Ives
Gandra Martins é um advogado tributarista que ensina a grandes clientes
como pagarem menos, ou nenhum, imposto de renda.
Ou seja, presta relevantes serviços à causa da desigualdade social,
já que alivia os ricos das mordidas do leão, enquanto os pobres,
não contando com assessoria jurídica da mesma qualidade, acabam
se sujeitando a tributos injustos e até ilegais.
Houve tempo em que ele era atração exclusiva do jornal O
Estado de S. Paulo , eternamente alinhado com os interesses empresariais.
Agora, a Folha de S. Paulo também lhe concede espaço
de articulista. Talvez a condição de membro (de primeiro escalão,
segundo algumas fontes) do Opus Dei explique seu livre trânsito por veículos
que costumam ser concorrentes.
Pior, a Folha não lhe abre espaço na sua área específica,
mas sim para falar sobre o que desconhece e lhe falta isenção
para abordar: ditadura militar x resistência .
Seu artigo do último dia 22, Guerrilha
e redemocratização , não passa de uma síntese
da propaganda enganosa que os sites fascistas trombeteiam sobre o período
de 1964/85 e, mais especificamente, sobre a terceira versão do Programa
Nacional de Direitos Humanos.
Parece que, ao lecionar Direito na Escola de Comando
e Estado-Maior do Exército e na Escola Superior de Guerra, foi ele quem
recebeu lições dos alunos: ensinaram-lhe o Torto .
Diz que, ao resistir ao terrorismo de estado implantado pelos golpistas de
1964, "a guerrilha apenas atrasou o processo de retorno à democracia".
Justifica as atrocidades ditatoriais com a falácia de que os verdadeiros
responsáveis foram os que não se submeteram a viver debaixo das
botas, pois "ódio gera ódio, e a luta armada acaba por provocar
excessos de ambos os lados". É a velha piada do brutamontes se
queixando de haver machucado a mão ao esmurrar a cara de um fracote...
Minimiza a contribuição dos movimentos de resistência à democratização,
que, segundo ele, se deveu principalmente à atuação da
OAB e de alguns parlamentares.
Aponta Hugo Chávez como eminência parda do PNDH-3 ("o programa é uma
reprodução dos modelos constitucionais venezuelano, equatoriano
e boliviano"), o qual estaria sendo "organizado por inspiração
dos guerrilheiros pretéritos" (leia-se Paulo Vannuchi).
E insinua que a presidenciável do PT tem esqueletos no armário,
pois, se forem apurados também os excessos porventura cometidos pelos
resistentes, "isso não será bom para a candidata Dilma Rousseff".
[Se tivesse algo consistente para dizer faria acusações concretas,
ao invés de servir-se de indiretas para insuflar suspeitas, sem correr
o risco de ser acionado por calúnia e difamação.]
Caso essa visão distorcida e tendenciosa da extrema-direita, expressa
pelo Gandra Martins, tivesse a mínima relevância à luz
dos valores civilizados, seria fácil refutar tintim por tintim seu artigo
de amador que invade destrambelhadamente a seara dos profissionais.
Mas, nem ele é importante como analista político, nem os artigos
de Opinião da Folha são referencial para coisíssima
nenhuma atualmente.
O jornal da ditabranda passa a vida laçando fascistas acidentais para
escreverem textos provocativos, capazes de motivar muitas refutações.
Quer dar a impressão de que ainda é um veículo polêmico,
trepidante.
Não farei o seu jogo, pois tanto a Folha de S. Paulo quanto
o ideário que norteou o artigo de Gandra Martins só merecem de
mim o mais absoluto desprezo.
* Jornalista e escritor, mantém os blogues
http://naufrago-da-utopia.blogspot.com
http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com