Mercedes Sosa, Presente

Calem-se todas as orquestras, ela já não está. Que o violonista use suas mãos só para secar copiosas lágrimas que brotam em manancial. O espaço mítico que ela ocupava agora está vazio. Que o público faça um silêncio respeitoso, quase religioso. A voz de um povo escendido já não invade tronitoante as plateias. Que os pobres, camponeses, obreiros, proletários das fábricas, pescadores, sapateiros, feirantes, costureiras, amas de leite, babás... que todos se calem, com os olhos cheios de lágrimas, na ausência desta voz que era luz na escuridão. Se se cala a cantora, cala a vida, porque a vida, a vida mesmo é só um canto. Se se cala a cantora, morre de espanto, a esperança, a luz de alegria. Se se cala a cantora ficam solitários os humildes vendedores de jornais. Os carregadores do porto se resignam, quem lutará por seus salários?
Murió La Negra. A voz de uma nação. A voz que vinha de Tucumán  e invadiu o globo terrestre, com o tambor inconfundível latino-americano, pela cintura cósmica do sul, fazendo com que cada povo se sinta mais próximo e acalentado, pelo sopro divinal daquela voz austral.
Mercedes Sosa. A voz de um povo, a alma de um continente. Se você lê este texto sem lágrimas nos olhos é porque, como muitos latino-americanos, não só desconhece a obra, mas a luta, a fé de uma mulher que foi recolhendo caídos pelos caminhos, pelos vários solos fertéis da América Nossa, um canto. O canto argentino, o canto uruguaio, o canto chileno, o canto brasileiro, o canto cubano, nicaraguense, todas las manos, todas, todas las vozes, todas, toda la sangre puede ser canción en el viento. Canta conmigo canta, hermano americano, libera tu esperanza con un grito en la voz.
E se fez Rio-oceano, e se fez manancial inesgotável, puro, límpido, manancial de Violeta Parra, de Atahualpa Yupanqui, de Pablo Milanez, de Chico Buarque, de Milton Nascimento, de León Gieco, de Fito Paez, de Victor Jarra, de Maria Helena Walsh; do povo chileno assassinado, do povo brasileiro assassinado, do povo argentino assassinado, dos povos originais assassinados.
Uma mulher que cantou a dor, as ditaduras, a morte de amigos como Jarra, fuzilado no estádio nacional do Chile, depois de ter as mãos decepadas pela ditadura de Pinochet. Cantou a injustiça, mas que também cantou a luz, a vida e a esperança. Tantas veces me mataron, tantas desapareci, a mi propio entierro fui sólo y llorando, hizo un nudo en el panuelo pero me olvidé después que no era la última vez, y seguí cantando. Tantas veces morirás, tantas resucitarás.
Sim, é um dia de muita tristeza, um dia de muita dor. Morreu nossa luz e nossa alegria. Morreu La Negra, de todos os povos, de todas as lutas, de todos os caminhos, de todas as esperanças. E como na poesia de Maria Helena Walsh, creio que ela quer que todos nós, hermanos y hermanas, sigamos cantando ao sol, como a cigarra, depois de um ano debaixo da terra, igual que sobrevivente que volta da guerra.
A grande homenagem que fazemos e faremos à Mercedes Sosa é celebrar suas músicas, que mesmo não sendo compostas por ela, são dela, por que alcançaram a dimensão diáfana e mística que só ela conseguia ao cantar.
Terminando, como se fosse uma prédica, que todos faremos em tua homenagem, belíssima Negra de Tucumán. Todas as mãos, todas, todas as vozes, todas, todo o sangue pode, ser canção ao vento. Canta comigo, canta, irmão americano, desperta sua esperança com um grito na voz!
Escrito com muita dor, por Roberto Ponciano em homenagem a maior cantora latino-americana, que infelizmente nos deixou neste fim de semana.
De todas as lutas, de todos os caminhos, de todas as esperanças. E como na poesia de Maria Helena Walsh, creio que ela quer que todos nós, hermanos y hermanas, sigamos cantando ao sol, como a cigarra, depois de um ano debaixo da terra, igual que sobrevivente que volta da guerra.
A grande homenagem que fazemos e faremos à Mercedes Sosa é celebrar suas músicas, que mesmo não sendo compostas por ela, são dela, por que alcançaram a dimensão diáfana e mística que só ela conseguia ao cantar.
Terminando, como se fosse uma prédica, que todos faremos em tua homenagem, belíssima Negra de Tucumán. Todas as mãos, todas, todas as vozes, todas, todo o sangue pode, ser canção ao vento. Canta comigo, canta, irmão americano, desperta sua esperança com um grito na voz!
Escrito com muita dor, por Roberto Ponciano em homenagem a maior cantora latino-americana, que infelizmente nos deixou neste fim de semana.
 
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