Evitei alinhar-me de forma mais incisiva com o "fora Sarney!" porque, conforme expliquei, o problema não é da pessoa, mas da função. Tira-se um Renan, um Severino ou um Sarney e o substituto incidirá nas mesmíssimas práticas, quanto muito tomando um pouco de cuidado para não deixar que o peguem também com a boca na botija.
Vendeu-se aos caras-pintadas a ilusão de que, expelindo-se Collor, tudo viraria um mar de rosas. Mas, o que veio em seguida foi só o fedor habitual. E os jovens nunca mais se animaram tanto como naquele momento. O preço das desilusões é alto.
Daí minha cautela quanto ao resultado prático da destituição do Sarney; temia ensejar falsas esperanças.
Mas, claro, dava como favas contadas que Sarney cairia. Qualquer outro desfecho seria a avacalhação total.
Só que Brasília consegue sempre nos surpreender... no mau sentido. Tenho o péssimo hábito de esquecer que, como diziam os tropicalistas, aqui é o fim do mundo. Na geléia geral brasileira, a história continua terminando antes do fim.
Então, os interesses menores e vis estão prevalecendo de novo -- e grotescamente como nunca! -- sobre as demandas da coletividade.
Vi-me colhido num paradoxo. Estava certo ao dizer que nada verdadeiramente melhoraria com a degola de Sarney. Mas, errei ao subestimar a possibilidade de que o livrassem do justo castigo por tudo que fez e continua fazendo para preservar/disseminar as piores práticas da política brasileira.
Sarney pode escapar, como escapam criminosos que se beneficiam de qualquer falha processual. Um e outros ficando livres para delinquir, a convicção geral será de que não lhes terá sido feita justiça.
O ônus moral dessa impunidade é terrível. A sociedade, enojada, começa a procurar uma alternativa aos podres poderes. E pode voltar-se, como em 1964, para os salvadores errados.
No meio de tanta pequenez e de tamanha sordidez, sobressai a posição do presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto, para quem a única saída digna, agora, seria a renúncia coletiva dos senadores.
Ciente de que uma atitude dessas exigiria dos senadores uma estatura moral que nem remotamente possuem -- e que, portanto, o Britto e eu estaremos clamando no deserto --, faço minhas a sua conclusão e também suas premissas, assim expostas na nota pública que lançou:
"O Senado está em estado de calamidade institucional. A quebra de decoro parlamentar, protagonizada pelas lideranças dos principais partidos, com acusações recíprocas de espantosa gravidade e em baixo calão, configura quadro intolerável, que constrange e envergonha a nação. A democracia desmoraliza-se e corre risco.
"A crise não se resume ao presidente da casa, embora o ponha em destaque. Mas é de toda a instituição - e envolve acusados e acusadores. Dissemina-se como metástase junto às bancadas, quer na constatação de que os múltiplos delitos, diariamente denunciados pela imprensa, configuram prática habitual de quase todos; quer na presença maciça de senadores sem voto (os suplentes), a exercer representação sem legitimidade; quer na constatação de que não se busca correção ética dos desvios, mas oportunidade política de desforra e de capitalização da indignação pública.
"Diante (...) do que assistimos, a sociedade já impôs à presente representação o recall moral. O ideal seria a renúncia dos senadores".
* Jornalista e escritor, mantém os blogues:
http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/
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