O jornal Meio & Mensagem, direcionado para profissionais de propaganda, relações-públicas e comunicação empresarial, reeditou as práticas autoritárias dos anos de chumbo, ao demitir o editor-adjunto Costábile Nicoletta por ter permitido a inclusão de uma verdade inconveniente no obituário do dono da Folha de S. Paulo, Octávio Frias Filho.
A direção do M&M (que não tem laços empresariais com o Grupo Folha) explicou ao demitido que era impróprio para uma publicação da área de negócios referir-se assim a um poderoso chefão. A solidariedade entre patrões existe.
O colaborador que escreveu a matéria, além de repetir os elogios de praxe, lembrou que Frias não era tão liberal quanto quiseram fazer crer as 1.001 celebridades que andaram dando depoimentos tão sinceros quanto as lágrimas de carpideiras, com o intuito de conquistar ou manter a simpatia do jornalão:
– O liberal Frias teve, de fato, uma história controversa em suas posições políticas. Logo ao comprar a Folha, teria feito do jornal um instrumento a serviço da conspiração golpista. Estampava manchetes sensacionalistas contra o perigo comunista e assinava editoriais contra a corrupção e a subversão. Na fase mais aguda da ditadura militar, por exemplo, a Folha da Tarde, também do grupo, divulgava a morte de terroristas em emboscadas policiais quando estes ainda estavam na prisão.
O positivo neste episódio é que a redação do M&M não aceitou resignadamente a demonstração de força patronal, como vem fazendo a maioria dos jornalistas nesta fase melancólica da imprensa brasileira. Promoveu uma greve de protesto de 24 horas e divulgou uma carta aberta protestando contra a demissão de Nicoletta, por eles qualificada de “arbitrária e repugnante”.
Segundo a equipe, o único erro cometido pelo editor-adjunto foi o de “fazer jornalismo”. Daí estar pedindo “garantias de que os princípios de independência jornalística serão respeitados e de que situações dessa gravidade não voltarão a ocorrer”.
Túnel do tempo – Durante a ditadura, a classe dominante tinha os mesmos privilégios atuais, acrescidos da intimidação exercida sobre os trabalhadores. Qualquer reivindicação era vista como coisa de subversivo. Nunca os patrões foram tão atrabiliários.
Dou um exemplo. Meu pai trabalhou 34 anos na mesma indústria, o Cotonifício Crespi, no bairro paulistano da Mooca. Pela legislação trabalhista antiga, deveria receber uma indenização bem alta quando se aposentasse ou fosse demitido.
Mal aconteceu o golpe, os donos correram a fechar a fábrica, que ia mal das pernas. Aproveitando aquele momento de apoteose patronal, com os sindicalistas acovardados e pisando em ovos, coagiram seus operários a fecharem acordo por 25%, 30% do que tinham a receber. Meu pai ainda resistiu algumas semanas, mas acabou saindo com menos da metade do que a empresa lhe devia.
Curiosamente, isso tinha um lado bom. Os funcionários passaram a identificar os patrões com a ditadura. Era tudo a mesma coisa. E isso gerou laços de solidariedade entre os colegas de trabalho que hoje não existem mais.
Se alguém cometia uma falha, o colega procurava corrigir e acobertar. Ninguém dedava ninguém, pois isso era visto como a indignidade extrema. Ninguém puxava o tapete de ninguém. Em vez de competição entre os colegas, havia a solidariedade de todos contra o patrão e as chefias que faziam o jogo patronal. Éramos nós contra eles.
Com o fim da ditadura, voltou a prevalecer a mentalidade do cada um por si e Deus por todos.
E os jornalistas, que haviam tido papel destacado nas denúncias dos crimes e abusos cometidos pelos usurpadores do poder, que golpearam duramente a ditadura em 1975 com seus protestos contra o assassinato de Vladimir Herzog e que protagonizaram um momento de grande dignidade ao paralisarem as principais redações de São Paulo em 1979, acabaram por se tornar tão medrosos e dóceis como as outras categorias.
Espero que o exemplo de dignidade e profissionalismo do pessoal do M&M inspire outras redações. Resistir é preciso. Sempre!
* jornalista e escritor