Em setembro de 2006 uma iniciativa semelhante, da mesma Febraban e na mesma Bahia (ilha de Comandatuba), ganhou as páginas da imprensa. Na ocasião, Antonio de Pádua Ribeiro, corregedor nacional do CNJ - Conselho Nacional de Justiça, deu uma justificativa hilária: "Procurei, com o sacrifício do meu fim de semana, dar cumprimento ao preceito constitucional de ser o CNJ um órgão de interlocução do Judiciário com a sociedade".
Pouco original, João Oreste Dalazen, vice-presidente do Tribunal Superior do Trabalho e membro do CNJ, usou palavras semelhantes para qualificar o uso que deu a seu 21 de abril: teria sido "um sacrifício muito grande".
Sacrifício fez Tiradentes, no cativeiro e no cadafalso, não esses togados refestelados na piscina, por conta de uma entidade que representa péssimos patrões. Os bancários que ponham as barbas de molho, pois a Justiça do Trabalho ficou sob suspeição.
Trabalhando numa agência de comunicação empresarial, presenciei exatamente a mesma prática, no caso de grandes laboratórios que convidavam médicos importantes para desfrutarem do bom e do melhor.
Não era exigida nenhuma contrapartida explícita, mas, claro, os doutores sabiam muito bem o que deles se esperava. E receitavam os medicamentos do laboratório anfitrião.
Mais: incumbido de resenhar lançamentos literários em algumas revistas, eu recebia toneladas de paradidáticos medíocres que as editoras conseguiam fazer com que os professores recomendassem a cada nova temporada, em substituição a idêntico lixo adotado no ano letivo anterior.
Ou seja, há toda uma engrenagem perversa funcionando para impedir que os livros do primogênito sejam passados para os irmãos mais novos, primos, amigos, vizinhos, etc., dispensando uma nova compra, como acontecia no passado.
E, com isto, os clássicos da literatura são deixados de lado, substituídos por obras produzidas às dezenas por autores de aluguel.
Se queres um monumento, olha em torno. Capitalismo é isso: podridão globalizada.
O VERDADEIRO VILÃO - Na mesma edição da Folha, a carta de uma leitora de Maringá/PR me chamou a atenção: "Sempre que alguém falava mal dos políticos, eu pensava: ainda bem que há o Fernando Gabeira, o Eduardo Suplicy, o Osmar Dias. Agora, após saber que eles também usaram as passagens, estou me sentindo meio órfã, pois, quando elejo alguém, espero que ele faça o que é certo, e não o que todo mundo faz".
Sei que tal desencanto é compartilhado por muitos e muitos brasileiros decentes, então vou entrar neste tema em relação ao qual meu primeiro impulso foi o de guardar distância.
Não por temer que venha à tona algo a meu respeito -- acostumei-me desde cedo a viver de acordo com a moral revolucionária --, mas por respeitar o que o Gabeira foi e o que o Suplicy é.
Honestamente, acrescento que o segundo me ajudou muito quando travei uma luta dramática pela anistia política, à beira da miséria, em 2004/05. É justo que o leitor saiba disto e tire sua conclusão sobre se minha argumentação está ou não embutindo um sentimento de gratidão pessoal.
Paulo Francis estava certíssimo ao criticar, na década de 1960, a adoção por alguns setores da esquerda de uma bandeira eminentemente direitista: a moralização política.
Pois a corrupção é íntrínseca ao capitalismo. Enquanto os cidadãos forem levados a competir insana e inutilmente uns com os outros, compelidos a buscar sempre a diferenciação e o privilégio, nenhuma medida política, judicial ou policial a erradicará. Haverá sempre jeitinhos para driblar as restrições.
Quando os valores supremos da sociedade forem a igualdade, a solidariedade e a comunhão de esforços em prol do bem comum, a corrupção desaparecerá por desuso.
Então, a meta dos idealistas tem de ser a de tornar realidade a frase célebre: a ética é a estética do futuro. Não a de tentarem, em vão, remendar o capitalismo, que é amoral em essência.
Mesmo tendo uma infinidade de exemplos históricos para alertá-la de que a bandeira moralista serve mesmo é para justificar golpes de estado reacionários, a esquerda cedeu à tentação do comodismo. Utilizou-a para desmoralizar os Malufs da vida.
Poderia obter o mesmo resultado, com um pouco mais de trabalho, combatendo suas políticas; preferiu, entretanto, o caminho fácil.
O resultado aí está: atualmente são colocadas na alça de mira as pessoas, e não o sistema que gera a cultura da corrupção.
Médicos, juízes e professores, pilares da sociedade de outrora, hoje se vendem por um prato de lentilhas. Porque são intrinsecamente corruptos? Não, porque os condicionamentos sociais os estão levando a isto.
Então, é hora de pararmos de priorizar comportamentos pessoais e passarmos a centrar fogo no verdadeiro vilão: o capitalismo.
* Jornalista e escritor, mantém os blogs
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