As greves de estudantes, professores e funcionários de várias universidades e a ocupação da reitoria da USP vão chegando ao fim, da melhor maneira possível: sem mortos nem feridos e com a vitória de quem estava com a razão.
O governador paulista José Serra conseguiu minimizar as perdas, mesmo tendo cometido três erros crassos: editar decretos extremamente questionáveis sem discuti-los previamente com a comunidade acadêmica (nem sequer com os reitores das universidades estaduais, que se submeteram à vontade palaciana, mas deixaram perceber seu desagrado); estimular ou autorizar a reitora da USP a pedir à Justiça a reintegração de posse do prédio da reitoria; e determinar ou permitir o “excesso de zelo” da PM contra os grevistas que pretendiam fazer uma manifestação de protesto pacífica diante do Palácio dos Bandeirantes.
Mas, redimiu-se parcialmente ao resistir ao canto-de-sereia da direita truculenta, que queria porque queria ver o sangue jorrar na Cidade Universitária. Permitir a entrada no campus dos brutamontes responsáveis pelo massacre do Carandiru teria um efeito simbólico devastador, trazendo logo à lembrança os tempos sombrios da ditadura. Além disto, como os ocupantes da reitoria se declaravam dispostos a resistir, as conseqüências seriam imprevisíveis.
Entre a defesa de patrimônio público ou privado e a integridade física de seres humanos idealistas, não há nem o que pensar: coisas podem ser respostas, “mas, com gente é diferente” (como dizia o Vandré).
Serra também agiu bem ao recuar, corrigindo as impropriedades dos decretos polêmicos, com a desculpa de que atendia sugestões dos reitores. Em suma, não saiu incólume do episódio, mas perdeu só os anéis, depois de ter estado bem próximo de ficar sem os dedos.
Já o balanço da cobertura jornalística é bem mais negativo. Com honrosas exceções e tendo como destaque negativo a revista Veja (cada vez mais próxima do proselitismo e distante do jornalismo), a imprensa foi burguesa como nunca.
Tratou os estudantes como arruaceiros, baderneiros e vândalos, embora estes estivessem certos ao defender a autonomia universitária e tenham se organizado cuidadosamente para evitar danos às instalações.
Mancheteou que “partidos de ultra-esquerda controlam a invasão da USP”, levando os incautos a suporem que se tratariam de carbonários sinistros com os bolsos cheios de granadas -- e não, apenas, dos prosaicos PSOL e PSTU.
E defendeu incondicionalmente os decretos da discórdia, fazendo coro à versão governamental de que se limitavam a impor mais transparência na gestão dos recursos das universidades. Depois, ficou com a cara no chão quando o próprio Serra implicitamente deu razão às críticas dos estudantes e professores.
Da mesma forma, muitos antigos militantes da esquerda não fizeram jus às suas biografias. Desde Serra, que nem parecia um ex-presidente da UNE, até os muitos catedráticos que agora defendem encarniçadamente suas prerrogativas como membros da torre de marfim, esquecendo os ideais que professavam em 1968.
Nada há a estranhar em que o torturador-símbolo do Brasil, Carlos Alberto Brilhante Ustra, afirme que “o jovem, inocente útil, é usado como bucha de canhão”; trata-se da mesma cantilena reacionária dos anos de chumbo (dos quais, espiritualmente, ele nunca saiu).
Mas, foi uma terrível decepção ver a receita sugerida pelo ex-guerrilheiro Fernando Gabeira para pôr fim à ocupação da reitoria: “um processo de negociação no qual, simultaneamente, se retiram as condições de sobrevivência da invasão”. E explicitou: “Tira a luz, a água, vai tornando a situação insustentável para os estudantes. E aumentando a negociação”.
Nem mesmo os agentes da repressão da ditadura agiram assim, ao descobrirem a localização do aparelho em que Gabeira e seus companheiros mantinham seqüestrado o embaixador estadunidense Charles Burke Elbrick. Preferiram ceder, para não expor a vida do diplomata a riscos desnecessários.
* Celso Lungaretti é jornalista e escritor. Mais artigos em http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/
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