O desabafo é do escritor italiano Cesare Battisti, 53 anos, cuja extradição para a Itália foi recomendada pelo Procuradoria Geral da República brasileira. Acusado de assassinatos cometidos na década de 1970 pela organização de esquerda Proletários Armados pelo Comunismo, Battisti está condenado à prisão perpétua na Itália.
Seu julgamento, realizado sob uma legislação de emergência criada para casos de terrorismo, admitiu depoimentos de menores de idade e de pessoas com distúrbios mentais, desconsiderou as evidências gritantes da tortura policial a que foram submetidos os acusados e aceitou sem nenhuma restrição as declarações de um ex-militante que buscou os benefícios da "delação premiada", entre outras irregularidades e impropriedades.
Battisti foi condenado à revelia, pois havia fugido da prisão em 1981 e deixado a Itália. Em seu longo exílio (França, México e Brasil), escreveu mais de 15 livros e exerceu diversas profissões: jornalista, técnico de computador, porteiro, etc.
Sua extradição foi solicitada primeiramente pela Itália ao governo francês que, depois de tê-la negado em 1991, reconsiderou sua decisão em 2006. Há fundadas suspeitas de que tal guinada esteja relacionada a um acordo comercial entre os países ("Ao final me trocaram por um contrato de trem-bala entre as cidades de Lion e Turin", queixa-se o escritor).
Conseguiu escapar da França, mas o longo braço da Justiça italiana o perseguiu também no Brasil, onde está detido há 15 meses.
Battisti acreditava que nosso país manteria a postura civilizada de não extraditar condenados à pena máxima. A audiência em que ele depôs para um juiz federal, em janeiro último, reforçou seu otimismo:
- Aparentemente, tudo sucedeu da melhor maneira possível, até com o promotor colocando-se de meu lado. Eu, a defesa e todos os mais próximos não tivemos dúvidas sobre uma inevitável influência positiva sobre a Procuradoria Geral da República, que deveria em seguida pronunciar-se a respeito. Qual não foi nossa surpresa quando, um mês depois, o indefectível procurador se pronunciou a favor de minha extradição (...). Ele, o fiel da balança, nem sequer se deu ao trabalho de fundamentar e consubstanciar adequadamente o seu escabroso parecer.
Decepcionado, ele crê que esteja se repetindo o episódio francês ("caí, mais uma vez, mum jogo político sujo e cujas regras e verdadeiros objetivos desconheço") e faz um apelo aos brasileiros:
- Meus advogados reenviaram o processo à Procuradoria Geral da República, para uma segunda avaliação e posterior retorno ao Supremo Tribunal Federal. Porém, daqui em frente vamos precisar de um enorme trabalho jurídico e de sensibilização do mundo político e cultural brasileiro.
MINHA POSIÇÃO: REPÚDIO À CRUELDADE INÚTIL
Apóio a pretensão de Cesare Battisti, de permanecer (em liberdade!) no meu país. Exorto todos os brasileiros de boa vontade a cerrarem fileiras contra mais essa ignomínia que se trama em Brasília.
É a posição humanitária que sempre assumo nesses casos. Não encaro as penas de prisão ou execução sob a ótica da retaliação primitiva e rancorosa, "olho por olho, dente por dente". Vejo-as apenas como necessidade momentânea, para preservarem-se valores maiores da sociedade.
Ora, o momento do combate ao terrorismo italiano passou e o tempo das punições, também. Battisti é outro homem, neste outro tempo em que vivemos. Seria uma crueldade inútil encarcerarem-no agora, pelo resto da vida ou pelos próximos 30 anos (dispositivo da legislação brasileira que talvez acabe prevalecendo, como condicionante da extradição), o que dá no mesmo: dificilmente deixaria de morrer na prisão.
A prescrição das penas é uma das práticas mais nobres da nossa civilização.
* Celso Lungaretti, 57 anos, é jornalista e escritor. Mais artigos em http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/