Foi um balão de ensaio ou mera trapalhada do vice-presidente José Alencar? O certo é que ele deu à rádio Bandeirantes uma declaração das mais apropriadas para o lançamento de uma campanha queremista: “O Lula tem feito muito, mas ainda falta muito por fazer. Eu digo para você, eu sou democrata. Nós não aceitamos outra coisa que não seja democracia. O Lula deseja fazer o seu sucessor. Mas eu digo para você que, se perguntarem aos brasileiros, o que os brasileiros desejam é que o Lula fique mais tempo no poder".
Ora, nada impede que os seguidores dos dois democratas apresentem uma proposta de emenda constitucional no sentido de que seja permitida outra reeleição – ou até mais, como nos clubes de futebol.
Que esta é uma aspiração inconfessa de alguns círculos palacianos, não há dúvida. Há poucos meses, p. ex., o deputado Devanir Ribeiro (PT-SP) andou articulando uma emenda que visava outorgar ao presidente autonomia para convocar plebiscitos, inclusive um sobre o terceiro mandato.
Lula disse preferir que as regras do jogo fossem respeitadas: tentaria eleger Dilma Rousseff em 2010 e a si próprio em 2014. Mas, a revelação dos maus feitos de seus arapongas pode ter tornado Dilma uma má candidata, ensejando uma mudança de planos. Afinal, quem poderia substituí-la a esta altura, depois do estrago que os escândalos recentes causaram à imagem dos demais presidenciáveis do partido?
Que Lula seria facilmente reeleito, não há dúvida. Os brasileiros têm essa carência por homens providenciais, em cujas mãos depositam humildemente seu destino. Assim foi com Getúlio Vargas, a quem preferiam ver como o pai dos pobres do que como o ditador que seguia os passos de Mussolini.
O pouco que Vargas fez – dar aos trabalhadores garantias mínimas para o exercício de suas profissões – foi muito para quem era tratado a pontapés pelas oligarquias dominantes.
Da mesma forma, Lula, ajudado por uma conjuntura favorável da economia mundial, alçou mais de 20 milhões de brasileiros das classes D e E para a C. Essa gente sofrida dos grotões e periferias é quase invisível para os formadores de opinião, mas decide eleições.
Getúlio dominou a cena política brasileira de 1930 a 1954. Só foi apeado do poder em 1945 por força das pressões externas, já que os EUA não admitiam, no seu quintal, a permanência de ditadores similares aos que haviam acabado de derrotar na Europa. Por conta disso, Vargas e Perón foram desalojados, para voltarem depois nos braços do povo. De quebra, o primeiro elegeu um poste (Eurico Gaspar Dutra) como seu sucessor, em 1945.
Deixando-se picar pela mosca azul, Lula também poderá eternizar-se no poder. Via emenda constitucional ou plebiscito, tem como legalizar seu terceiro mandato e quantos mais lhe aprouverem.
No entanto, ao aproveitar-se do apoio popular para inviabilizar a alternância de poder, estaria indo contra o próprio espírito da democracia.
Bancadas fisiológicas aprovam qualquer coisa, casuísmos não chocam ninguém no Brasil, as grandes massas lhe-são tão fiéis como o eram a Getúlio. Mas, deixar os adversários num beco-sem-saída pela via democrática nunca é uma postura sábia: implica tangê-los todos para o golpismo.
Foi assim que Vargas perdeu a vida. Torçamos para que Lula resista à tentação de dar um passo que tende a ser desastroso para si e para o País.
Os áulicos zelam mesmo é por seus próprios interesses. Há valores bem maiores em jogo.
Celso Lungaretti, 57 anos, é jornalista e escritor. Mais artigos em http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/