Uma ótima análise da vitória eleitoral de François Hollande está em artigo que a Folha de S. Paulo publica do seu antigo correspondente na França, João Batista Natali:
"François Hollande derrotou Nicolas Sarkozy e é o novo presidente da França. Tudo bem. Mas a esquerda que ele hoje representa tem muito pouco a ver com a de François Mitterrand, este sim um socialista de radicalismo histórico, que, em 1981, chegou ao Palácio do Eliseu ao imobilizar a direita do então presidente Giscard d'Estaing.
O socialismo de Hollande está hoje 'aguado'. Foi passivo ou conivente na dinâmica em que a integração da sociedade francesa à União Europeia tirou do Estado a capacidade de gerar fórmulas originais ou de de impor reviravoltas sociais e econômicas.
Some-se a isso o fato de o modelo da globalização dos mercados impor aos governos europeus margens estreitas de manobra. Eles podem apenas operar inflexões dentro de um receituário ortodoxo -cortar despesas para rolar os títulos da dívida, por exemplo.
Hollande insistiu que a austeridade fiscal não é a forma adequada para enfrentar a crise eclodida em 2008. Ela traz estagnação, bloqueia o crescimento.
A chanceler Angela Merkel sinalizou na semana passada que poderá caminhar um pouco nesse sentido, por meio de uma receita um um tantinho diferente da que a Alemanha adotou e que vinha financiando no bloco europeu.
Merkel, com isso, atapetou o corredor em que recepcionará Hollande. Ela sabe que entre Paris e Berlim existe um eixo sólido e informal sobre o qual se assenta uma longa agenda que vai da paz na região à preservação das instituições europeias.
O problema para Hollande, no entanto, está numa espécie de círculo vicioso que herdou. Só poderá aumentar os gastos do Estado -para manter o melhor sistema público de saúde do planeta, excelente sistema educacional e serviços de invejável qualidade- se a economia voltar a crescer.
Mas um hipotético retorno ao crescimento levará às demandas sociais represadas, que tornariam o Estado um pouco mais caro e pesado.
E ainda: sem política cambial, já que o franco deu lugar ao euro administrado em Frankfurt, a competitividade externa se dá por meio de fatores como o custo da mão de obra para as empresas (encargos sociais).
É impensável que um presidente socialista trombe com os sindicatos. Nem Sarkozy foi capaz de tamanha loucura".
Natali está certo ao enfatizar que o novo François socialista é versão desbotada do antigo, Mitterrand.
Mas, vale a pena refletirmos sobre as contradições do capitalismo europeu, neste momento de guinada histórica: os políticos comprometidos com políticas recessivas tendem a ser cada vez mais escorraçados pelo eleitorado e quem os substituir, mesmo que aguado, terá de buscar alternativa à ortodoxia econômica neoliberal. Na marra, sob vara dos cidadãos.
Natali mostra a dificuldade da empreitada; o cobertor é curto demais, deixando de fora os ombros ou os pés. Então, é de supor-se que haverá ziguezagues, com novas tentativas de impor o receituário ortodoxo, seguidas de novos recuos impostos pelos que não participaram do banquete e agora se recusam a pagar a conta da esbórnia do grande capital.
A crise capitalista global tende a agravar-se, abrindo uma janela de oportunidades revolucionárias. É isto que nos diz respeito, é isto que realmente importa para nós.
Do blogue Náufrago da Utopia