1968-2008: DA PRIMAVERA FLORIDA AO INVERNO DA DESESPERANÇA

O ENSINO, TERRA ARRASADA

A ditadura militar de 1964/85 intimidou reitores, diretores, alunos e professores, criando um ambiente irrespirável nas escolas.

Primeiro foram os expurgos, a caça às bruxas.

Depois que a poeira baixou, veio a fase da paranóia: quem estava em instituições ou cursos tidos como "de esquerda", sabia ser vigiado o tempo todo, por espiões infiltrados nas salas-de-aula. Todo cuidado era pouco.

No entanto, até por falta de capacidade intelectual -- imaginem só, o coronel Jarbas Passarinho era ministro da EDUCAÇÃO!!! --, os governos militares não conseguiram implantar a filosofia educacional fascistóide que seria condizente com sua visão de mundo. Causaram mais males no varejo que no atacado.

Pior mesmo foi a mercantilização do ensino que veio em seguida, com a imersão total do Brasil no capitalismo globalizado. Deixaram de existir  estudantes, no sentido real do termo. Foram substituídos por consumidores ávidos por adquirir diplomas e outras certificações, com o único objetivo de agregar valor a seu currículo profissional.

Nem mesmo a ditadura conseguiu suprimir a tradicional missão da educação, de capacitar os cidadãos para refletirem sobre o mundo em que vivem. A sociedade de consumo logrou este  feito.

Agora, as escolas formam apertadores de parafusos, com uma formação especializada que lhes permite executar mal e mal suas tarefas numa determinada profissão -- e mais nada. Que terra arrasada!

Quando cursei a Escola de Comunicações e Artes da USP, na década de 1970, os dois primeiros anos eram de formação geral, de forma que extraíamos ensinamentos riquíssimos da sinergia com os colegas de outras vocações (jornalismo x música, p. ex.). Esse respiradouro foi fechado, com a especialização agora sendo imposta desde o primeiro dia.

Disciplinas fundamentais para adquirirmos um conhecimento mais crítico e globalizante foram praticamente banidas dos currículos -- começando pela Filosofia, que nos permite estabelecer conexões entre os várias abordagens da realidade, habituando-nos a pensar o todo, as partes e as interações entre ambos.

E que dizer do Latim, vital para a compreensão de como os idiomas evoluíram e se diferenciaram a partir de uma base comum?! Como é triste ver brasileiros macaquearem sofregamente o falar estrangeiro e não mostrarem o menor interesse na jornada evolutiva que está por trás dele!
Nossa máxima culpa --  É terrível o sentimento de culpa que minha geração carrega, por haver se deixado dizimar na luta armada, ficando praticamente fora de cena quando a sociedade brasileira se reconfigurava ao longo da década de 1970 -- para pior, infinitamente pior.

Então, os que  de gênios  tinham muito pouco (mas possuíam ganância e oportunismo em excesso), puderam concretizar sem maior resistência seu  objetivo  de substituir qualificação por memorização mesmerizada, franqueando as universidades a uma legião de zumbis do sistema.
Mas, nem tudo está perdido. Emblematicamente, desde o ano passado o movimento estudantil vem dando sinais de vida e ensejando esperanças de que o retrocesso, afinal, seja detido e voltemos a caminhar para a frente. Exatamente como em 1967, quando as  setembradas  foram a primeira reação marcante à imensa prostração que se abateu sobre os idealistas após o êxito da quartelada.
Ainda há tempo para 2008 seguir a trilha de 1968. E não foi pouco já se ter conseguido derrubar um reitor que, imbuído da imoralidade do "enriquecei!" capitalista, emasculou o templo do saber.

Quando um terremoto destruiu a infra-estrutura com que o Chile contava para sediar o Mundial de Futebol de 1962, um grande dirigente esportivo andino liderou o esforço para reerguer-se tudo em tempo recorde, tendo proferido uma frase célebre: "porque nada tenemos, lo haremos todo".
Em matéria de educação, é mais ou menos essa a situação. Nada mais temos, então precisamos construir tudo de novo... tendo 1968 como referencial.


* Celso Lungaretti, 57 anos, é jornalista e escritor. Mais artigos em http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/

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