AI-5: SAÍDA DO AZUL, ENTRADA NAS TREVAS

"Olá Celso, esperei um artigo seu sobre os 40 anos do AI-5, cadê???"

O poeta, companheiro e amigo Sérgio Ildefonso fez a cobrança por e-mail.

Respondi que havia gente demais escrevendo textos dispensáveis sobre eventos de 40 anos atrás e quase ninguém escrevendo os textos necessários para tirarmos Cesare Battisti do cárcere de hoje.

Até citei o desabafo famoso de Caetano Veloso contra a malta uivante que em 1968 tentou calar seu manifesto libertário, alinhado com a primavera de Paris: "Vocês vão sempre, sempre, matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem!".

Mas, sendo honesto com os leitores, não tomo minhas decisões com essa racionalidade toda. Sigo minhas intuições, meus humores. E, definitivamente, não estava com saco para escrever sobre o AI-5.

Tendo o Ildefonso colocado o dedo na ferida, resolvi refletir um pouco sobre meus sentimentos. O que aquele 13 de dezembro de 1968 significou, afinal, na minha vida?

Para reavivar as lembranças, recorri ao meu livro Náufrago da Utopia (Geração Editorial, 2005). Eis o registro do período:

"O Brasil, neste início de 1969, já se encontra sob a radicalização do Ato Institucional nº 5, baixado, principalmente, para dar ao regime meios de reagir com mais contundência ao desafio das organizações armadas, passando por cima de direitos humanos e garantias constitucionais.

"O pretexto foi um discurso exaltado do deputado Márcio Moreira Alves numa sessão sem muita importância da Câmara. As Forças Armadas se consideraram atingidas e o governo pediu ao Congresso Nacional a abertura de um processo visando à cassação do seu mandato. Os parlamentares negaram, temendo que o desencadeamento de uma nova caça às bruxas acabasse atingindo outros deles.

"E a resposta da ditadura foi mais uma virada de mesa.

"Com os Legislativos federal e estaduais colocados em recesso, foram impostas à Nação as novas regras do jogo: o presidente da República (escolhido por um Congresso Nacional expurgado e intimidado) passou a ter plenos poderes para cassar mandatos eletivos, suspender direitos políticos, demitir ou aposentar juízes e outros funcionários públicos, suspender o habeas-corpus em crimes contra a segurança nacional, legislar por decreto e julgar crimes políticos em tribunais militares, dentre outras medidas autoritárias.

"Júlio e seus companheiros percebem claramente que o trabalho de massas é uma temeridade nessas condições. Então, entregando o comando das redes que formaram aos pupilos mais brilhantes, começam a distanciar-se, inclusive espalhando versões conflitantes sobre o rumo que tomarão. Só os líderes substitutos sabem que eles marcham para a luta armada.

"As separações são melancólicas. Diego estava se dando muito bem com uma estudante nissei do M [o colégio MMDC, na Mooca, SP], Eremias era mais chegado a casos passageiros. Júlio, que se desinibira tanto nos últimos meses, já tem coragem para propor a uma jovem da Vila Prudente que o acompanhe 'na nova fase da luta' — para a qual, evidentemente, ela não está preparada, tanto que recusa."

Ah, bom! A ficha caiu, enfim.

Passáramos o melhor ano de nossas vidas, eu e meus companheiros secundaristas, descobrindo a luta e descobrindo-nos na luta. Aí o regime fechou e, diante da alternativa  desistir x perseverar, fizemos a opção digna... que se revelaria trágica.

Então, o AI-5 foi o divisor de águas entre o 1968 exuberante e o 1969 soturno. Entre o enfrentamento a céu aberto e o martírio nos porões. Entre a luta travada ao lado das massas despertadas e a luta que travamos sozinhos em nome das massas amedrontadas.

Meu pai ficou órfão aos 11 anos. Como era o filho mais velho, minha avó fez com que começasse a trabalhar numa fábrica escura, barulhenta e empoeirada, burlando a legislação que exigia a idade mínima de 14 anos.

Passou o resto da vida lamentando a responsabilidade que desabou cedo demais sobre seus ombros. Num dia, estava despreocupadamente jogando bola no campinho ao lado de sua casa. No outro, esfalfando-se oito horas seguidas para colocar o pão na mesa familiar.

O AI-5 teve o mesmo efeito sobre mim. Até então, a militância era puro deleite. De um momento para outro, tornou-se um pesadelo que me deixou em frangalhos, além de tragar alguns dos meus melhores amigos e muitos companheiros estimados.

Parafraseando a bela canção de Neil Young, foi a saída do azul e a entrada nas trevas.  


* Celso Lungaretti, 58 anos, é jornalista e escritor e ex-preso político. Outros artigos de sua autoria estão disponíveis em:
http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/
http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/

 

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