A ITÁLIA QUER PUNIR A OPERAÇÃO CONDOR. O BRASIL, NÃO.

“Às 18 horas do dia cinco de dezembro de 1973, meu pai
Joaquim Pires Cerveira (...) se dirigiu a um encontro com seu
companheiro de Organização (...) João Batista de Rita Pereda.

“Atropelado e seqüestrado com Pereda no centro de Buenos Aires
pela Operação Condor, foram entregues à ditadura brasileira.

“Foi assassinado em 13 de janeiro de 1974 no DOI-Codi da
Barão de Mesquita (RJ), tornando-se um desaparecido político.

“Dali para frente, a vida se resumiu na busca da verdade e dos
seus restos mortais.”

(Neusah Cerveira, jornalista, economista e geógrafa)

A Justiça italiana pediu ao governo do Brasil que colabore no interrogatório, prisão e extradição de 11 brasileiros envolvidos na Operação Condor, um esquema de colaboração informal que sete ditaduras sul-americanas mantiveram durante o período 1973/1980 para perseguir, aprisionar e atentar contra opositores que, exilados, estavam teoricamente fora do alcance de suas garras.

Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Paraguai, Peru e Uruguai foram as nações que facilitaram a atuação extraterritorial de agentes da repressão, na maioria das vezes capturando “subversivos” para serem secretamente recambiados a seus países de origem, supliciados em centros clandestinos de tortura e depois executados.

A ocultação dos cadáveres, para que não restassem indícios dos crimes cometidos, era o desfecho habitual dessas operações. Um documento secreto da Força Aérea Brasileira, datado de 1977, revela que se chegou a lançarem corpos no Rio La Prata, mas essa prática teve de ser abandonada porque estava “criando problemas para o Uruguai, como a aparição de cadáveres mutilados nas praias”, passando-se então a utilizar “fornos crematórios dos hospitais do Estado (...) para a incineração de subversivos capturados”.

Foi, enfim, uma alternativa hedionda a que as ditaduras recorreram para evitar os trâmites demorados dos processos de extradição e as garantias que o Direito internacional prescreve para os extraditados.

Um caso célebre no Brasil foi o seqüestro, em 1978, dos uruguaios Lilian Celiberti e Universindo Díaz, vindos a Porto Alegre, com seus dois filhos, para denunciar os crimes da ditadura do seu país. Os quatro foram capturados e entregues às autoridades do Uruguai. Se a revista Veja não noticiasse, dificilmente teriam sobrevivido.

Só no ano 2000 Universindo Díaz sentiu-se suficientemente seguro para relatar o ocorrido. Segundo ele, os espancamentos começaram já no apartamento em que ele foi capturado e prosseguiram na sede do DOPS: "Nos bateram brutalmente. Nos colocaram no que chamam no Brasil de 'pau-de-arara' – dependurados do teto, pelados, nos deram choques elétricos, água fria, golpes, e assim nos foram interrogando durante horas e horas. Havia uma espécie de divisão internacional de trabalho – os brasileiros golpeavam e os uruguaios nos interrogaram".

O episódio de maior repercussão internacional foi a explosão de uma bomba no carro do ex-embaixador chileno Orlando Letelier, em pleno bairro diplomático de Washington, no ano de 1978. O atentado cometido por agentes da repressão política do Chile, a Dina, resultou na morte de Letelier e de sua secretária, causando tanta indignação nos EUA que o país deixou de apoiar a ditadura andina.

ATRASO, TIMIDEZ, IMPUNIDADE – A punição dos responsáveis por esse período negro da história sul-americana está acontecendo com atraso e timidez, face à enormidade dos crimes cometidos. Muitos carrascos morreram antes de responderem por suas atrocidades. Mas, pelo menos, sinaliza para os pósteros que nem sempre as regressões à barbárie ficam impunes.

O Uruguai condenou à prisão o ex-ditador Gregório Alvarez, em cujo governo “desapareceram” 20 cidadãos uruguaios aprisionados na Argentina e repatriados ilegalmente, não aceitando sua alegação de que desconhecia a existência da Operação Condor.

A morte livrou o antigo ditador chileno Augusto Pinochet de cumprir a merecida pena de prisão pela autoria de nove seqüestros e um homicídio, mas seu ex-chefe de Inteligência Manuel Contreras não escapou: foi condenado a 15 anos de detenção por ter planejado o assassinato de Letelier e está preso.

A Argentina também está prestes a julgar o ex-ditador Rafael Videla e 16 cúmplices, por crimes contra a humanidade.

E, agora, a juíza italiana Luisanna Figliolia expediu um mandado de prisão contra 140 pessoas suspeitas de participação na Operação Condor, dentre elas 11 brasileiros, 61 argentinos, 32 uruguaios e 22 chilenos. O caso tramita desde 1999, a partir de denúncias apresentadas por parentes de 25 italianos que desapareceram sob regimes militares na América Latina.

O ministro da Justiça Tarso Genro logo descartou a extradição, por considera-la “inconstitucional”, dos acusados brasileiros. Ficou implícito que, na opinião do ministro, dificilmente eles serão punidos, embora Tarso vá tomar as providências burocráticas rotineiras.

O Exército, por sua vez, informou ao UOL que não vai se pronunciar oficialmente sobre o caso, que está sob tutela do ministério da Justiça por envolver "a soberania brasileira". Essa preocupação com a soberania aparentemente não existia quando se franqueava o território nacional para se caçarem casais inofensivos e suas crianças.

Então, para nosso opróbrio, só nos resta concordar com o procurador da República italiano Giancarlo Capaldo: "Esse processo nasceu na Itália porque os países unidos em torno da Operação Condor decidiram não abrir investigações sobre o assunto. A Itália está fazendo o possível para evitar a impunidade e para que operações como essa não voltem a acontecer”.

VÍTIMAS E ALGOZES – A nova edição do "Dossiê dos Mortos e Desaparecidos Políticos a partir de 1964", organizado pela Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, lista pelo menos seis brasileiros que desapareceram na Argentina como possíveis vítimas da Operação Condor: Francisco Tenório Cerqueira Júnior (1976), Roberto Rascardo Rodrigues (1977), Luiz Renato do Lago Faria (1980), Maria Regina Marcondes Pinto de Espinosa (1976), Sidney Fix Marques dos Santos (1976) e Walter Kenneth Nelson Fleury (1976).

Os argentinos sumidos no Brasil são Norberto Armando Habegger (1978), Lorenzo Ismael Viñas (1980), Horacio Domingo Campiglia (1980), Mónica Susana Pinus de Binstock (1980), Jose Oscar Adur (1980), Liliana Inês Goldemberg (1980) e Eduardo Gonzalo Escabosa (1980). Os casos de Viñas e Campiglia passaram a ser investigados pela Justiça italiana no final dos anos 90 porque eles tinham dupla cidadania.

O primeiro desapareceu ao cruzar a fronteira da Argentina com o Brasil, de ônibus, perto de Uruguaiana (RS), e o segundo foi seqüestrado no aeroporto do Galeão, no Rio, junto com a guerrilheira Mónica Binstock. O processo na Itália resultou, no dia 24, em ordens de captura internacional emitidas pela Justiça italiana contra pelo menos 11 militares e policiais brasileiros. Os outros casos de argentinos desaparecidos no contexto da Operação Condor são investigados pela Justiça argentina. No Brasil, não há registro de processo criminal sobre o assunto.

"Pré-Condor", outras atividades conjuntas de países sob ditadura já haviam eliminado brasileiros no exterior. Documentos liberados recentemente citam, por exemplo, uma "Operação Mercúrio", que estaria por trás do desaparecimento, em janeiro de 1974, dos guerrilheiros brasileiros João Batista Rita Pereda e Joaquim Pires Cerveira. Nessa fase pré-Condor, outros seis brasileiros desapareceram no Chile entre 1973 e 1974: Antenor Machado dos Santos (1973), Jane Vanini (1974), Luis Carlos de Almeida (1973), Nelson Souza Kohl (1973), Túlio Roberto Cardoso Quintiliano (1973) e Wânio José de Matos (1973). Outro brasileiro, Luiz Renato Pires de Almeida, desapareceu na Bolívia em outubro de 1970.

Quanto aos 11 brasileiros cujo mandado de prisão foi expedido pela Justiça italiana, a relação é a seguinte: Carlos Alberto Ponzi - ex-chefe do SNI em Porto Alegre; Agnello de Araújo Britto - ex-superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro; Antônio Bandeira - ex-comandante do 3º Exército; Henrique Domingues - ex-comandante do Estado Maior do 3º Exército; Luís Macksen de Castro Rodrigues - ex-superintendente da Polícia Federal no Rio Grande do Sul; João Leivas Job - ex-secretário de Segurança no Rio Grande do Sul; Átila Rohrsetzer - ex-diretor da Divisão Central de Informações; Marco Aurélio da Silva Reis - ex-diretor do Dops no Rio Grande do Sul; Octávio de Medeiros - ex-ministro do Serviço Nacional de Informações; Euclydes de Oliveira Figueiredo Filho - ex-diretor e comandante da Escola Superior de Guerra e irmão do ex-presidente Figueiredo; Edmundo Murgel - ex-secretário de Segurança no Rio de Janeiro.

 

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