Noel de Medeiros Rosa

Foi no bairro que surgiu do espírito empreendedor de João Batista Viana Drumond (Barão de Drumond), denominado Vila Izabel, em homenagem a Princesa Izabel, onde, em 11 de dezembro de 1910, nasceu no chalé 130 da Rua Teodoro da Silva, Noel Rosa, mais tarde conhecido como: O Filósofo do samba.
Primeiro filho de Manoel Garcia de Medeiros Rosa e Marta Corrêa de Azevedo. Seu nascimento foi difícil e os médicos usaram o fórceps para ajudar, originando o defeito no queixo que se acentuava à proporção que crescia. Muitas foram as tentativas de correção, mas sem sucesso.

Ganhou o apelido de Queixinho. Às vezes ficava quieto, remoendo a amargura que lhe causava o defeito, mas já revelava a ambigüidade do Noel adulto; em outros momentos falava pelos cotovelos, inventando brincadeiras e contando piadas.

Noel crescia frágil, amava a rua, a confusão dos amigos, as pipas, os piões e os balões. Era, também, artista de estribo de bonde. Menino alegre e de gênio bom. Os saraus em sua casa eram constantes. Sua mãe tocava bandolim; seu pai, violão; sua madrinha, piano; sua tia, violino. As crianças participavam, ouvindo. Foi dona Martha quem iniciou Noel na música ensinando-lhe a tocar bandolim, entretanto, ele sentia-se fascinado por qualquer instrumento, qualquer música e qualquer dança. Seu grande e único sonho era a música. Troca o bandolim pelo violão e cedo se tornou figura conhecida da boemia carioca. Entrou para a Faculdade de Medicina, mas logo o projeto de estudar mostrou-se pouco atraente diante da vida de artista, em meio ao samba e noitadas regadas à cerveja.

Integrou vários grupos musicais, entre eles o Bando de Tangarás, ao lado de Braguinha, Almirante, e Henrique Brito.

Em 1929, Noel arriscou as suas primeiras composições, "Minha Viola" e "Toada do Céu", ambas gravadas por ele mesmo. Mas foi em 1930 que o sucesso chegou, com o lançamento de "Com que roupa?", um samba bem-humorado que sobreviveu décadas e hoje é um clássico do cancioneiro brasileiro.

Revelou-se talentoso cronista do cotidiano, com uma seqüência de canções que primam pelo humor e pela veia crítica. Orestes Barbosa, exímio poeta da canção, seu parceiro em "Positivismo", o considerava o "rei das letras".

Noel teve ao mesmo tempo algumas namoradas. Casou-se com Lindaura, mas era apaixonado mesmo por Ceci, a dama do cabaré. Passou os anos travando uma batalha contra a tuberculose. A boêmia, porém, nunca deixou de ser um atrativo irresistível, que entre viagens para cidades mais altas em função do clima mais puro, sempre voltava para o samba, a bebida e o cigarro.

O samba Só Pode Ser Você nasceu exatamente de uma dessas viagens. Foi quando Ceci teve notícias que Noel não estava nada bem em Minas, preocupada rumou à casa da rua Teodoro da Silva, sendo recebida pela mãe dele que a consolou: “Graças a Deus Noel está muito bem, gordo, rosado e até sábado retornará ao Rio para no domingo cantar no Rádio”.

Regressando como previsto, recebeu as informações de que esteve a sua procura uma senhora que não conhecia. Como ela era? Indagou Noel. Bonita, bem vestida, elegante e usava chapéu. Mostrou-se satisfeita quando falei que estava bem e  logo retornaria. Noel percebeu tudo. Era Ceci. E sem demora escreveu alguns versos orientando as regras da melodia para que depois o parceiro Vadico completasse suas frases.

E no Programa Suburbano – na Rádio Guanabara, a certa altura, o locutor anunciou: Noel Rosa acaba de regressar de Belo Horizonte , e criou uma série de sambas e vai mostrar o mais recente: Ilustre Visita. O título mais tarde foi mudado para Só Pode Ser Você.

Naquela época os bairros ganhavam especial evidência com as eleições para escolha das “Rainhas”. A eleição da Rainha da Primavera, onde a vencedora foi uma linda jovem de Vila Isabel, fez com que Noel, bairrista de primeira linha, produzisse de parceria com Vadico o samba Feitiço da Vila, que recebeu primeiramente o nome de Feitiço Sem Farofa.

Feitio de Oração
Quem acha vive se perdendo
Por isso agora eu vou me defendendo
Da dor tão cruel desta saudade
Que, por infelicidade,
Meu pobre peito invade
Batuque é um privilégio
Ninguém aprende samba no colégio
Sambar é chorar de alegria
É sorrir de nostalgia
Dentro da melodia
Por isso agora lá na Penha
Vou mandar minha morena
Pra cantar com satisfação
E com harmonia
Esta triste melodia
Que é meu samba em feito de oração
O samba na realidade não vem do morro
Nem lá da cidade
E quem suportar uma paixão
Sentirá que o samba então
Nasce do coração.


Boêmio, inspirado e bem humorado. Assim foi que viveu o poeta da Vila. Certa feita, numa madrugada fria, regressava de uma seresta Benedicto Lacerda que, ao passar pela Lapa em direção a Tijuca, vê um cidadão no ponto do bonde e reconhece que é Noel. Para o carro e oferece  carona. Meio que sem jeito, entra no carro reclamando frio e pede um cigarro. Recebe o cigarro. Tá frio tem alguma bebida? Prontamente, um conhaque é servido e Benedicto abriu o diálogo: Noel, a essa hora da madrugada, com esse frio, você no ponto do bonde, fazendo o quê? E a resposta veio bem ao estilo do poeta da Vila: Estou esperando um botequim passar...

Quando foi convidado para trabalhar no programa do Ademar Case -  Rádio Phillips -  nos idos de 1932, como contra regra deveria chegar uns 10 minutos antes do início do programa. Cumprir horário não era o forte do poeta da Vila. Em tais atrasos o Casé assumia as funções para mais tarde conversar com Noel que sempre respondia com gracejos: “Desculpe, mas hoje não consegui chegar mais tarde... “ Ou ainda: “Desculpe, mas o bonde furou o pneu.”

Noel Rosa tornou-se um compositor extremamente criativo e protagonizou uma carreira vertiginosa, com mais de uma centena de composições, entre sambas e marchinhas. Foi nos anos 30 que compôs os sucessos: "Feitiço da Vila", "Filosofia", "Fita Amarela", “Pierrô Apaixonado” "Gago Apaixonado", "O x do Problema", "Palpite Infeliz", “Mentir”, “Meu Barracão” e "Pra que Mentir".  Vendeu suas músicas para outros cantores, tornando-se conhecido no rádio, pelas vozes de cantores como Araci de Almeida, Mário Reis e Francisco Alves.

Além de serem crônicas da vida carioca, as letras bem elaboradas de Noel Rosa tematizaram o amor. Noel acrescenta um precioso dado: em uma linha de um verso exprime uma vivência, uma observação fina. Por exemplo, quando compõe em Dama do Cabaré o verso "Você nela me dizia que quem é da boemia...", diz, para os que já passaram noites e mais noites a beber: pelo estilo de vida ou por vício, que é leviana, dispersa, mentirosa.

Dama do cabaré

Foi num cabaré da Lapa, que eu conheci você
Fumando cigarro, entornando champanha no seu soirée
Dançamos um samba, trocamos um tango por uma palestra
Só saímos de lá meia hora depois de descer a orquestra.
Em frente à porta um bom carro nos esperava
Mas você se despediu e foi pra casa a pé.
No outro dia lá nos Arcos eu andava
À procura da dama do cabaré
Eu não sei bem se chorei no momento em que lia
A carta que recebi, não me lembro de quem
Você nela me dizia que quem é da boemia
Usa e abusa de diplomacia, mas não gosta de ninguém.


Dezembro de 1936, aniversário de Noel, sem festejos e sem abraços chega ao dancing e  convida Ceci para uma ceia na Taberna  da Glória que prometeu chegar mais tarde. Quando apareceu, viu Noel sozinho e tentou agradá-lo dizendo: “Não esqueci  seu aniversário, só não sabia que ia aparecer”. A conversa prossegue cerimoniosa e Noel quase sempre  com respostas irônicas. Ela percebe que ele transpira e diz: Com febre e bebendo cerveja gelada! ... Não seja por isso, diz Noel, garçon, por favor, uma cerveja sem gelo.

O silêncio entre os dois nunca disse tanto. Perguntas simples e respostas premeditadas. Até que Noel tenta dizer coisas engraçadas, mas o silêncio predominava e o fez declarar: Hoje tenho uma certeza! Certeza de que? De que tudo acabou. Terminou o romance é verdade! Mas ficou esta obra prima que atesta que não há romance com final feliz.

Último Desejo
Nosso amor que eu não esqueço, e que teve o
seu começo
Numa festa de São João
Morre hoje sem foguete, sem retrato e sem bilhete,
sem luar, sem violão
Perto de você me calo, tudo penso e nada falo
Tenho medo de chorar
Nunca mais quero o seu beijo mais meu último desejo
você não pode negar
Se alguma pessoa amiga pedir que você
lhe diga
Se você me quer ou não, diga que você
me adora
Que você lamenta e chora a nossa separação
Às pessoas que eu detesto, diga sempre que eu não
Presto
Que meu lar é o botequim, que eu arruinei sua vida
Que eu não mereço a comida que você pagou pra mim.

O samba - “Último Desejo” - é uma expressão de última vontade bem ambígua. Para as pessoas amigas, a mulher deverá dizer que o adora, e lamenta e chora a separação. Mas para os inimigos  deverá dizer que o seu lar foi o botequim, e que é indigno do pão que ela pagou para ele. E aqui cabem observações. A primeira é que o poeta  faz em torno de coisas: bares que jamais possuiu, amor que se foi, se alguma vez houve. A outra observação fala dos seus rompimentos amorosos. Ações claras de quem rompe pelo afastamento físico, mas não o sentimento.

Noel Rosa, irregular nos estudos, carregava no rosto o defeito que tanto o maltratou. Poeta inspirado, espírito alegre, o peito amigo,  jeito simples de guardar a dor e a  incondicional  paixão pela boêmia.

A intensa vida noturna, o cigarro, a bebida e má alimentação, colaboraram para que a doença, uma tuberculose pulmonar, o debilitasse. Ainda assim, sua inteligência permaneceu acesa até os últimos suspiros no dia 4 de maio de 1937, quando deixa para sempre seus amores, sua Vila Isabel, seus sambas, as noitadas, o cigarro e a cerveja.Para homenagear o centenário de nascimento do poeta da Vila, a Escola de Samba Unidos de Vila Isabel trouxe para o carnaval de 2010,  o enredo: Noel – A Presença do Poeta da Vila, classificada em 3º lugar. O Autor do samba enredo, Martinho da vila,  empolgado cantou na avenida:

“Se um dia na orgia me chamassem
Com saudades perguntassem
Por onde anda Noel?
Com toda a minha fé responderia
Vaga na noite e no dia
Vive na terra e no céu...”




Jadir Zanardi
Pesquisador da MPB
Autor do livro Benedicto Lacerda – E a saudade ficou.

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