora delas. Políticos são assim mesmo, navegam nas águas da ambiguidade.

Mas, a insistência da Folha em afixar-lhe tal etiqueta já beira o ridículo. Onde cabem pelo menos duas interpretações, trombeteia sempre aquela que maior prejuízo causará à campanha presidencial de Dilma.

Idem, a obsessão em apresentá-la como uma sanguinária ex-guerrilheira, o que verdadeiramente não foi.

Militou na resistência à ditadura de 1964/85, mas como organizadora e dirigente, não como integrante das unidades de ação armada. Por mais que tente, a direita ainda não conseguiu prova nenhuma de que Dilma haja participado pessoalmente de sequestros, expropriações, etc.

Ademais, em nações submetidas a governos despóticos, todo cidadão tem o direito de resistir à tirania, pelos meios possíveis. A partir do AI-5, o único meio possível no Brasil ficou sendo a luta armada.

Assim como nos países europeus submetidos ao jugo nazista. O que poderia fazer a Resistência Francesa, além do que fez? Entregar flores aos carrascos de Hitler?

Canso de afirmar que a ninguém ocorre, na França, apresentar os heróis e mártires da Resistência como autores de crimes comuns, embora suas ações tenham sido indiscutivelmente mais violentas do que as praticadas pelo Colina, VPR e VAR-Palmares (as organizações nas quais Dilma militou).

O jornal, entretanto, faz questão de sintonizar-se com a pregação totalitária das viúvas da ditadura.

Como se fosse um Ternuma qualquer, falseia a História para, panfletariamente, associar a Dilma uma imagem de violência. Chegou ao cúmulo de tentar envolvê-la, forçando a barra ao extremo, com um plano de sequestro que nunca saiu do papel nem era atribuição dela.

E, da mesma forma que os sites fascistas, a Folha apresenta esses episódios sem contextualização. P. ex., para quem conhece o festival de horrores desencadeado pela assinatura do AI-5, que deu sinal verde para a repressão política barbarizar e assassinar à vontade, não causa surpresa nenhuma que os movimentos de resistência pretendessem sequestrar o ministro Delfim Netto.

Como signatário do nefando ato, Delfim escolheu ser alvo das ações dos resistentes. Que, no caso, estavam longe de ser drásticas. Pretendia-se apenas trocá-lo por presos políticos que sofriam torturas terríveis nos porões da ditadura, podendo ser executados a qualquer momento.

Dilma, dignamente, jamais negou sua responsabilidade política pelo que fizeram ou planejaram as organizações em que militava.

Mas, isto é pouco para a propaganda enganosa da extrema-direita. Esta quer porque quer plantar a imagem de que Dilma apertava gatilhos e acendia pavios. Daí inundar a internet com fichas policiais falsas, como a que a Folha entusiasticamente reproduziu, num dos maiores vexames jornalísticos de seus 89 anos de história.

Agora, do enorme perfil que o jornal apresenta de Dilma, repleto de trechos mais interessantes, o que destaca na primeira página é o fato de ela ter feito um treinamento militar básico no Uruguai.

Novamente, cabe a pergunta: o que deveríamos fazer, nós que enfrentávamos os efetivos altamente treinados da repressão política e seu poder de fogo infinitamente superior? Nem aprendermos a nos defender com um mínimo de competência nós podíamos? É como sacos de pancada que o Grupo Folha nos queria?

Na verdade, sim. Tanto que, no momento dos acontecimentos, disponibilizava veículos para o DOI-Codi, enquanto lhe dava sustentação política em seus jornais.

SAMBA DO CRIOULO DOIDO JORNALÍSTICO

Antes mesmo da convenção do PT, o jornal já tratava de fornecer munição propagandística para os adversários da candidatura presidencial de Dilma Rousseff -- de forma ainda mais grosseira.

Em plena 3ª feira de carnaval, a manchete da Folha de S. Paulo foi "Para Dilma, Estado deve ser também 'empresário'", com direito ao subtítulo "Pré-candidata quer que União não só induza, mas toque obras" e a quatro parágrafos introduzindo o assunto.

Depois, no caderno Brasil, veio o restante, tendo como título "Dilma faz defesa de Estado presente e tocador de obras".

O texto da repórter Marta Salomon, da sucursal de Brasília, desde o início causa estranheza. Primeiramente, porque não se refere a uma entrevista concedida por Dilma Rousseff ao jornal, mas sim de uma que foi editada em livro, para lançamento durante o congresso petista.

Depois, porque confunde grotescamente o Estado empresário, que faz brotarem empresas estatais como cogumelos, com o Estado que cumpre sua missão de disponibilizar serviços essenciais à população. Se não, vejamos:
"...a pré-candidata ao Planalto Dilma Rousseff defendeu a presença mais forte do Estado na economia, não só para induzir investimentos mas também para tocar obras. 'O Estado terá, inexoravelmente, de reforçar seu segmento executor', disse a ministra ao apresentar proposta que chamou de 'bem-estar social à moda brasileira'.

"A presença mais forte do Estado na economia será necessária, defende Dilma, para universalizar serviços de saneamento, melhorar a segurança pública, ampliar o número de unidades de atendimento na saúde e a oferta de habitação a partir de 2011. Mais de quarta parte da população (26,6%) ainda não dispõe de serviços de esgoto, de acordo com os dados oficiais mais recentes."
Na 6ª feira (19), a Folha de S. Paulo deu a mão à palmatória, admitindo implicitamente que sua principal matéria de três dias atrás estava bem no espírito do Carnaval: era um samba do crioulo doido, só que carente do talento e espirituosidade do imortal Sérgio Porto.

O jornal publicou no Painel do Leitor a refutação de Oswaldo Buarim Jr., assessor especial da Casa Civil, sem nada contestar. Isto, em jornalismo, significa que a réplica é inquestionável e não deixou espaço para tréplica. A Folha de S. Paulo não encontrou uma única palavra para dizer, que pudesse justificar a leviandade informativa por ela cometida.

Eis, portanto, o que evidenciou-se como a verdade cabal neste episódio:
"Na entrevista (...) não há uma só linha que ampare a manchete da Folha de 16/2... O título distorce o enunciado da reportagem interna, que, por sua vez, é uma distorção da entrevista.

"Para correta informação dos leitores, reproduzimos a declaração da ministra com seu sentido completo: 'O Estado terá, inexoravelmente, que reforçar seu segmento executor, para universalizar o saneamento. Melhorar a segurança pública, a habitação, as condições de vida da população etc. Teremos que adotar novos e modernos mecanismos de gestão interna, que instituam o monitoramento, a verificação, relatórios e mecanismos adequados de controle'.

"Nada a ver com 'presença mais forte do Estado na economia', como diz a reportagem. Tudo a ver com capacitação do Estado para atender as necessidades da população de maneira eficaz.

"Também foi distorcido o sentido de outra afirmação da ministra: 'Muitos diziam que só havia um jeito de as pessoas melhorarem sua situação: através do mercado. E que, se acreditássemos nisso, no final todos seríamos salvos'. Nesse ponto da entrevista, ela se refere a programas como o Minha Casa Minha Vida, conforme está claro na continuação do raciocínio, sonegada aos leitores do jornal: 'Era simplesmente impossível fazer política de habitação, porque não se podia subsidiar. Como construir casas para a população com renda de até três salários mínimos se o custo da casa não é compatível com a renda? A equação simplesmente não fecha. O mercado jamais resolveria esse problema'.

"Nada a ver com 'presença mais forte do Estado na economia'. Tudo a ver com política de subsídios para habitação popular."
O pior é que não se trata de um erro aleatório e inofensivo, mas sim de um que sugere ao leitor a criação de empresas que possam ser instrumentalizadas politicamente de diversas maneiras, inclusive como cabides de empregos.

Era a conclusão óbvia a que os perspicazes chegariam. E foi o que um leitor mineiro da Folha deduziu, em mensagem que o jornal alegremente publicou no dia seguinte:
"Se me faltassem motivos para não votar na candidata Dilma Rousseff, a manchete de ontem já teria sido suficiente: 'Para Dilma, Estado deve ser também "empresário'.

"Não consigo deixar de imaginar a fila de petistas e peemedebistas, de inquestionável integridade, em busca de vagas na diretoria das novas estatais, com o firme propósito de promover 'bem-estar social à moda brasileira'.

"O altruísmo desse pessoal eu conheço de outros carnavais."
Cabe à sucursal de Brasília informar os leitores da Folha sobre os acontecimentos políticos, não ela própria fazer política, fornecendo armas propagandísticas para os opositores de qualquer candidatura presidencial.

O jornal continua devendo pedidos de desculpas a Dilma, sua vítima habitual, de quem publica até ficha policial falsa; e a seu público, por suas manipulações explícitas, várias delas desmascaradas.

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*  Jornalista, escritor e ex-preso político. Blogues:
http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/
http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/

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