A OPERAÇÃO SATIAGRAHA PASSADA A LIMPO

O ministro Tarso Genro (Justiça) acaba de admitir que, ao conceder à Rede Globo o privilégio de registrar a prisão do banqueiro Daniel Dantas, do investidor Naji Nahas e do ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta, o delegado Protógenes Queiroz causou um “problema técnico” para a Operação Satiagraha:
- Eu sou contra qualquer tipo de espetacularização das investigações, sou contra a exposição pública das pessoas, porque as pessoas ainda não foram julgadas, e esta orientação da PF está funcionando de maneira eficaz. Houve uma exceção, a exceção da Satiagraha. E essa exceção prejudicou o andamento das investigações.
 
Segundo ele, a falha está sendo sanada pela equipe “totalmente técnica” que substituiu a (totalmente midiática?) de Protógenes:
- Todos os elementos probatórios que estão sendo construídos agora estão livres de qualquer eventual vício que tenha ocorrido na coleta de provas anterior.
 
Inquirido pelo jornal Folha de S. Paulo sobre o motivo de sua mudança de posição (antes dissera que "Protógenes fez um trabalho brilhante de natureza técnica, independentemente de ter cometido equívoco ou não"), Tarso Genro mandou sua assessoria responder que, desde então, surgiram novas informações que o levaram a reavaliar a questão.
 
Andou bem Tarso Genro ao, finalmente, dar a mão à palmatória, admitindo que a promiscuidade entre policiais e imprensa não só viola os direitos de acusados, como atrapalha as investigações.
 
Espera-se que a conduta das polícias estaduais também passe a ser mais profissional, deixando de exibir prisioneiros como troféus de caçadas.
 
E que a mídia-abutre seja impedida de interferir em dramas como o de Santo André, quando sua influência foi decisiva para o desfecho trágico do episódio.
 
O papel da imprensa é registrar os acontecimentos, não participar deles como protagonista. Ponto final.
 
O PARCEIRO DAS DIVAS E O 007 TOGADO

 
Faz muito tempo que eu disse: no episódio da Operação Santiagraha só havia bandidos, nenhum mocinho que fizesse jus aos aplausos da platéia.

Todos os detritos que vieram à tona nas últimas semanas (ou foram espalhados pelo ventilador, como vocês preferirem...) só reforçaram minha convicção.

Numa iniciativa flagrantemente motivada por choques de interesses escusos (relativos a grandes negociatas), o diretor da Abin e uma ala minoritária da Polícia Federal articularam uma operação abusiva e arbitrária contra outro vilão, um banqueiro crapuloso.

Esteve a apoiá-los um juiz que, ou tem também envolvimentos inconfessáveis, ou se vê como um personagem cinematográfico com licença para expedir mandados de prisão em série (algo assim como a  licença para matar  de James Bond). Um 007 togado, enfim...

Chocaram-se com o presidente do STF, que inspira as piores suspeitas e uma certeza: a de que, falando pelos cotovelos para atrair holofotes, comporta-se de forma a mais incompatível com a dignidade de sua posição.

Nenhum cidadão decente e sensato tomaria partido pelas pessoas e instituições emaranhadas nesse ninho de cobras.

Daí a minha postura de defender unicamente princípios, como o de que devem ser respeitados os habeas corpus concedidos por quem de direito (ainda que equivocados), pois a alternativa é muito pior: tiras brincando de gato e rato com a Justiça, como já fizeram em outros tempos, quando escondiam presos e os transferiam de uma unidade para outra, a fim de que os habeas corpus nunca os alcançassem.

Também me coloco visceralmente contra a bisbilhotice desenfreada, a violação generalizada e aberrante do sigilo telefônico por parte dos repulsivos arapongas.

E, claro, prego o respeito à Constituição, com todas as suas imperfeições, pois aqui também a alternativa è muito pior: o desprezo pelos direitos individuais, desembocando no estado totalitário.

Então, fiquei simplesmente pasmo ao ler as últimas declarações do 007 togado:

"A Constituição não é mais importante que o povo, os sentimentos e as aspirações do Brasil. É um modelo, nada mais que isso, contém um resumo das nossas idéias. Não é possível inverter e transformar o povo em modelo e a Constituição em representado.

"A Constituição tem o seu valor naquele documento, que não passa de um documento; nós somos os valores, e não pode ser interpretado de outra forma: nós somos a Constituição."

Sempre que pseudo-iluminados se colocaram acima da Constituição, os resultados foram desastrosos; amiúde trágicos.

E um magistrado é o último cidadão a poder referir-se à Carta Magna, depreciativamente, como "um modelo, nada mais que isso", "não passa de um documento".

Quem lhe concedeu, afinal, autoridade para falar em nome do "povo, os sentimentos e as aspirações do Brasil"? Imagina-se um salvador da Pátria? E acredita poder conciliar tais delírios com os fartos benefícios que o sistema lhe concede?

Assim como seu desafeto que preside o STF, o 007 togado evidencia sua incompatibilidade com a função que desempenha.

Ambos deveriam ser conduzidos a afazares mais apropriados para seus talentos: um nos palcos, contracenando com as divas; e o outro nos arrabaldes, comandando  justiceiros.
 

* Celso Lungaretti, 58 anos, é jornalista, escritor e ex-preso político. Mantém os blogs O Rebate, em que disponibiliza textos destinados a público mais amplo; e Náufrago da Utopia, no qual comenta os últimos acontecimentos.
http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/
http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/
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