O Diretório Nacional do PT aprovou na semana passada uma resolução política que representa, na prática, uma volta às posições defendidas pelo partido antes da eleição presidencial de 2002.
Como pano de fundo está a recessão que se aprofunda no mundo capitalista, com possibilidade de virar depressão e sem final previsível. O respeitado secretário-geral da Comunidade Iberoamericana Enrique Iglesias, p. ex., diz que a luz no fim do túnel só virá a partir de 2011.
Então, a guinada à esquerda que o PT está ensaiando pode advir de uma mudança na correlação de forças dentro do partido, com o crescimento de correntes como a Tendência Marxista, que pretende levar para o 4º Congresso petista (novembro/2009) a posição de que "é preciso romper a colaboração de classe com a burguesia e seus partidos, no governo e no Congresso, e começar a governar no interesse do povo trabalhador do campo e da cidade", mediante a implementação de um "programa operário e socialista capaz de abrir um caminho neste mundo de horror e dor que o capitalismo e sua sobrevivência impõem à maioria da humanidade".
Ou ser uma tentativa do Diretório Nacional no sentido de limitar o espaço para o crescimento de tais correntes, ao encampar algumas de suas bandeiras.
Ou, ainda, uma conveniência eleitoral, já que as bandeiras ideológicas são as mais adequadas à conjuntura em que transcorrerá a próxima eleição presidencial, assim definida na resolução política dos dirigentes petistas: "Estamos diante da maior crise econômica mundial desde a Grande Depressão originada em 1929 (...). A grave crise econômica atual, além de agravar a crise social e alimentar já antes dramática em várias partes do mundo, vem se somar à intensa crise ambiental para a qual o capitalismo não consegue dar resposta. Estamos diante de uma crise do sistema capitalista como um todo".
De qualquer forma, o Diretório Nacional do PT assumiu formalmente que "é o momento de ofensiva contra a ideologia dos senhores do capitalismo mundial".
Que passa, claro, por uma ofensiva contra o PSDB e o DEM na campanha presidencial: "A disputa que se travará em 2010 será entre dois projetos. De um lado, as forças progressistas e de esquerda, que querem dar continuidade à ação do governo Lula, reduzindo desigualdades sociais e regionais, ampliando o investimento público, fortalecendo o papel indutor e planejador do Estado, gerando empregos e distribuindo renda, fortalecendo a saúde, a previdência e o ensino público, exercendo uma política externa que fortalece a soberania e a integração continental. De outro lado, as forças neoliberais, conservadoras e de direita, que de 1990 até 2002 privatizaram, desempregaram e arrocharam o povo brasileiro, implementando em nosso país as mesmas políticas que estão na raiz da crise mundial".
Seja lá qual for o motivo (provavelmente, uma confluência dos três citados e de outros que desconhecemos), o certo é que o PT ensaia a retomada do seu projeto político da década passada, depois de surfar oportunisticamente nas ondas do neoliberalismo entre 2003 e 2008; e que, se as posições enunciadas nessa resolução política forem mantidas na campanha, a esquerda o acabará apoiando maciçamente no previsível 2º turno entre Dilma e Serra. Motivo? A alternativa é muito pior.
Ficará na nossa boca, entretanto, o gosto amargo da lembrança destes seis anos em que os bancos lucraram como nunca e o grande capital teve todos os seus interesses atendidos. Estar novamente com as posições certas não redimirá o PT da facilidade com que delas abdicou para obter o consentimento dos poderosos quando queria chegar ao Planalto.
Também soa meio ridículo este parágrafo da resolução política: "O PT se posiciona contra as propostas de flexibilização de direitos trabalhistas que estão sendo defendidas por parte do empresariado brasileiro, com apoio de setores da mídia. O PT repudia a postura de setores empresariais que lucraram muito nos últimos anos e, diante das primeiras dificuldades, recorrem às demissões como forma imediata de ajuste".
Em tese, corretíssimo. Só que Lula não tem agido com a diligência para evitar as demissões que tínhamos o direito de esperar de um ex-sindicalista alçado à Presidência da República. Se quiser tornar crível esse discurso, terá de melhorar sua performance.
Ressalvas à parte, o PT dá os passos certos para reassumir, pelo menos, a condição de mal menor -- o que não foi o caso da eleição de 2006, quando o 2º turno parecia estar sendo disputado entre irmãos siameses.
Vamos torcer para que se torne, isto sim, um bem maior. Ou seja, para que deixe de ser camaleônico e doravante mantenha sempre sua identidade, chova ou faça sol.
Era isto que esperávamos do partido formado pela esquerda que resistiu à ditadura, por sindicalistas que realmente enfrentavam o patronato e pelas alas progressistas da Igreja Católica, cujo crescimento se deu graças ao idealismo e aos esforços voluntários dos seus seguidores.
* Jornalista e escritor, mantém os blogs
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