R. Conheci um manguezal pela primeira vez quando tinha 6 anos de idade, na Ilha do Mel, baía de Paranaguá. Meu pai, que era militar, substituiu o comandante do forte da ilha por um mês. Há vários riachos na ilha que desembocam no mar. Num deles, havia um pequeno manguezal que tingia a água de vermelho. Esta cor, parecida com sangue, vinha do mangue vermelho, rico em tanino. Mais tarde, em 1980, por conta do meu ativismo ambiental, cheguei ao manguezal do rio Paraíba do Sul e fiquei fortemente sensibilizado por este ecossistema. A partir de então, dediquei-me a esta formação vegetal nativa para fins de estudos de história ambiental. Já escrevi três livros a respeito, sendo um de poesia. Agora, vou para o quarto. Tenho ainda mais um sobre o tema. Depois, passo para outros assuntos.
2- Por que estado do Rio e Espírito Santo? São áreas onde os manguezais são comuns ou há outro interesse específico?
R. A costa que se estende da margem esquerda do rio Macaé, no Estado do Rio de Janeiro, à margem direita do rio Itapemirim, no Espírito Santo, apresenta uma grande unidade, como procuro demonstrar no livro. Ela é nova, com cerca de 60 milhões de anos. Trata-se de uma costa baixa, formada por tabuleiros, planícies aluviais e restingas, todas elas formações recentes do ponto de vista geológico. Os povos nativos que a habitaram eram, quase todos, da grande nação macro-gê, como os índios goitacás. Quando os portugueses ocuparam essa região, aproveitando-se da unidade ecológica, eles criaram uma economia, uma sociedade e uma administração política bastante semelhantes, o que me levou a denominá-la de ecorregião de São Tomé, em alusão à Capitania de São Tomé, que se estendia do rio Itapemirim ao rio São João.
3- O livro é resultado de quanto tempo de pesquisa?
R. Quando cursei doutorado na UFRJ, na década de 1990, escolhi estudar as relações das sociedades humanas com os manguezais na ecorregião de São Tomé. Então, redigi um primeiro esboço da minha tese e o conservei. A partir dele, desenvolvi minha tese, mas guardei o original. Quando a Editora Essentia, do IFF, me pediu um livro para publicar, retomei este esboço e o atualizei à luz das minhas pesquisas ulteriores. Cabe esclarecer que percorri, por etapas, a costa que se estende do rio Itapemirim ao rio São João a pé, em cerca de dois anos. Creio que nenhum manguezal tenha escapado da minha investigação. Fiquei muito satisfeito com esta proeza. Considero-me um historiador viajante, como os historiadores do século XIX.
4- Como foi esse trabalho? Envolveu equipe? Houve visitas?
R. Este trabalho é só meu. Fiz tudo sozinho com um gravador e com uma máquina fotográfica na mão, além de muita pesquisa em arquivos. Ele é uma investigação pioneira que peca pela superficialidade mas que ganha pela extensão. Ele cobre todos os manguezais entre os rios Itapemirim e São João, mesmo que um manguezal se limite a um pé de mangue apenas. Ele abre caminho para pesquisadores que desejam estudar algum deles com mais profundidade. Trata-se de um trabalho acima do paradidático e abaixo do acadêmico, destinado a alunos do ensino médio, do ensino universitário e de leigos interessados no assunto.
5- Quais são as referências teóricas a respeito do assunto? É um trabalho totalmente inédito?
R. Teoricamente, orientei-me, basicamente, por Edgar Morin, que estabelece uma religação de natureza com a humanidade. Seu método é o da complexidade e considera que a natureza não-humana é também agente de história. Ela não é uma entidade passiva, como até hoje ainda é vista pelas ciências sociais, sobretudo. Uma concepção como esta exige do investigador conhecimento de cosmologia, geologia, biologia e ciências sociais. O ineditismo do trabalho, no plano teórico, reside no fato de se considerar o manguezal como sujeito de história, interagindo com grupos humanos. Nesta perspectiva, o manguezal tem uma linguagem própria que pode ser ouvida pelo pesquisador. Do ponto de vista empírico, há ineditismo no mapeamento dos manguezais, pois ele nunca foi feito. Posteriormente, excursionei ao norte do rio Itapemirim, até o rio Jucu, levantando também os manguezais de lá. Também me estendi ao sul do rio São João, até a região dos Lagos. Daí o subtítulo: "Com alguns apontamentos sobre o norte do sul e o sul do norte".
6- Há outros pesquisadores ou instituições que se interessam pela preservação dos manguezais?
R. Durante muito tempo, o manguezal gozou de má reputação: área fétida e pútrida causadora de doenças. A partir da década de 70, os cientistas voltaram-se com mais atenção para este ecossistema e vêm confirmando que ele é um dos mais importantes para o funcionamento do planeta. No entanto, políticos, empresários e até mesmo a legislação continuam bastante defasados com relação à ciência. No mundo todo, há muitas instituições estudando os manguezais do ponto de vista biológico, principalmente. Na nossa região, a UENF tem contribuições importantes, principalmente no que toca ao manguezal do rio Paraíba do Sul. Na biologia, o manguezal é um ecossistema muito respeitado. Na história, creio que tenho feito um estudo pioneiro, só conhecendo a historiadora Fernanda Cordeiro de Almeida, que vem fazendo estudos semelhantes em Sergipe.
7- Como foi o processo de escrita até chegar à publicação?
R. Foi bem dialético. Este livro foi revisto e atualizado várias vezes. Seria publicado pelo Ibama, inicialmente, graças ao entusiasmo de Maria de Lourdes Anunciação, a famosa Lurdinha, que já nos deixou, infelizmente. Pensei que ninguém teria mais interesse nele. Então, apresentei-o à professora Maria Inês Paes, do IFF/Macaé. Ela o ofereceu à Editora Essentia, do IFF, que aceitou publicá-lo.
8- Esse não é seu primeiro livro, certo? Quais outros escreveu? Há uma continuidade na pesquisa?
R. Este é meu décimo livro. Comecei com um opúsculo sobre folclore infanto-juvenil na década de 1970 intitulado "O Jogo das Bolinhas", editado pela Funarte. Dez anos depois, publiquei uma memória para a Assembléia Constituinte, com o título de "A Ecologia e a Constituição Brasileira". Logo depois, a Editora Paulinas publicou "Ecologia: Reflexão para Debate". Em 1990, contando com patrocínio da Folha da Manhã, publiquei meu primeiro livro de poesia: "Depois do Princípio e Antes do Fim". Em 1992, a Editora da UFF lançou "Mário de Andrade em Campos dos Goytacazes", analisando a correspondência intelectual de Mário e Alberto Frederico de Morais Lamego. A mesma editora publicou, em 1996, "De um Outro Lugar: Devaneios Filosóficos sobre o Ecologismo". Em seguida, "Entre Câncer e Capricórnio", com artigos sobre manguezais publicados em revistas. Veio, então, meu segundo livro de poesia, "O direito e o Avesso do Mangue". Em 2006, a Faculdade de Direito de Campos publicou "O Manguezal na História e na Cultura do Brasil". Agora é este.
Prestes a me aposentar, vou retirar da gaveta vários projetos de pesquisa e de livros. Pretendo trabalhar em duas linhas: a teórica e a de pesquisa, de preferência em História Ambiental. Meu compromisso é com o norte-noroeste fluminense e o sul capixaba, que são ainda mal conhecidos. Pretendo lançar, ainda este ano, um livro reunindo artigos em jornais e revistas com o título "As lagoas do norte fluminense: contribuição à história de uma luta", e outro de poesia: "Ecopoemas". Sei muito bem o que fazer com a minha aposentadoria.