O ENSINO, TERRA ARRASADA
A ditadura militar de 1964/85 intimidou reitores, diretores, alunos e professores, criando um ambiente irrespirável nas escolas.
Primeiro foram os expurgos, a caça às bruxas.
Depois que a poeira baixou, veio a fase da paranóia: quem estava em
instituições ou cursos tidos como "de esquerda", sabia ser vigiado o
tempo todo, por espiões infiltrados nas salas-de-aula. Todo cuidado era
pouco.
No entanto, até por falta de capacidade intelectual -- imaginem só, o
coronel Jarbas Passarinho era ministro da EDUCAÇÃO!!! --, os governos
militares não conseguiram implantar a filosofia educacional fascistóide
que seria condizente com sua visão de mundo. Causaram mais males no
varejo que no atacado.
Pior mesmo foi a mercantilização do ensino que veio em seguida, com a
imersão total do Brasil no capitalismo globalizado. Deixaram de
existir estudantes, no sentido real do termo. Foram substituídos por
consumidores ávidos por adquirir diplomas e outras certificações, com o
único objetivo de agregar valor a seu currículo profissional.
Nem mesmo a ditadura conseguiu suprimir a tradicional missão da
educação, de capacitar os cidadãos para refletirem sobre o mundo em que
vivem. A sociedade de consumo logrou este feito.
Agora, as escolas formam apertadores de parafusos, com uma formação
especializada que lhes permite executar mal e mal suas tarefas numa
determinada profissão -- e mais nada. Que terra arrasada!
Quando cursei a Escola de Comunicações e Artes da USP, na década de 1970, os dois primeiros anos eram de formação geral, de forma que extraíamos ensinamentos riquíssimos da sinergia com os colegas de outras vocações (jornalismo x música, p. ex.). Esse respiradouro foi fechado, com a especialização agora sendo imposta desde o primeiro dia.
Disciplinas
fundamentais para adquirirmos um conhecimento mais crítico e
globalizante foram praticamente banidas dos currículos -- começando
pela Filosofia, que nos permite estabelecer conexões entre os várias
abordagens da realidade, habituando-nos a pensar o todo, as partes e as
interações entre ambos.
E que dizer do Latim, vital para a compreensão de como os idiomas
evoluíram e se diferenciaram a partir de uma base comum?! Como é triste
ver brasileiros macaquearem sofregamente o falar estrangeiro e não
mostrarem o menor interesse na jornada evolutiva que está por trás dele!
Nossa máxima culpa -- É terrível o sentimento de culpa que minha
geração carrega, por haver se deixado dizimar na luta armada, ficando
praticamente fora de cena quando a sociedade brasileira se
reconfigurava ao longo da década de 1970 -- para pior, infinitamente
pior.
Então, os que de gênios tinham muito pouco (mas
possuíam ganância e oportunismo em excesso), puderam concretizar sem
maior resistência seu objetivo de substituir qualificação por
memorização mesmerizada, franqueando as universidades a uma legião de
zumbis do sistema.
Mas, nem tudo está perdido. Emblematicamente, desde o ano passado o
movimento estudantil vem dando sinais de vida e ensejando esperanças de
que o retrocesso, afinal, seja detido e voltemos a caminhar para a
frente. Exatamente como em 1967, quando as setembradas foram a
primeira reação marcante à imensa prostração que se abateu sobre os
idealistas após o êxito da quartelada.
Ainda há tempo para 2008 seguir a trilha de 1968. E não foi pouco já se
ter conseguido derrubar um reitor que, imbuído da imoralidade do
"enriquecei!" capitalista, emasculou o templo do saber.
Quando
um terremoto destruiu a infra-estrutura com que o Chile contava para
sediar o Mundial de Futebol de 1962, um grande dirigente esportivo
andino liderou o esforço para reerguer-se tudo em tempo recorde, tendo
proferido uma frase célebre: "porque nada tenemos, lo haremos todo".
Em matéria de educação, é mais ou menos essa a situação. Nada mais
temos, então precisamos construir tudo de novo... tendo 1968 como
referencial.
* Celso Lungaretti, 57 anos, é jornalista e escritor. Mais artigos em http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/