Existem ocasiões em que não encontro nenhum acontecimento com peso suficiente para ser “o“ tema deste editorial. Fico vagando por jornais e pelos provedores, busco uma luz em notícias da véspera e nas do próprio dia, inutilmente. Então, só me resta dar uma repassada geral nas pequenas farsas e tragédias do dia-a-dia.
Circula uma enxurrada de textos, alguns explicitamente opinativos e outros que o são de maneira implícita, sobre Chávez, o caudilho da Venezuela. Preciso me beliscar para não confundi-lo com o humorista do México, que, pelo menos, é histriônico no bom sentido.
Apesar do matraqueado cantinflesco de Chávez soar caricato para quem não tem antolhos ideológicos, vale lembrar que os militares-presidentes que nos assolaram em passado recente foram todos sinistros. E, pelo andar da carruagem, não vai ser ainda desta vez que a regra terá exceção.
No fundo, Chávez repete a mesmíssima fórmula dos Vargas e Peróns de outrora. Uma combinação de métodos fascistas, retórica esquerdista e conquista do aplauso fácil dos pobres com as migalhas do assistencialismo.
Dói-me o coração ver que parte da esquerda brasileira embarca nessa canoa furada, nada tendo aprendido com as decepções do século passado.
Quanto não se têm líderes realmente comprometidos com as duas bandeiras fundamentais dos revolucionários – a liberdade e a justiça social –, é melhor arregaçar as mangas e tentar forjá-los, mesmo que no longo prazo, do que apadrinhar o candidato a ditador populista mais à mão.
Maquiavel é péssimo guru para os esquerdistas. Quem tenta utilizar personagens políticos para fins diversos do que a trajetória dos mesmos sugere, acaba, isto sim, sendo por eles utilizado em sua escalada para o poder... e depois descartado.
Então, é melhor voltarmos ao bê-a-bá: fins e meios estão em permanente interação, de forma que recorrer-se a um meio crapuloso para promover um fim nobre leva apenas ao aviltamento do próprio fim.
Outra lição preciosa vem do jornalismo: só idiotas se deixam pautar pelos adversários.
Se a imprensa burguesa – burguesa como nunca, aliás, pois está cada vez mais na mão dos bancos – exagera maliciosamente a importância geopolítica da Venezuela, não há motivo nenhum para fazermos o mesmo, com sinal trocado.
O destino da América do Sul é traçado pelo Brasil e Argentina. As outras nações decidem, quanto muito, o destino delas próprias e o de outras pequenas nações. Ponto final.
Enquanto isto, o Governo Lula tem como prioridade absoluta o caixa. Quer porque quer beneficiar-se de uma contribuição que foi vendida à cidadania como provisória – e depois de o PT ter sido, antes da chegada ao poder, o maior adversário de sua eternização.
Nunca foi tão apropriada a citação do trecho final de A Revolução dos Bichos, o libelo anti-stalinista (não anticomunista, como supõem os desinformados) de George Orwell: "As criaturas de fora olhavam de um porco para um homem, de um homem para um porco e de um porco para um homem outra vez; mas já se tornara impossível distinguir quem era homem, quem era porco".
A Assembléia Legislativa de São Paulo cogita tomar o mandato do bravo deputado Carlos Giannazi (PSOL), que organizou o evento de lançamento da Frente Parlamentar em Defesa da Comunidade Gay e agora está sendo responsabilizado pela performance de um transformista no plenário.
Terá sido a primeira? No sentido figurado, não. Em cada votação importante, há um certo número de transformistas que, após um acerto de cifras ou demarcação de áreas de influência, deixam de ser homens e viram lobisomens...
Giannazi é aquele mesmo professor que, como vereador do PT, ousou confrontar a prefeita Marta Suplicy quando esta tentou desviar verbas do magistério para outras finalidades.
Ou seja, o caso raríssimo de um político mais fiel ao seu eleitorado do que às conveniências partidárias. Merece ser apoiado. Precisa ser preservado.
Uma governadora, uma juíza e uma delegada dividem as responsabilidades por ter uma menina sido atingida nos seus mais elementares direitos quando estava sob a guarda do Estado e, depois, pela tomada de providências muito aquém da gravidade do caso.
Veio-me à lembrança uma frase pessimista de Nelson Rodrigues: “os mineiros só são solidários no câncer”.
O desabamento da arquibancada do estádio baiano é mais uma tragédia que poderia ter sido evitada, caso os responsáveis pelas tragédias evitáveis anteriores houvessem recebido punições exemplares.
Na lógica capitalista levada às últimas conseqüências, dinheiro vale mais do que vidas. Só a Justiça poderá desarmar essa equação maldita – isto, claro, se o dinheiro não valer mais do que a Justiça.
* Celso Lungaretti é jornalista e escritor. Mais artigos em http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/